Após passar 27 anos em condições análogas à escravidão, uma mulher foi resgatada recentemente em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo (SP). A funcionária doméstica tem 82 anos e trabalhava para a família de um empresário e uma médica. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), a idosa não teve acesso a salário, nem folga por quase três décadas.
De acordo com o g1, a Justiça bloqueou R$ 815,3 mil em bens dos acusados na última sexta-feira (2), e a transferência de um veículo do casal também foi bloqueada. O dinheiro será transferido para a vítima, como reparação dos abusos. Provas obtidas pelo órgão apontaram que a empregada trabalhava com a esperança de que os patrões estivessem “guardando dinheiro para ela”, que tinha o sonho de comprar uma casa própria.
As autoridades descobriram o caso através de denúncia anônima e o resgate foi conduzido por membros do MTP e da Polícia Militar. Em seu depoimento, a idosa contou que os chefes enviavam R$ 100 mensais para o irmão dela em Jardinópolis (SP). Ela também era inscrita no Benefício Previdenciário Continuado, mas não tinha acesso ao cartão de saque.
“A trabalhadora fazia referência à empregadora como aquela que provia tudo o que ela precisava. Na verdade, a empregada possuía um benefício assistencial, e a empregadora fazia o gerenciamento daquele recurso e adquiria os gêneros de primeira necessidade para a trabalhadora com esses recursos que eram passados pelo governo. Salário nunca recebeu”, explicou a auditora fiscal Jamile Virgínio.
Segundo o procurador Henrique Correia, a mulher trabalha como empregada desde a infância. “Mulher, negra, de origem humilde, analfabeta, ela é mais um exemplo de interseccionalidade, uma vez que evidencia a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade, as quais permitiram que tantos anos se passassem sem que a presente situação de exploração fosse descoberta pela comunidade que rodeava a família”, disse.
Ao g1, as autoridades contaram que a médica tentou impedir a identificação da empregada e se dirigiu a eles com xingamentos como “minha vontade era te esganar”, e “queria te bater, se pudesse”. Após o resgate, a vítima foi encaminhada à Defensoria Pública da União e o casal pode ser incluído na chamada “lista suja” do trabalho escravo – que reúne aqueles que já submeteram alguém a condições análogas à escravidão.