Uma mulher de 63 anos foi resgatada após 32 anos de trabalho análogo à escravidão em Nova Era, na região Central de Minas Gerais. De acordo com o Ministério do Trabalho, a vítima cuidava de dois idosos e era responsável pelas atividades domésticas em duas casas de um mesmo lote. Segundo o G1, a senhora não tinha uma jornada de trabalho fixo, nem descanso nos fins de semana e férias. Ela também nunca tinha recebido um salário, décimo terceiro, nem outros benefícios.
Após uma denúncia anônima, o resgate foi feito em uma operação da Auditoria Fiscal do Trabalho em Minas Gerais em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e apoio da Polícia Militar. A vítima foi retirada do local em que residia e trabalhava, foi entregue aos cuidados de sua família, e encaminhada para acompanhamento da assistência social do município mineiro.
Segundo a auditora fiscal Cynthia Mara Saldanha, apesar de passar mais de 30 anos sem ter acesso aos seus direitos, a senhora ainda teve dificuldade de entender o contexto em que se encontrava. “As vítimas (desse tipo de crime) geralmente desenvolvem um afeto pelo empregador, o que dificulta a denúncia por elas mesmas”, explicou ela em entrevista ao jornal “O Tempo”. A vítima também está uma situação vulnerável, visto que tinha pouco contato com sua família, não tem amigos, e que sofre de problemas psiquiátricos. “Ela teve uma vida roubada”, relatou a auditora.
Na casa, a idosa cozinhava, lavava e era responsável por todo o trabalho doméstico do empregador, um homem de 47 anos, e dos pais dele – a mãe, com cerca de 70 anos, e o pai, com aproximadamente 90 anos. O homem morava no andar de cima, enquanto a vítima vivia no andar debaixo, junto do casal. Durante o resgate, a equipe descobriu que ela dormia em um corredor do imóvel, sem direito à privacidade: “O quarto dela era um local de passagem. E, na casa, havia mais um quarto com duas camas”.
A mulher teria recebido seu pagamento apenas no início do trabalho. Com o passar do tempo, a comida e a casa passaram a ser consideradas seu “pagamento”. “A mãe nos disse que ela (a vítima) era dela”, revelou Saldanha. Questionado pela auditoria, o empregador disse que “administrava” a aposentadoria da vítima, mas não teria explicado como o dinheiro era usado, já que não ia para as mãos dela. “Ele contou que o dinheiro era revertido em benefício dela, mas ele não apresentou argumento do que fazia com o dinheiro. Até os medicamentos dela, são do posto”, acrescentou a auditora.
Cynthia ainda alertou como o típico argumento de ser “da família” teria sido usado para ofuscar a dinâmica de trabalho. “Mais uma vez, nos deparamos com caso em que a pessoa não paga salário e/ou qualquer direitos trabalhistas sob a alegação de que ‘é da família’. Esta falsa ideia de inserção familiar ou ilusão de pertencer à família é usada como artifício para justificar o não pagamento de salários ou a não concessão de direitos trabalhistas. Essa lógica da ‘parentalidade’ serve para mascarar uma relação de trabalho existente”, pontuou.