Nesta quinta-feira (11), o Linha Direta, da TV Globo, abordou mais um caso que chocou o Brasil: a “Barbárie de Queimadas”. O crime ocorreu na noite de 11 de fevereiro de 2012, na cidade de Queimadas, na Paraíba. Durante uma festa de aniversário, cinco mulheres foram vítimas de um estupro coletivo, seguido dos assassinatos da professora Izabella Pajuçara, de 27 anos, e da recepcionista Michelle Domingos, de 29.
Como relatado pelo programa, o crime aconteceu durante um churrasco em comemoração ao aniversário de Luciano dos Santos Pereira. Em meio à celebração, por volta da meia-noite, o local foi invadido por homens encapuzados, que anunciaram um assalto. O espaço onde a festa acontecia foi mergulhado na escuridão, o que serviu como armadilha.
Os convidados presentes foram separados em dois quartos e as mulheres foram amarradas e estupradas. A música foi colocada no último volume para acobertar os gritos das vítimas, dos vizinhos mais próximos. Por volta das 2h30 da madrugada do domingo, 12 de fevereiro, Izabella foi encontrada morta na caçamba de um carro.
O veículo foi abandonado no limite da cidade, e o corpo da professora estava com os punhos e membros inferiores amarrados e uma meia branca tapando sua boca. O corpo era rodeado de fluídos e sangue, com os seios à mostra. Michelle, por sua vez, foi encontrada na lateral da igreja local, ainda com vida. Mesmo tendo sido socorrida, a jovem não resistiu. Ambas apresentavam sinais de que haviam sido violentadas.
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Reviravoltas na investigação
Em um primeiro momento, foi relatado na cidade que o crime se tratava de um latrocínio, ou seja, roubo seguido de assassinato, já que os criminosos supostamente levaram uma quantia em dinheiro. Não demorou para que novas suspeitas começassem a surgir durante a investigação.
A primeira reviravolta chocante aconteceu no velório da professora e da recepcionista. “Como a gente mora em cidade do interior, tem algumas coisas que são culturais. Na hora que estavam preparando os corpos delas para ir velar, meu tio disse assim: ‘Vamos colocar uma moeda debaixo da língua delas, porque se [o responsável] for alguém conhecido, vai aparecer’. Então esse procedimento foi feito com as duas”, relembrou Isânia Frazão Monteiro, irmã da professora.
“Em um dado momento no velório, levaram um dos meus irmãos para vê-la. Até então só havia escoriações no rosto dela, porque a parte que foi atingida pelos tiros foi a genitália. E quando meu irmão viu aquilo, que ele abraçou o corpo dela, ele começou a dizer ‘levanta daí’. Quando ele colocou o corpo de volta, a camisa dele estava toda suja de sangue e, tanto a Izabella quanto a Michelle começaram a sangrar. As pessoas que estavam por perto começaram a dizer: ‘Elas estão sangrando, então os assassinos estão por aqui'”, revelou Isânia. De fato, os criminosos participaram do velório das vítimas e estavam na fila das condolências, bem como a testemunha chave, a sobrevivente Priscila, irmã mais nova de Izabella e Isânia.
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O depoimento da jovem foi essencial para que a polícia desvendasse o caso, já que Priscila presenciou tudo e sobreviveu ao ataque. Ela falou pela primeira vez na TV. “Nós éramos amigas dos meninos, crescemos juntos. Estávamos lá eu, Michelle, Luciano, Lilian, Sheila, Eduardo, e mais dois amigos dele, que eu não recordo, todo mundo ficou lá, se divertindo. (…) Estava todo mundo ao redor da mesa, ouvindo música, rindo e brincando. O portão da casa dele estava totalmente aberto (…) Em um certo momento, Eduardo puxou o portão, outros foram entrando encapuzados e dizendo ser um assalto. (…) A gente correu, eu, minha irmã e Michelle e eles foram atrás da gente. Eles mandaram a gente sentar no chão e começaram a encapuzar e colocar enforca-gato nas mãos da gente. (…) A gente não tinha como agir, estávamos presas. Eles pegaram a minha irmã e levaram para dentro da casa. Nesse momento, o som estava muito alto. Eu vi que ela se debateu, mas eu só escutava murmúrios”, detalhou Priscila.
“E aí levaram Michelle. O tempo todo, eu ouvindo as batidas, e eu não podia fazer nada. Eles me pegaram e me levaram para dentro de casa. E foi quando eu ouvi: ‘Eduardo, pare. Pare que ‘mainha’ não vai gostar disso não’. E aí foi bem forte, bem agoniante para mim. Eu não tinha forças para ajudar minha irmã e a Michelle. E eu tava ali também e eu pensava: ‘Meu Deus, quem vai ajudar a gente?’. E eu comecei a rezar e rezava alto. Eu rezando e eles me chamando de safada. Nesse momento, eu consegui soltar as minhas mãos e eu comecei a me debater. Como eu entrei em luta corporal com eles, eles deram uma coronhada na minha cabeça e eu caí no cantinho do quarto e eu fingi que estava desmaiada”, relembrou.
Pela fresta de sua venda, Priscila viu os agressores e entre as últimas palavras da irmã, ouviu o nome de Eduardo, dono da casa e irmão do aniversariante. Ao sair do quarto dos fundos, a jovem se deparou com Lilian, mulher de Eduardo, e Sheila, namorada de Luciano, ambas intocadas, mas não encontrou Izabella ou Michelle.
Priscila deixou o local e contou o que havia ocorrido à sua mãe. Mesmo sabendo quem seriam os responsáveis, ela se preocupou em encontrar as vítimas sequestradas com vida. Em choque, após o velório da irmã e de Michelle, ela se dirigiu à polícia, onde contou tudo o que havia acontecido e entregou a identidade dos criminosos.
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Priscila levou os policiais ao endereço de cada um dos estupradores. “Eu estava com o sentimento de perda, em estado de choque, mas eu queria justiça”, declarou a jovem ao Linha Direta. “Desceram vários carros [de polícia] para Queimadas. Eles me colocaram colete à prova de balas e disseram: ‘Priscila, não se preocupe. Não saia do carro, aconteça o que acontecer, não saia do carro’. E aí foram prendendo um por um. Quando pegaram o Eduardo, levaram ele nas baias, onde ele criava cavalos”, detalhou.
Segundo Cassandra Duarte, delegada responsável pelo caso, as mesmas abraçadeiras de poliamida (ou ‘enforca-gato’) usadas nas vítimas foram encontradas em baldes de plástico no local. Além disso, munições e a bainha de um revólver também foram apreendidos pela polícia. Durante as investigações, foi comprovado que o crime, na verdade, foi premeditado por Eduardo dos Santos Pereira, irmão do aniversariante, como um “presente” para Luciano.
Duas das sete vítimas foram poupadas, por serem esposas de dois dos envolvidos. Todos os homens na festa estavam cientes do que aconteceria. Izabella e Michelle reconheceram os estupradores e, por esse motivo, foram executadas com três e quatro disparos, respectivamente. Os dois irmãos tinham interesse sexual em ambas, e Eduardo tinha maior conexão com Izabella, pois havia sido casado com a irmã mais velha da professora. “A gente não imaginava que ele era uma pessoa perversa”, declarou Isânia.
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Desfecho revoltante
O Ministério Público denunciou dez homens pelo crime, entre eles Eduardo, o mandante da barbárie, e o aniversariante Luciano dos Santos Pereira. Em fevereiro de 2014, seis dos dez indiciados foram julgados: Fernando de França Silva Júnior, Jacó Sousa, Luan Barbosa Cassimiro, José Jardel Sousa Araújo e Diego Rêgo Domingues. Na época, todos negaram o envolvimento no estupro, mas afirmaram que Eduardo foi o cabeça do crime. Eles receberam sentenças que variavam entre 26 e 44 anos de prisão.
Em setembro do mesmo ano, Eduardo dos Santos Pereira foi condenado a 108 anos de prisão pelos dois homicídios, bem como os crimes de cinco estupros, formação de quadrilha, cárcere privado, corrupção de menores, porte ilegal de arma e lesão corporal. Entretanto, o senso de justiça para os familiares das vítimas durou muito pouco.
Em novembro de 2020, apenas oito anos após a condenação, a Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba informou que Eduardo, com 100 anos de pena ainda a serem cumpridos, escapou do presídio de segurança máxima. Um funcionário do local teria esquecido um molho de chaves na cozinha, onde Eduardo trabalhava, dando-lhe a chance para fugir.
O criminoso utilizou as chaves para abrir o almoxarifado e deixou o encarceramento tranquilamente, pela porta lateral do presídio. Desde então, ele segue foragido. Dos quatro policiais que faziam a guarda do local na ocasião, apenas um foi autuado por facilitação da fuga. Ele foi liberado posteriormente sem nenhuma penalização.
Três outros envolvidos nos crimes, que eram adolescentes na época e não tiveram seus nomes divulgados, cumpriram medidas socioeducativas e estão em liberdade. Luciano permanece preso em regime fechado, enquanto Diego cumpre os 26 anos e seis meses de pena em regime semiaberto. Em 2020, Jacó Sousa, com pena de 30 anos de prisão, foi assassinado ao retornar a Queimadas, após receber a liberdade condicional. Não se sabe se o assassinato teve motivação relacionada à Barbárie de Queimadas.
A fuga de Eduardo causou revolta coletiva na cidade interiorana, bem como um movimento em prol dos direitos das mulheres na Paraíba. Infelizmente, o caso continua sem um desfecho justo pelas vítimas e seus familiares.