Um mecânico da Voepass, companhia aérea responsável pelo avião que caiu em Vinhedo, afirmou que a empresa sabia dos riscos e ignorou os alertas de manutenção. Em entrevista ao “Fantástico” deste domingo (16), o funcionário, que pediu anonimato, disse que ele e outros profissionais avisaram sobre os problemas.
O acidente aconteceu no dia 9 de agosto de 2024 e matou 62 pessoas. Menos de um mês após a queda, o Centro de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) apontou, em relatório preliminar, que havia muita formação de gelo nas asas da aeronave, mas que os sistemas que expulsam essa camada não funcionaram. Devido à estabilidade comprometida, o avião perdeu sustentação e caiu em um efeito raro chamado “parafuso chato”, em que vai girando e diminuindo a altura.
Na última terça-feira (11), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu as operações da Voepass por falta de segurança, afirmando que a companhia aérea não conseguiu “solucionar irregularidades identificadas” desde o acidente. Em entrevista ao dominical, o mecânico apontou o que teria levado a Anac tomar uma decisão tão drástica. Ele já trabalhava na Voepass antes da tragédia e continuou atuando depois.
“A Voepass não dá suporte nenhum para a gente da manutenção. Não só de materiais, de componentes que vão ser postos nos aviões, colocando para manutenção, como ferramentas, tudo. Passei por grandes empresas, empresas boas, empresas excelentes. Quando chegamos na Voepass, a gente sente uma diferença muito grande“, declarou.
Questionado sobre como a equipe reagiu ao acidente, o funcionário revelou: “Eu já sabia que ia acontecer isso com o Papa Bravo (apelido da aeronave por causa das duas últimas letras do prefixo, P e B). Era o avião que dava mais problemas, era o avião que dava mais pane. A gente avisava que o avião estava ruim, a manutenção sabia que o avião estava ruim, a manutenção reportava, falava, avisava, e eles (alta chefia do centro de manutenção) queriam obrigar a gente a botar o avião para voar“.
Para o mecânico, o que mais chamou a atenção depois da tragédia foi a falta de mudanças na companhia aérea. “Aí se você me perguntar, poxa, mudou alguma coisa? Mudou em nada. Acho até que piorou“, lamentou.
Aviões parados
Imagens obtidas pelo “Fantástico”, em dezembro do ano passado, mostraram aviões parados em um matagal, em Ribeirão Preto, sede da empresa. Segundo o mecânico, eles são canabalizados, ou seja, desmontados aos poucos para fornecer peças às aeronaves ainda em operação. De acordo com o jornalístico, a prática não é necessariamente um problema, mas, segundo o funcionário, no caso da Voepass era feita de modo irregular.
“Aqueles aviões que estavam cobertos, aqueles eram os aviões que estavam no mato. Por que eles mandaram cobrir? Porque a Anac ia fazer uma vistoria lá. Eles não queriam que a Anac visse que estava faltando componente neste avião. A gente tirava componentes desses para outros aviões. Eles estavam escondendo da Anac“, declarou.
Mensagens do copiloto
O relato do mecânico coincidiu com as mensagens que estavam no celular do copiloto, Humberto Alencar. O conteúdo foi obtido com exclusividade pelo jornalístico. A polícia encontrou o aparelho entre os destroços. “Eu trouxe esse celular pra casa, levei a uma assistência técnica e foi recuperado 100%. Consegui fazer o backup e entregar para a Polícia Federal, para ajudar a conseguir manter a integridade do meu marido“, declarou a esposa do copiloto, Rosana Maria Ferreira.
Semanas antes da queda, Alencar falou: “Essa aviação tá complicada, meu caro, com esses aviões fadigados. Não adianta, rapaz, não adianta. Tem que rezar para esse pessoal fazer o possível, né? Pra modernizar essa frota. Porque é complicado, né, meu irmão?“. Em um grupo de mensagens, os tripulantes também demonstraram insatisfação com a companhia.
O que diz a Voepass
Em nota ao “Fantástico”, a companhia aérea afirmou que pretende retomar suas atividades o mais rápido possível e que, durante seus 30 anos de operação, a segurança sempre foi prioridade máxima. Segundo ela, o relatório preliminar do Cenipa conformou que a aeronave do voo 2283 estava com certificação válida e todos os sistemas em funcionamento.
A empresa disse que a reutilização dos componentes entre aviões é legal quando há certificação e rastreabilidade adequadas. Ela contestou denúncias de irregularidades e garantiu seguir todos os protocolos regulatórios. Por fim, alegou que nunca burlou as fiscalizações da Anac.
Assista à reportagem completa:
In an exclusive interview in the program Fantástico, on TV Globo, this Sunday (16), a Voepass mechanic reported problems with maintenance of the plane (ATR 72-500/ PS-VPB) that crashed in August 2024.
Mechanic, who already worked at Voepass before the accident and continued… pic.twitter.com/rbEvvMWiWm
— FL360aero (@fl360aero) March 17, 2025