Nesta semana, uma mulher de 82 anos foi resgatada após passar 27 anos em condições análogas à escravidão, em Ribeirão Preto (SP). A médica pediatra Maria de Fátima Nogueira Paixão e o empresário Hamilton José Bernardo são acusados de manter a idosa em condições de vida precárias, sem salário, sem férias e sem contato social por quase três décadas.
De acordo com o g1, a Justiça bloqueou R$ 815,3 mil em bens dos acusados na última sexta-feira (2). O dinheiro será transferido para a vítima, como reparação dos abusos. Provas obtidas pelo Ministério Público do Trabalho apontaram que a empregada trabalhava com a esperança de que os patrões estivessem “guardando dinheiro para ela”, que tinha o sonho de comprar uma casa própria. Enquanto a médica é aposentada e recebe um salário líquido de R$ 12,7 mil, o homem é dono de uma empresa de confecção de roupas, que tem capital avaliado em cerca de R$ 100 mil.
As autoridades descobriram o caso através de denúncia anônima e o resgate foi conduzido por membros do MTP e da Polícia Militar. Em depoimento, Maria de Fátima contou que conheceu a idosa na casa de uma amiga, que “cedeu” a funcionária depois de um tempo. A vítima também não soube precisar datas. Sua referência de tempo era a idade do filho da patroa, que tinha quatro anos quando ela chegou. Hoje, ele tem 31. Os três filhos do casal acusado também são médicos.
Segundo o procurador Henrique Correia, a funcionária trabalha como empregada desde a infância. “Ela (a médica) falou: ‘Eu estou fazendo uma caridade, porque nem a família dela quer ela”, contou Correia ao Metrópoles. Maria de Fátima também foi questionada sobre os pagamentos da mulher: “Durante esses 30 anos, ela te ajudou a criar o seu filho e a senhora não pagou os direitos dela?”. Segundo o procurador, a pediatra argumentou que remunerou “dando dinheiro picado” para a idosa.
“No entanto, não se comprovou que havia o pagamento dos direitos mínimos e a garantia de dignidade. Constatamos que ela nunca teve um pagamento. Ela nunca registrou essa senhora”, afirmou Henrique. Em seu depoimento, a idosa contou que a médica lhe entregava uma quantia ao mês, mas não soube indicar o valor. Do total, ela retirava R$ 100 para enviar ao irmão, em Jardinópolis (SP).
A idosa também era inscrita no Benefício Previdenciário Continuado, mas não tinha acesso ao cartão de saque. Uma vez ao mês, ela tinha “direito” de visitar os familiares. “Ela (a vítima) recebia um auxílio do governo, mas a gente não sabe onde está esse dinheiro. Ela (idosa) estava com uma bolsa, eu perguntei se ela estava com o cartão da aposentadoria. A senhora respondeu que ficava com a patroa”, disse o procurador.
Segundo o g1, com roupas e calçados simples, cedidos pelos patrões, a vítima tinha uma jornada de trabalho de 7h diárias. Sua rotina começava às 6h30, quando passava o café e saía para comprar o pão, com o dinheiro contado. Ela finalizava após as 14h, já que fazia o almoço para que servisse também de jantar.
Ainda em depoimento, o casal afirmou que considerava a empregada como “alguém da família”. A idosa, no entanto, dormia em um cômodo separado da casa. Segundo o Ministério Público do Trabalho, a relação era de dependência por parte da funcionária, que vivia na expectativa da casa própria e “precisava” deles para viver.
“A trabalhadora fazia referência à empregadora como aquela que provia tudo o que ela precisava. Na verdade, a empregada possuía um benefício assistencial, e a empregadora fazia o gerenciamento daquele recurso e adquiria os gêneros de primeira necessidade para a trabalhadora com esses recursos que eram passados pelo governo. Salário nunca recebeu”, explicou a auditora fiscal Jamile Virgínio.
Ao g1, as autoridades contaram que durante o resgate a médica tentou impedir a identificação da empregada e se dirigiu a eles com xingamentos como “minha vontade era te esganar”, e “queria te bater, se pudesse”. A vítima foi encaminhada à Defensoria Pública da União e o casal responde por uma ação civil pública. Eles também podem ser incluídos na chamada “lista suja” do trabalho escravo – que reúne aqueles que já submeteram alguém a condições análogas à escravidão.