Mulher acusa padre Airton Freire de ordenar e participar de estupro em ‘retiro’; Igreja toma atitude e religioso se pronuncia

Segundo a vítima, Sílvia Tavares, o crime aconteceu a mando do padre e foi praticado pelo motorista dele

No final do ano passado, a personal stylist Silvia Tavares de Souza denunciou o padre Airton Freire de Lima, criador da Fundação Terra, de participar de um estupro do qual ela teria sido vítima em agosto do ano passado.

Nesta quarta-feira (31), Silvia foi até o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual, no Centro de Recife, pedir a conclusão da investigação do caso, que tem sido tratado em segredo de Justiça pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e pela Polícia Civil. As instituições receberam as denúncias contra o religioso em novembro e dezembro de 2022, respectivamente.

O crime de estupro, segundo a mulher, teria sido praticado a mando do padre pelo motorista do religioso. Airton teria presenciado tudo e se masturbado ao assistir ao ato. Após repercussão, o padre negou as acusações, mas foi suspenso de suas atividades.

O crime

Silvia revelou às autoridades que foi estuprada a mando do padre por um motorista dele, de nome Jailson Leonardo da Silva. Em depoimento, a stylist revelou que frequentava retiros espirituais organizados por Airton desde 2019, na Fazenda Malhada, em Arcoverde, no sertão do estado.

Os dois teriam se conhecido quando ela buscou ajuda para o tratamento de depressão. Desde então, Silvia teria participado de cerca de 25 eventos religiosos comandados pelo sacerdote. Em um desses retiros espirituais, no dia 17 de agosto de 2022, a vítima contou ter sido chamada pelo padre para ir até uma casa isolada no terreno, à qual ela se refere como “casinha”, onde ficavam os aposentos de Airton.

No dia 18 de agosto, às 6h30, Jailson levou a mulher para o local. Lá, o padre a aguardava deitado de bruços, coberto com um lençol de seda. “Ele (o padre) disse: ‘Posso te pedir um favor? Me faça uma massagem’. E eu, na maior inocência do mundo, aceitei, porque todo mundo considerava ele um santo, inclusive eu. Foi quando comecei a dar a massagem. Ele tava sem camisa e, quando desci um pouco a mão pelas costas dele, percebi que ele estava nu. Simplesmente dei um pulo e o outro homem (o motorista) colocou uma faca em mim. Fiquei imobilizada porque ele (o motorista) me deu uma gravata e botou a faca. Ele (o padre) disse ‘tire a roupa’ e pediu para o outro (o motorista) tirar a roupa. Ele pegou um lençol de seda e foi para uma cadeira, sentou nu e ficava ordenando tudo”, relembrou.

Padre Airton Freire é criador da Fundação Terra. (Foto: Reprodução/Fundação Terra)

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Enquanto se masturbava, o padre teria ordenado que o motorista a estuprasse, para que ele assistisse ao ato. Com o próprio celular, o padre teria tirado fotos da mulher e de Jailson juntos e nus. Na sequência, Airton teria acariciado os órgãos genitais do motorista e mandado que eles tomassem banho.

“Na hora que Jailson estava me estuprando, o outro [o padre] estava se masturbando. Quando terminou, ele (Airton) simplesmente se levantou, pediu pra tomar banho, eu fui totalmente desorientada, sem saber o que estava acontecendo. Foi a hora que o outro (Jailson) também saiu do banho. Ele (o religioso) pegou no testículo de Jailson e disse: ‘Veja que coisa linda’. Eu disse:’Eu vou morrer?’. Ele disse: ‘Não, você não vai morrer, você vai ficar calada'”, afirmou a vítima. “Não fui estuprada por uma pessoa estranha, foi de alguém que eu amava, um homem que eu considerava como um pai”, lamentou.

Ainda em seu depoimento, Silvia afirmou que tinha uma relação muito próxima com Airton, ao qual ela chamava de “padinho”. Ele, por sua vez, a apelidou de “minha princesa”. A devoção ao padre era tanta, que ela marcou em sua pele o símbolo da Fundação Terra, bem como a frase “Padre Airton: creio em Deus pai”.

A Fundação Terra foi criada pelo padre Airton há 37 anos, no Sertão de Pernambuco, para resgatar a cidadania dos moradores da região que vivem em extrema pobreza. A ONG também desenvolve ações sociais e de saúde, além da manutenção de três escolas e duas creches, bem como de um lar de idosos e casas que recebem crianças e adolescentes em vulnerabilidade.

“Quando eu o conheci, ele olhou pra mim, me abraçou, me beijou e disse: ‘Você pode voltar?’ e eu me senti a mulher mais importante do mundo. Porque é mais fácil chegar perto do Papa do que perto dele, porque ele só anda com jagunços, com seguranças, e ele disse que eu tinha livre acesso. Desde esse dia, ele começou a me chamar de princesa. Eu gostaria que muitas mulheres também tivessem essa coragem, mas eu estou por elas, falando por elas”, afirmou Sílvia Tavares. “A única coisa que eu quero é que esses dois canalhas sejam presos”, finalizou.

Silvia e Padre Airton. (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

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Padre se manifesta

Nesta terça-feira (30), o padre, que alega inocência, foi suspenso de suas atividades pela Diocese de Pesqueira, no Agreste do estado. No decreto divulgado pela Diocese, ficou confirmado que o padre está “privado do uso da ordem” e “não tem jurisdição para presidir ou administrar qualquer sacramento ou sacramental”, como casamentos, missas e etc.

O documento apontou as “denúncias graves feitas pela senhora Sílvia Tavares, e de possível cometimento de delitos tipificados pelo ordenamento da Igreja em seu desfavor” como motivo para o afastamento. Assinada pelo bispo José Luiz Ferreira Sales, a ordem reforçou que Airton, se desejar, pode celebrar a eucaristia, mas apenas em privado, com exclusiva participação de no máximo três fiéis. A decisão considera leis do direito canônico, advertências anteriores recebidas pelo sacerdote (sem citar casos específicos) e a gravidade dos fatos que vieram a público.

A Diocese de Pesqueira informou que não vai se pronunciar sobre o caso além da suspensão, mas afirmou que o decreto tem como intuito “prevenir os escândalos e garantir o curso da justiça”.

Após a repercussão, a defesa do padre Airton enviou uma nota para o g1, afirmando que o religioso “nega a prática de qualquer ato ilícito e reafirma inocência”. Freire afirmou que as alegações de Silvia “não são verdadeiras” e, ainda, que ele lamenta “ter sido alvo de acusações infundadas e injustas” e que “já constituiu advogados para exercer sua defesa”.

Sobre a suspensão, Airton considerou “que o afastamento determinado pela Diocese de Pesqueira permitirá que as apurações transcorram com toda a tranquilidade necessária para que se apure a verdade sobre os fatos”.

A fundação também se pronunciou nas redes sociais e afirmou que as denúncias foram movidas “por interesses que ainda não estão claros”. A organização declarou que as obras sociais da ONG serão mantidas em meio à suspensão do religioso. “O padre Airton Freire lamenta e se sente injustiçado por denúncias de atos ilícitos que jamais cometeu, movidas por interesses que ainda não estão claros. Apesar de muito triste, padre Airton tem confiança que as investigações realizadas restabelecerão a verdade dos fatos — isto é, provarão que crime algum foi cometido. Enviamos esse comunicado a todos os irmãos e irmãs para que se mantenham tranquilos, porque as obras sociais da Terra serão mantidas. O padre está sendo defendido pelos advogados Mariana Carvalho e Marcelo Leal. Também tomamos o cuidado de responder a todas as reportagens na imprensa, com o intuito de reafirmar a inocência do padre Airton. Esperamos que todos se mantenham serenos, pois quem está com a verdade de Cristo não tem o que temer”, concluiu.

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Governo se posiciona

Nesta quarta-feira (31), Sílvia Tavares retornou ao Palácio do Campo das Princesas para tentar falar com a governadora Raquel Lyra (PSDB). No entanto, ela foi recebida pela secretária executiva de Políticas para Mulheres, Juliana Gouveia. A representante do governo estadual revelou que a demora na conclusão do inquérito se deve ao cuidado para que não haja intercorrências no caso.

Gouveia declarou, ainda, que ofereceu acolhimento à mulher: “Ela precisava de acolhimento psicológico, e a gente também vai articular junto com a Secretaria de Saúde. Também precisava de uma advogada e, nesse caso, a gente está articulando com mulheres parceiras, para que ela possa ser acompanhada”.

“A gente não pode passar nenhuma informação sobre o caso agora, porque está correndo em segredo de Justiça, mas o governo de Pernambuco tem o maior compromisso para que esse inquérito possa ser agilizado e que ela possa, sim, ter justiça, para que seja acolhida e o caso dela seja solucionado”, acrescentou.

A Polícia Civil também afirmou que está empenhada nas investigações e reforçou sua atuação “de forma técnica e com compromisso”. A corporação também apontou que não pode fornecer mais informações, pois o caso segue sob segredo de Justiça. O padre Airton Freire não pode exercer o sacerdócio enquanto as investigações da polícia e da Diocese não forem concluídas.

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