Hugo Gloss

Mulher é resgatada no RN após 32 anos em trabalho análogo à escravidão e denúncias de abuso sexual; pastor acusado se manifesta

Escravidao Mossoro Natal

Trabalhadoras foram resgatadas em condições análogas à escravidão em Rio Grande do Norte. (Foto: Reprodução/Subsecretaria de Inspeção do Trabalho)

Após passar 32 anos em condições análogas à escravidão, uma mulher foi resgatada recentemente em Mossoró (RN). A funcionária doméstica tem 48 anos e trabalhava para a família de um pastor evangélico e uma professora desde os 16 anos. Segundo o G1, os órgãos envolvidos na investigação afirmam que ela teria sofrido violência sexual por 10 anos. A Assembleia de Deus de Mossoró e a defesa do religioso se manifestaram sobre o caso.

Denúncias anônimas levaram à operação da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Previdência, que se uniu ao Ministério Público do Trabalho, à Polícia Federal e à Defensoria Pública da União para o resgate. De acordo com a investigação, a trabalhadora tinha de cuidar da casa, fazer a limpeza, lavar roupas, cozinhar, além de cuidar dos quatro filhos do casal, que hoje são adultos. Tudo isso, sem nunca receber salários por seus serviços.

A trabalhadora trabalhava e morava na residência desde os 15-16 anos. (Foto: Reprodução/Subsecretaria de Inspeção do Trabalho)

“Ela participou da criação dos filhos e já estava na participação da criação dos netos, realizando as atividades de babá, sem remuneração, e sem nenhum outro direito trabalhista”, disse Cecília Santos, procuradora do MPT. Quanto às suspeitas de violência sexual, as autoridades afirmam que a família estaria ciente do envolvimento íntimo. “A família confessa, mas disse que o relacionamento era consensual. Todos os filhos sabiam que havia essa relação sexual entre o pastor e a empregada. Mas a trabalhadora nega”, mencionou a procuradora.

O resgate

Marina Sampaio, auditora fiscal do trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, contou que a família chegou a recolher o INSS da trabalhadora por um período, ciente de que poderia sofrer consequências. “Toda responsabilidade pelo cuidado da família e da casa era dessa trabalhadora. E o empregador admitiu que já tinha sugerido à família o registro dela, porque sabia que poderia ter problemas”, disse ela, ressaltando que a vítima também tinha certa noção de que seus ofícios eram explorados.

“Assim que nós verificamos os primeiros indícios, a gente fez a retirada dessa trabalhadora do local, cessamos a relação de emprego no ato e fizemos todo o procedimento de investigação fiscal”, continuou Sampaio sobre o resgate. “A partir de todos esses dados, todas as entrevistas, depoimentos, inclusive com vizinhos e familiares, foi formada a convicção de que havia o crime de submissão da trabalhadora a trabalho análogo à escravidão”, afirmou a auditora.

Indenizações e crimes

Com o desdobramento do caso, a Justiça Federal deve apurar o crime de redução a condição análoga à escravidão, enquanto a Justiça do estado do Rio Grande do Norte averiguará a presença de violência sexual. A trabalhadora ainda deve ser indenizada no âmbito da Justiça do Trabalho. “Vamos seguir na esfera da Justiça do Trabalho buscando essas verbas trabalhistas não recebidas, os últimos 5 anos, porque antes disso prescreve. E, também, indenização por dano moral e dano existencial”, mencionou a procuradora do MPT.

Os cálculos apontam que a família de Mossoró teria uma dívida de cerca de R$ 88 mil referente apenas às verbas rescisórias dos últimos 5 anos da trabalhadora. No entanto, os empregadores não aceitaram um acordo. Houve ainda um pedido na Justiça de uma indenização de R$ 200 mil por danos morais. Porém, os acusados afirmam que não poderiam arcar com os valores.

A casa onde a trabalhadora foi resgatada. (Foto: Reprodução/Subsecretaria de Inspeção do Trabalho)

Defesa do pastor nega crimes

Em nota à Inter TV, afiliada da TV Globo no RN, a defesa de Geraldo Braga da Cunha negou as acusações. “Essa prática degradante jamais foi praticada por nosso cliente, tampouco foi cometido assédio sexual”, alegaram os advogados. Eles ainda disseram não ter obtido acesso integral aos autos do procedimento, “mesmo quando os depoimentos já haviam sido prestados“.

Assembleia de Deus se manifesta e afasta pastor

A Assembleia de Deus de Mossoró também emitiu seu posicionamento, afirmando que recebeu as informações com surpresa. A nota confirmou que o líder religioso foi afastado preventivamente e que um procedimento administrativo foi aberto para apurar os fatos. A Assembleia também pontuou que “deixa bem claro que não comunga em nada com essas condutas denunciadas“.

Outro resgate em Natal

A mesma operação de resgate, que teve seus resultados divulgados ontem (1º), libertou uma outra trabalhadora doméstica em Natal (RN). Ela estava há 5 anos morando na casa de uma idosa, que vivia sozinha. De acordo com o MPT, ela tinha de ficar 24 horas à disposição da senhora, tinha folga só uma vez a cada 15 dias, e recebia apenas R$ 500 pela extensa jornada de trabalho. Além disso, ela teria tirado férias apenas uma vez ao longo de todos esses anos.

A trabalhadora resgatada em Natal estava há 5 anos sob “jornada exaustiva”, quase sem férias e sem folgas. (Foto: Reprodução/Subsecretaria de Inspeção do Trabalho)

A trabalhadora foi resgatada no apartamento de classe média onde a idosa de “família abastada” mora. A mulher tinha de dormir em um colchão no chão e guardava suas roupas em uma mochila, mesmo com a residência contando com um quarto desocupado. “Era uma jornada exaustiva de trabalho. O dia todo e à noite também ela ficava à disposição da empregadora. Sempre que precisava dela durante à noite, seja para pegar uma água, ela acordava e atendia na hora”, descreveu Marina Sampaio.

“Era considerada uma jornada exaustiva, sem descanso no dia a dia, sem o descanso interjornada e sem o descanso aos finais de semana”, afirmou a auditora. Segundo os órgãos, os abusos eram justificados com a desculpa de que a trabalhadora era “como se fosse da família“. “A idosa dizia que a trabalhadora era como se fosse alguém da família dela, que elas coabitavam aquele local, mas ao mesmo tempo ela pagava um salário de R$ 500 para a trabalhadora”, disse Sampaio.

“Era, de fato, uma relação de emprego, só que abaixo do mínimo legal e sem os outros direitos. Existia, claramente, a exploração da força de trabalho dessa empregada”, completou Marina. A Justiça Federal também irá apurar se houve crime de redução a condição análoga de escravidão, enquanto as suspeitas de ameaça e violência física serão analisadas na esfera criminal. A família de Natal (RN) informou ao MPT que se defenderá na Justiça. Neste caso, não houve nem mesmo uma audiência de conciliação.

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