Após a conclusão de que a pastora Flordelis foi mandante do assassinato de seu marido, a Polícia Civil descobriu que o crime era planejado por anos. Em entrevista nesta quarta-feira (26), o chefe do Departamento Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa (DGHPP) do Rio de Janeiro deu detalhes do que as investigações apontaram sobre a organização promovida pela deputada federal.
Segundo o delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, o planejamento do homicídio do pastor Anderson do Carmo aconteceu por, pelo menos, dois ou três anos. “Esse plano tenta ser executado há pelo menos dois ou três anos. Cada integrante da família teve sua participação no crime detalhada no inquérito enviado ao Ministério Público, que acatou na íntegra o relatório do delegado”, afirmou ele, que ainda reforçou: “A investigação já saiu da esfera policial e agora Flordelis é ré”.
Trocas de mensagens e buscas na Internet apontaram que membros do núcleo familiar de Flordelis teriam tentado envenenar Anderson, ou contratar matadores de aluguel para executá-lo. “Alguns aparelhos eletrônicos foram submetidos à análise pericial e chegou-se à conclusão que havia um plano para envenenar a vítima e também buscas por pessoas que pudessem cometer a execução simulando um assalto. O pastor era uma pessoa marcada para morrer”, declarou o delegado.
Ao invés de interpretar como uma intoxicação, Anderson acreditava que estava passando por problemas de saúde. “Ele foi internado diversas vezes em que tentaram envenená-lo, mas não morreu. Ele não sabia o que estava acontecendo. Pensava que estava tendo problemas de saúde, já que foi internado na emergência várias vezes por se sentir mal”, explicou Nunes sobre a reação do pastor. “Até outros familiares que não sabiam do plano diabólico ingeriram o alimento que seria destinado a ele e também passaram mal”, comentou o oficial.
Polícia está certa da participação de Flordelis
De acordo com o delegado, Flordelis foi a mandante do homicídio por conta do rígido controle financeiro de seu marido – que também era “ex-filho” da pastora. “Não temos dúvidas em indicar que a parlamentar participou ativamente da morte. O pastor Anderson morreu com 30 tiros em sua residência, e ela é mentora dessa execução. O grupo que foi preso, com exceção dela, planejou e tentou por outras oportunidades ceifar a vida da vítima, com a motivação de ele exercer ‘com mão de ferro’ o controle financeiro da família”, explicou.
“Naquela família havia um núcleo criminoso, liderado pela parlamentar”, acrescentou Antônio Nunes. O oficial também lamentou que, apesar de pregar valores de amor, a deputada tenha agido de tal maneira sórdida. “É estarrecedor que uma parlamentar que se elegeu pregando o bem, a adoção de crianças e falando em nome de Deus cometa um crime hediondo com requintes de crueldade”, avaliou ele.
Polícia espera por cassação da deputada
Apesar de ter se tornado ré no caso, Flordelis não foi presa por conta da imunidade parlamentar. Entretanto, a deputada deve responder pelas acusações não apenas de homicídio, como também por tentativa de homicídio, uso de documento falso, falsidade ideológica e organização criminosa.
“Ela apenas não foi presa pela condição de parlamentar, mas esperamos que o Parlamento tome as medidas administrativas pertinentes para excluir o privilégio que ela tem de ser presa somente por flagrante de crime inafiançável”, comentou o delegado, que espera que Flordelis seja cassada pela Câmara dos Deputados e possa responder legalmente por seus atos.
“Todos os pressupostos de decretação de prisão preventiva estão presentes. Houve tentativa de burlar provas, intimidação de testemunhas. Isso é requisito básico para a preventiva. Tanto que outros participantes acabaram sendo presos […]. Esperamos que ela tenha logo a condição de parlamentar cassada e responda presa”, finalizou. Assista à entrevista aqui:
Entenda o Caso
Um ano e dois meses após a morte do pastor Anderson do Carmo, as investigações concluíram que a viúva dele, a deputada federal Flordelis, foi a mandante do assassinato. Nesta segunda-feira (24), equipes da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI) e do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro cumpriram 11 mandados de prisão e outros de busca e apreensão contra a deputada, filhos e neta do casal e outros familiares.
Como tem foro privilegiado, a parlamentar não será presa agora, mas outras pessoas já foram levadas pela polícia: Marzy Teixeira da Silva, filha adotiva do casal, Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica, André Luiz de Oliveira, filho adotivo, Carlos Ubiraci Francisco Silva, filho adotivo, Adriano dos Santos, filho biológico, Rayane dos Santos Oliveira, neta, o ex-PM Marcos Siqueira e a esposa dele, Andreia Santos Maia.
“Ela foi surpreendida com a nossa chegada. Chorou um pouco. Tem muita gente dentro da casa. O importante é que as prisões foram cumpridas e a investigação chegou ao fim hoje”, descreveu o delegado Antônio Ricardo Lima Nunes, chefe do Departamento de Homicídios, em entrevista ao “Bom Dia Rio”. “O parlamentar tem a sua imunidade. Ele só pode ser preso em flagrante, por crime inafiançável. Então, ela responderá pelo crime, como mandante. E nós também pedimos medidas cautelares”, completou ele, ressaltando que encaminhou o caso para o Superior Tribunal de Justiça.
“A investigação chegou a esta conclusão: que ela planejou esse assassinato covarde. Motivação é porque ela estava insatisfeita com a forma que o pastor Anderson tocava a vida e fazia a movimentação financeira da família”, explicou o delegado. Além dela e dos familiares já mencionados, a primeira fase da investigação identificou Flávio dos Santos Rodrigues, filho biológico da deputada, como executor do crime, e Lucas César dos Santos, filho adotivo do casal, como a pessoa que comprou a arma utilizada no assassinato. Os dois já estão presos.
“Chegamos a 11 pessoas que serão responsabilizadas criminalmente por esse crime. Crime bárbaro, crime covarde. E hoje conseguimos finalizar essa investigação”, apontou Antônio Ricardo. “Todos eles têm uma participação que ficou comprovada no decorrer da investigação. Com todas as buscas que foram feitas, os depoimentos e as contradições chegamos a essa conclusão. Temos 11 pessoas respondendo criminalmente, levando em conta que a família são 55 (pessoas), nós temos 20% respondendo por esse crime”, declarou ele.
Anderson do Carmo de Souza foi assassinato no dia 16 de junho de 2019. De acordo com o depoimento prestado pela pastora na época, ela voltava de uma confraternização com o marido quando percebeu que o veículo estava sendo perseguido por duas motos. Quando já haviam chegado em casa, o pastor disse que voltaria para buscar algo que havia esquecido no carro.
Momentos depois, ela teria ouvido tiros e encontrado Anderson ferido na garagem. Ele chegou a ser hospitalizado, mas não resistiu aos ferimentos causados por mais de 30 tiros. Em um primeiro momento, a morte pareceu um caso de latrocínio, quando há homicídio com objetivo de roubo. No entanto, de acordo com a investigação, tudo não teria passado de uma simulação planejada pela deputada do PSD.
Segundo a denúncia, Flordelis planejou o homicídio e foi responsável por arregimentar e convencer o executor direto e demais acusados a participarem do crime. A parlamentar também financiou a compra da arma e avisou da chegada da vítima no local em que foi executada. Ela foi indiciada pelo crime de homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa majorada.
A DHNSGI (Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo) vai encaminhar à Câmara dos Deputados Federal uma cópia do inquérito com resultado da investigação para adoção de medidas administrativas cabíveis. Apesar da imunidade parlamentar, o procedimento poderá levar ao afastamento da parlamentar para que ela responda pelo crime na prisão.
Em relação aos demais denunciados, as investigações apuradas pelo ‘UOL’, descrevem as ações deles em diferentes etapas, incluindo planejamento, incentivo e convencimento para a execução do crime. Além disso, eles estão envolvidos em tentativas de homicídio anteriores ao fato consumado, através da administração de veneno na comida e bebida da vítima ao menos seis vezes, sem sucesso.
Todos ainda são acusados de usar documento falso por tentarem, através de uma carta redigida por Lucas, atribuir a autoria e ordem para o assassinato a outras pessoas diversas. Nesse documento, o executor do crime, Flávio, e Flordelis tinham por objetivo se livrar da responsabilização do crime, ao mesmo tempo em que se vingariam de dois filhos adotivos da deputada que não teriam aceitado as ordens de se calar ou faltar com a verdade nos depoimentos. Os réus responderão também por associação criminosa.
PSD suspende Flordelis e vai adotar medidas para expulsar deputada
Os novos desdobramentos do caso tiveram impacto sério na carreira política de Flordelis. Na tarde de hoje (24), o Partido Social Democrático anunciou que decidiu suspender a filiação da deputada federal e que ainda pretende tomar medidas para expulsá-la do partido. Em nota, o presidente da sigla, Gilberto Kassab, afirmou que defende o andamento do processo após a cantora gospel ter se tornado réu.
“O PSD esclarece que desde o início acompanhou o caso citado e defendeu o andamento e aprofundamentos das investigações. Diante do indiciamento da parlamentar, o corpo jurídico do partido adotará as medidas para a suspensão imediata de sua filiação e, a partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros”, informou Kassab.
Segundo reportagem do “Jornal Hoje”, a Delegacia de Homicídios encaminhou uma cópia do inquérito à Câmara dos Deputados, para que a Comissão de Ética avalie a possibilidade de uma cassação do mandato de Flordelis. Por conta da chamada imunidade parlamentar, a deputada só poderá ser presa caso perca seu mandato, ou se for condenada em última instância.
Defesa de Flordelis se manifesta
Na delegacia, o advogado Anderson Rollemberg disse a jornalistas que Flordelis não tinha ingerência sobre o dinheiro da família, e acredita que há um “equivoco” na história. “Ela é cantora gospel, líder religiosa e parlamentar federal. A questão dela sempre foi dar o melhor para os necessitados. Por isso tinha mais de 50 filhos. Na opinião da defesa, está havendo um grande equívoco no desfecho desta investigação”, alegou a defesa da deputada.
Rollemberg também se disse surpreso com a decisão da polícia de prender denunciados. “A defesa foi surpreendida com essas prisões preventivas das cinco filhas da deputada e da neta. Tomaremos conhecimento do que há de indícios para que essas prisões fossem feitas e para o indiciamento da deputada, já que na primeira fase da investigação, passou longe de qualquer prova que a apontasse como mandante”, disse ele.