Nesta semana, subiu para 73, o número de vítimas afetadas pelo médico João Couto Neto, em Novo Hamburgo, Região Metropolitana de Porto Alegre. O especialista em cirurgias do sistema digestivo é investigado por lesões e mutilações durante procedimentos médicos. Segundo o jornal O Globo, cerca de 18 famílias apontam que seus entes queridos morreram após atendimento de João Couto. A polícia afirma que o número de vítimas deve passar de 100.
Por decisão da Justiça, o cirurgião está afastado desde o dia 12 de dezembro, por 180 dias, sem poder atender pacientes ou se aproximar de parentes das vítimas. Desde a primeira denúncia, a Polícia Civil de Novo Hamburgo segue recebendo novos relatos. Neto só atendia em hospitais particulares e chegava a acumular 25 cirurgias em um mesmo plantão.
As autoridades trabalham com duas linhas de investigação: a primeira aponta que o médico queria aumentar seus ganhos financeiros com o trabalho intenso, o que levava à negligência durante a cirurgia e no pós-operatório. A outra é a hipótese de “crueldade deliberada”, já que as falhas são consideradas “graves”.
“Não conseguimos entender por que ele fazia isso com as pessoas. Às vezes, operava uma região do corpo, mas cortava outra que não tinha a ver com a cirurgia. Houve casos de pessoas que definharam no hospital, morrendo aos poucos. Isso é recorrente nos depoimentos. Ainda vamos evoluir para traçar o seu perfil”, disse o delegado Tarcísio Kaltbach, que defende que seja feita uma avaliação psiquiátrica.
Cristiana Costa perdeu a mãe, Núbia Costa, após uma perfuração no intestino durante cirurgia para retirar uma pedra na vesícula. “Quando minha mãe teve alta, ele disse que tinha perfurado o intestino sem querer, mas que já havia feito a sutura e não teria nenhum problema. Como sou leiga no assunto, acreditei. Mas ela nunca esteve bem. Ficou sentindo dores abdominais, vomitando. Quando eu trocava mensagens com ele, as respostas eram de que estava tudo normal, ele só receitava chá e leite de magnésia. Houve várias etapas em que poderiam reverter a situação. Mas minha mãe não teve a oportunidade”, lamentou a jovem.
A moça ainda contou que o especialista era o mais indicado pelos planos de saúde da cidade. “Ela ficou 60 dias no hospital até falecer. No final, já estava com uma cratera na barriga, porque de tanto abrir, não adiantava mais costurar. Era coisa de terror. Depois, ainda descobri que o caso da minha mãe nem foi o pior de todos”, disse.
Segundo o Globo, foi Cristiana quem descobriu a semelhança do caso da mãe com outras vítimas, após conversar com funcionários do Hospital Regina, onde Couto Neto atuava com mais frequência. Um grupo se formou na internet e familiares de 15 ex-pacientes contrataram um advogado para denunciar o caso. Atualmente, o grupo tem representantes de 50 supostas vítimas.
“Entre os casos, há uma senhora que está em estado vegetativo há cinco anos, por causa de uma perfuração no fígado. Gente que teve perfuração de veia. Há outra ex-paciente que passou pela nona cirurgia tentando arrumar o intestino. Atribuo tudo o que ele fez de errado à falta de conduta. Faz tanto tempo que isso vem ocorrendo que a gente fica se perguntando por que precisaram acontecer tantos casos para alguma coisa ser feita”, explicou.
De acordo com o delegado Kaltbach, o médico esteve na delegacia para prestar depoimento e optou por ficar em silêncio. Os documentos, prontuários e relatórios ainda serão analisados pela perícia. Enquanto isso, a defesa de Neto afirmou que está “aguardando a integralidade do inquérito” para se manifestar.
“É estarrecedor o que ele fazia. Temos fotos de pessoas com a barriga aberta, apodrecendo, e ele não receitava nada, nenhum medicamento. Dizia que não era nada e que tudo ia passar. Temos relatos de tentativa de suicídio dentro do hospital, por causa de tanta dor. Uma vítima, por exemplo, ia fazer a correção de uma hérnia e tinha o intestino perfurado. Uma outra vítima ia fazer uma cirurgia de uma pedra na vesícula e tinha o fígado cortado”, contou o policial.
A Justiça negou o pedido de prisão preventiva do médico, determinando apenas seu afastamento. Dentre os casos há depoimentos que apontam infecção generalizada, trombose, embolia pulmonar e demência após a realização de procedimentos pelo cirurgião.
O delegado também afirmou que os hospitais onde o cirurgião atuava serão investigados e os responsáveis podem responder por crime de omissão: “Ainda não temos como concluir se houve crime por parte do hospital. Mas à medida que sobe muito o número de cirurgias para um único profissional, o hospital deveria ter se atentado a isso. Eles tinham ciência. Até porque ele precisava reservar os blocos cirúrgicos”.
Em nota, a assessoria do Hospital Regina disse que está colaborando com a investigação e reforçou que não indicou o cirurgião para nenhum paciente. Segundo o comunicado, das 14 vítimas citadas no processo, apenas quatro formalizaram reclamações. “O médico usava a estrutura do hospital para exercício de sua profissão, sem que a unidade o indicasse a paciente. A direção criou uma Comissão de Comunicação Interna para acolhida e escuta dos representantes dos pacientes e familiares”, diz a nota.