Hugo Gloss

Polícia revela o truque de influenciadores para enganar seguidores com ‘Jogo do Tigrinho’; assista

Jogo do Tigrinho (Reprodução/TV Globo)

O “Fantástico” deste domingo (23), exibiu como alguns influenciadores enganam o público com o “Jogo do Tigrinho” para fazer dinheiro. A Delegacia de Estelionatos de Maceió (AL) chegou a ter acesso a uma conta demo, que normalmente é usada por eles para mostrar como seria fácil ganhar o jogo.

Na internet, os influencers prometem prêmios e enriquecimento utilizando-se de propagandas fraudulentas do jogo clandestino. A brincadeira baseia-se em formar uma combinação de figuras iguais, como um caça níquel, mas online. Porém, enquanto eles exibem os ganhos, o público lamenta por nada disso ocorrer, de fato.

A reportagem citou como exemplo, a blogueira Paulinha Ferreira. Ela supostamente ganhava sempre e mostrava isso aos seguidores, até que a polícia descobriu sobre a conta demo. Ao usá-la, o usuário conquista rapidamente R$ 500 ou mais. É através desse recurso que os influenciadores ganham e comemoram na internet.

“Eles influenciaram muitas pessoas com essa informação falsa, sem informar que se tratava de uma conta só de demonstração. Está extremamente claro [que eles estão enganando as pessoas]. Eles eram orientados”, afirmou Eduardo Mero, delegado-geral adjunto da Polícia Civil de Alagoas.

Durante as investigações, a polícia encontrou conversas entre os influencers com agenciadores e as plataformas, negociando os termos da divulgação. “O ideal é que seja alguém que faça você jogando. E lhe marque, entendeu? ‘Tô faturando aqui, tô jogando’ e tal, entendeu? E quando for fazer os stories sobre os joguinhos, animação. Bem feliz, bem animado. ‘Tô ganhando, tô faturando’. É isso que as pessoas querem pra poder clicar no link. Arrebente aí”, explica uma das agentes.

Polícia descobriu conta demo usada por influenciadores para divulgar o “Jogo do Tigrinho” (Foto: Reprodução/TV Globo)

Conforme o delegado da Polícia Civil de Alagoas, Lucimério Campos, também foram obtidas planilhas em que eles demonstram materialmente como se dava o enriquecimento dos influencers. “Pessoas que até um passado recente não tinham patrimônio, de repente, se tornaram milionárias. Alguns com carros de luxo avaliados em mais de R$ 1 milhão. Tudo isso, com recursos provenientes desse jogo”, declarou.

Como apontado pelo dominical, Paulinha ostentava carros importados e contava que tudo tinha sido comprado com o dinheiro adquirido no “Jogo do Tigrinho”. Nesta semana, vários desses veículos foram apreendidos. Para o delegado de estelionatos de Maceió, a blogueira faz parte de uma organização criminosa junto com outros 11 influenciadores e agentes, incluindo o marido dela, Ygor Ferreira.

Em uma nota de esclarecimento, os advogados dos influenciadores rebateram as acusações. “Não existe nos autos da investigação, a comprovação da prática de qualquer conduta criminosa. A defesa apresentará, no momento oportuno, as provas cabíveis sobre a regularidade dos bens e do patrimônio. Os influenciadores digitais não podem ser responsabilizados por eventuais problemas que os jogadores tenham enfrentado com as plataformas que hospedam os jogos online”, diz o texto.

A assistente social Maria das Graças Conceição dos Santos foi uma das pessoas que perdeu tudo com o jogo. “Parece que você está brincando, mas nessa o seu dinheiro vai e você não percebe. Ganhei um pouco e aquilo me animou. E aí eu fui colocando dinheiro e comecei a perder”, recordou.

“Quando eu me vi, já estava endividada. A única saída pra mim, naquele momento, era me desfazer do meu sonho, da minha loja. Eu perdi aproximadamente R$ 200 mil”, revelou Maria. Além dela, a polícia de Maceió também recebeu outras denúncias sobre o jogo online. “A gente viu muita gente em ruína, enfrentando grandes problemas”, salientou Campos.

Empresários da cidade perceberam que os funcionários estavam passando tempo demais no celular e o rendimento no trabalho começou a cair. “Pediam adiantamento de férias, antecipação de 13º salário, pediam empréstimo da empresa. Procuravam o departamento pessoal pra tentar fazer acordo para se desligar da empresa. Tudo estava ocorrendo em decorrência aos jogos eletrônicos, principalmente o ‘Jogo do Tigrinho'”, explicou Rafael Tenório.

Plataformas legalizadas, conhecidas como bet, devem seguir as seguintes regras (Foto: Reprodução/TV Globo)

Em São Paulo, mais de 60 pessoas procuraram a polícia para denunciar o jogo clandestino. “São mais de 500 boletins de ocorrência que foram elaborados que versam sobre esse tipo de contravenção penal. Os perfis são variados, desde as pessoas mais novas até as pessoas de mais idade, pessoas mais humildes, de poder aquisitivo maior. Enfim, pessoas que vendem carro, que vendem a casa para fazer as apostas”, descreveu Eduardo Miraldi, delegado da 3ª Delegacia de Investigações Gerais.

“Muitos influenciadores costumam fazer publicações falsas de ganhos falsos, oriundos do jogo. Tá induzindo os usuários ao erro. Além do jogo de azar, nós temos investida também toda essa organização criminosa. Já que ela conta com o influenciador, com as pessoas responsáveis pelos jogos, com as pessoas responsáveis pelas plataformas de pagamento. Ou seja, não é simplesmente a contravenção penal”, completou.

No estado, cerca de setenta perfis de influencers foram bloqueados. Já em Maceió, todos os investigados não têm mais as redes sociais. Além da divulgação por meio de pessoas conhecidas na internet, em esquemas clandestinos, convites para o “Jogo do Tigrinho” chegam pelo WhatsApp e na web, geralmente a partir de perfis falsos.

Maria das Graças foi uma das pessoas que perdeu tudo com os jogos online (Foto: Reprodução/TV Globo)

Ilegalidade

Os jogos online estão hospedados em plataformas clandestinas que não são auditáveis e não seguem regra alguma. É diferente das plataformas legalizadas de apostas, conhecidas como ‘bets’. Algumas também oferecem a brincadeira, mas têm operação sujeita a regras estabelecidas em duas leis.

A primeira (Lei 13.756/ 2018) legalizou as apostas de quota fixa sobre eventos reais de temática esportiva. Enquanto a outra (Lei 14.790/2024) ampliou o alcance da legislação, exigindo que as empresas tenham endereço no Brasil, definindo a tributação e incluindo os jogos online. Esta lei está em período de transição, além de um processo regulatório conduzido pelo Ministério da Fazenda que termina no fim deste ano. A proposta objetiva estabelecer critérios técnicos e jurídicos para a liberação dos jogos online.

Órgãos se pronunciam

A Associação Nacional de Jogos e Loterias se manifestou sobre o caso em uma nota ao “Fantástico”. “As casas de apostas sérias que atuam no Brasil estão se submetendo ao processo de regulamentação do mercado, ainda em curso. Têm implementado medidas para prevenir vício entre apostadores, por meio da conscientização de que os jogos são para entretenimento, não para enriquecimento”, observou.

“Em relação a eventuais crimes cometidos por influenciadores que divulgam o ‘Fortune Tiger’, ‘Jogo do Tigrinho’, as leis têm regras claras de publicidade responsável. O jogo cumpre as regras legais e regulamentares, sendo uma espécie de aposta de quota fixa, prevista na legislação. A modalidade se enquadra na categoria de jogos online denominada ‘slot games’ e pode ser operada pelos sites de apostas, por meio da Lei 14.790/2023 e normas infralegais, desde que cumpridos alguns requisitos legais. Entre eles o de ser informado previamente ao jogador o fator de multiplicação do prêmio em caso de ganho na aposta”, concluiu o texto.

Já o Ministério da Fazenda afirmou em comunicado que, “após estabelecidos critérios técnicos e jurídicos, os jogos deverão ser submetidos à certificação realizada por entidades habilitadas. E jogos que não passarem por essa certificação não poderão ser considerados legais”. O órgão acrescentou que o período de transição termina no final de 2024 e, a partir de primeiro de janeiro de 2025, começará o mercado regulado, quando os sites legais poderão apenas oferecer jogos online certificados, auditáveis, e sem manipulações que prejudiquem o apostador.

Assista à reportagem completa:

Sair da versão mobile