Aos 18 anos, um rapaz britânico chamado Alex Lewis sofreu um grave acidente de moto e entrou em coma. Quando despertou, meses depois, não sabia quem era e havia esquecido todos os detalhes da vida, com exceção de uma única pessoa: seu irmão gêmeo, Marcus. Com base nas informações passadas por ele, Alex foi recordando a própria história. No entanto, mais de uma década depois, ele descobriu que o passado que havia acreditado viver era uma invenção do irmão para protegê-lo de um trauma violento que ambos tinham sofrido na infância.
Em um episódio do podcast “Que História!”, da BBC News Brasil, Alex contou que estava de carona em uma moto quando ela caiu e pegou fogo. Ele foi levado às pressas ao hospital. “Entrei em coma, com vários ferimentos na cabeça. Os médicos disseram a meus pais e minha família que as chances de eu sair do coma eram bem pequenas. Mas meu irmão gêmeo, Marcus, disse que podia sentir que eu estava saindo do coma. Ele ficava ao lado da minha cama, dia após dia, falando comigo, tocando músicas. Até o dia em que, de repente, eu acordei, olhei para ele e disse: ‘Olá, Marcus’”, relembrou.
Naquele momento, havia uma mulher chorando no quarto, que ele não reconheceu: “E eu disse ao meu irmão: ‘Quem é ela?’. E ele disse: ‘Essa é a mamãe’. Eu simplesmente não sabia quem ela era. Na verdade, eu nem sabia meu próprio nome. Eu só sabia que aquele cara no quarto era meu irmão gêmeo e que o nome dele era Marcus”.
Recordando as memórias
Ele afirma que se sentia como uma criança no corpo de um adulto. “Tive que aprender a amarrar os sapatos de novo”, explicou. Marcus, por sua vez, passou a guiá-lo por cada etapa da nova vida. “Minha mãe se recusava a acreditar que ele havia perdido a memória, então, na verdade, isso dependia de mim. Eu tive que mostrar a ele onde morávamos. ‘Essa é a cozinha. Esse é o banheiro. Esse é o nosso quarto. Esta é a sua escova de dentes. Esses são seus sapatos’. Literalmente do zero”, explicou o irmão.
Alex passou meses no hospital e, depois, voltou a morar na casa da família. Lá, Marcus o ajudou a se reintegrar: “Ele me contou sobre minha vida, sobre minha família. Ele me dizia, esse é nosso pai, essa é nossa mãe, nosso irmão, nossa irmã. E eu acreditava em tudo o que ele dizia. Ele me apresentou à minha namorada, que para mim era uma pessoa que tinha acabado de conhecer. Me disse que eu tinha um emprego, que eu já não morava na casa dos meus pais”.
Para ajudar o irmão a fingir normalidade em ambientes sociais, Marcus desenvolveu uma tática. “Quando éramos convidados para um jantar, por exemplo, a gente parava do lado de fora da casa e eu fazia uma sinopse sobre as pessoas que iríamos visitar. Quem eram eles, qual é a ligação deles conosco, há quanto Alex os conhecia”, contou.
Com o tempo, Alex se reintegrou à rotina: aprendeu a dirigir, voltou a trabalhar e manteve contato com a família. “A pessoa com quem eu tive mais dificuldade de me aproximar foi minha mãe. Levei muito tempo para aceitar que ela era minha mãe. Por alguma razão, eu sabia que não conseguia me conectar 100% com ela. Eu também tentei manter o relacionamento com minha namorada, mas não deu certo, porque eu era agora uma pessoa diferente, não conseguia entender a relação com ela”, relembrou Alex.

Os anos passaram, o padrasto Jack morreu em 1990 e a mãe, Jill, em 1995. “Foi difícil. Eu tinha 18 anos quando a conheci e 30 quando ela morreu. Eu gostava muito dela. Quando ela morreu, eu chorei na cama. Estávamos todos lá em casa quando ela se foi. E foi só nesse momento que percebi que ninguém mais estava chorando ou se incomodando que ela tinha acabado de morrer. Foi quando comecei a questionar que algo aqui não estava certo”, contou.
O segredo
Ele e Marcus então passaram a vasculhar os pertences da mãe, que era acumuladora. No sótão, encontraram presentes guardados há anos, mas no quarto, descobriram algo perturbador: “Dentro de uma gaveta achamos uma foto com Alex e eu, com cerca de dez anos de idade, completamente nus e com as cabeças cortadas. Ela cortou as cabeças da fotografia. Eram apenas nossos corpos sem nossas cabeças na fotografia”.
Marcus ficou em choque: “Fiquei horrorizado porque, quero dizer, ninguém pega uma tesoura e corta. Não foi uma coisa acidental. E por que ela precisava de uma foto nossa nua em uma gaveta secreta? E então eu comecei a pensar. Os presentes não estão certos, e essa foto nua não está certa. Essa mulher era mais complicada do que eu tinha pensado até agora”.
Curioso com o que aquilo poderia significar, Alex decidiu iniciar uma terapia com a mesma profissional que atendia os outros irmãos. “Em uma das sessões, ela começou a fazer perguntas que abriram alguma coisa em mim. Eu comecei a chorar, sem saber direito o motivo. E ela apenas disse que eu tinha que conversar com meus irmãos: ‘Você precisa ir e perguntar a verdade a eles’”, revelou.
Alex, então, foi confrontar Marcus: “Acho que fomos abusados sexualmente por nossa mãe”. O irmão apenas acenou com a cabeça. Segundo Alex, os abusos eram cometidos pela mãe, Jill, em sua própria cama. Ela também entregava os filhos para serem violentados por homens que conhecia. O marido dela, Jack, aparentemente não sabia de nada.

Apesar de não se lembrar dos abusos, Alex foi profundamente afetado pelas revelações. “Foi devastador. Não tinha lembrança alguma disso. Acho que quando eu perdi a memória eu perdi também meus sentimentos, por todos esses anos. Mas essa revelação sobre meu passado acabou abrindo uma porteira e pela primeira vez, desde o acidente, eu entrei em um turbilhão de emoções. Eu me senti péssimo com a coisa toda. E por ter vivido na casa dos meus pais, depois do acidente, sem saber de tudo isso”, lamentou.
Marcus, por sua vez, revelou por que escondeu tudo. “Foi um momento que eu nunca vou esquecer, porque eu estava vivendo essa vida falsa, contando histórias falsas para Alex e tornando nossa vida ‘normal’, sem qualquer vestígio de que fomos abusados por nossa mãe ou de que tivemos uma infância difícil”, explicou. Ele ainda justificou a decisão: “Eu tinha duas opções: ou eu dizia, ‘Alex, eu tenho algo muito importante para te dizer, e vamos ter que lidar com isso’. Ou eu dava a ele essa mentira e libertava ele do passado de abuso infantil. E eu decidi fazer isso”.
“Foi como apertar o botão de delete. Eu tirei tudo isso dele, criei uma nova realidade para ele. E passei anos e anos fazendo isso. E eu contei a história falsa por tanto tempo, que eu mesmo comecei a acreditar nela. Ou seja, eu estava ajudando ele e me ajudando também. E, de repente, em um segundo, tudo voltou, tudo se desfez. E Alex finalmente soube que boa parte do que eu tinha dito a ele, era mentira”, continuou.
Alex afirmou que não guarda ressentimentos do irmão. “Muitas pessoas me disseram: ‘mas você não ficou furioso com seu irmão por mentir para você?’. E eu respondia, ‘não, de jeito nenhum’. Foi uma coisa muito difícil para ele, mas foi uma coisa maravilhosa. Ele quis me proteger de uma infância horrível. Acho que ele pensou que eu nunca descobriria. E acho que se tivessem me dito tudo isso quando acordei do coma, não teria sido mentalmente capaz de lidar com isso”, contou.

Hoje, Alex e Marcus vivem com suas famílias e compartilham como superaram o trauma. “Todos nós, eu e meus irmãos, estivemos nessa longa jornada fazendo terapia e lidando com esse passado. Acho que nós nos tornamos pessoas muito mais fortes, todos trabalhamos muito para falar sobre isso e saímos disso como pessoas muito melhores”, finalizou.
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