Hugo Gloss

‘Vendi meu olho’: brasileiros fazem fila, e negócio viraliza no TikTok; veja como funciona e as críticas ao projeto

Pessoas são pagar para vender a íris. (Foto: Divulgação / WorldApp)

O projeto de Sam Altman, dono do ChatGPT, tem gerado grande repercussão nas redes sociais, especialmente no TikTok, após um vídeo da brasileira Caroline Silva viralizar com o título: “Fui vender meu olho”. A gravação, que foi assistida por mais 5,2 milhões de pessoas, mostra o trajeto da jovem até um dos estandes da companhia. Na mesma plataforma social, circularam imagens de filas consideráveis em São Paulo, com dezenas de pessoas interessadas em “vender” a íris.

O interesse não é à toa. A rede chamada World, liderada pela empresa Tools for Humanity (TfH), oferece 25 Worldcoins (atualmente cotadas a R$ 12,68 cada) para aqueles que aceitarem fornecer a biometria da íris durante o cadastro. O valor convertido para o real é equivalente a R$ 300.

O processo, realizado em um dispositivo esférico prateado, denominado “orb”, coleta os dados biométricos, mas segundo a TfH, essas informações não ficariam armazenadas na máquina. Elas seriam usadas apenas para confirmar a identidade da pessoa, gerando o World ID.

O grupo retomou suas atividades de coleta no Brasil em novembro, depois de uma rápida passagem em agosto de 2023. Até o momento, mais de 10 milhões de pessoas foram verificadas no projeto, com 6,3 milhões concentrados na América do Sul.

No entanto, a proposta está sendo analisada pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), que iniciou uma fiscalização desde novembro, para garantir que a operação seja segura para a privacidade dos brasileiros. A ANPD alerta que dados biométricos são extremamente sensíveis e não podem ser alterados da mesma forma que uma senha alfanumérica.

A autoridade orienta que os titulares de dados compreendam os riscos envolvidos no tratamento de informações biométricas e se informem sobre seus direitos antes de participarem de cadastros como o oferecido pela rede World.

Segundo a ANPD, a iniciativa de Altman tem colaborado com a investigação e fornecido os relatórios solicitados, que estão sendo analisados pelo órgão. No entanto, a empresa já teve suas atividades suspensas na Espanha e em Portugal por não conseguir comprovar que o processo garantisse a privacidade dos cidadãos locais.

Projeto Wolrd ID viraliza no TikTok. (Foto: Reprodução / TikTok)

Entenda o que é a rede World

Inicialmente chamada Worldcoin, a rede World alterou seu nome no final de 2024 para dar mais ênfase à sua proposta de autenticar identidades digitais. O principal objetivo do projeto, conforme explica Damien Kieran, chefe de privacidade do TfH, é criar uma tecnologia capaz de identificar que uma pessoa é humana, sem revelar informações sensíveis, como identidade, cor, etnia ou religião.

Essa identidade digital tem como proposta permitir a verificação de idade sem expor o usuário, o que poderia, por exemplo, impedir que menores de 13 anos se registrem em redes sociais, violando os termos de uso das plataformas.

Como é feita a criação do World ID

Para se cadastrar e receber as criptomoedas, os interessados precisam baixar o aplicativo World App, disponível na Play Store para Android e na App Store para usuários de iPhone. A empresa recomenda agendar um horário previamente, para realizar os registros, que só podem ser feitos em São Paulo, onde há 40 pontos de coleta.

“É ali que acontece a tal análise do dado biométrico que valida que esse humano é único, que esse humano nunca se verificou antes. Essas informações são processadas na Orb, enviadas para o telefone celular de cada usuário e permanentemente apagadas do dispositivo. Quando esse processo está concluído, o World ID é ativo”, explicou Rodrigo Tozzi, chefe de operações no Brasil da Tools For Humanity, ao UOL.

A empresa optou pela íris devido à sua alta precisão na identificação individual. A probabilidade de um falso positivo é de uma em 2 bilhões de tentativas. Para o reconhecimento facial, essa taxa é de uma a cada 16 milhões, e, para impressões digitais, de uma em 80 milhões.

Jovem viraliza no TikTok após postar vídeo com a legenda: “Fui vender meu olho”. (Foto: Reprodução / TikTok)

Preocupações com a segurança de dados

A ANPD está em processo de apuração sobre o tratamento dos dados biométricos coletados pelo projeto, incluindo informações da íris, do rosto e dos olhos. A instituição de proteção de dados destaca que dados biométricos exigem proteção rigorosa devido à sua natureza única e permanente.

“Em razão dos riscos mais elevados que o tratamento desse tipo de dado pessoal pode oferecer, o legislador conferiu a eles regime de proteção mais rigoroso, limitando as hipóteses legais que autorizam o seu tratamento”, diz o órgão em nota.

No Brasil, apenas maiores de 18 anos podem se cadastrar, sendo necessário apresentar um documento com foto no momento da coleta.

Restrições e investigações em outros países

Em Portugal e na Espanha, as autoridades de proteção de dados proibiram a operação da rede World, apontando que a empresa não conseguiu provar que o tratamento dos dados biométricos era seguro para a privacidade dos cidadãos. Na Coreia do Sul, a empresa foi multada em 1,1 bilhões de wons (cerca de R$ 4,56 milhões) por violações à lei de privacidade local.

Apesar das críticas, a empresa afirmou que o processo está em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) do Brasil e com a GDPR (Lei de Proteção de Dados da União Europeia).

A TfH reforça que os dados biométricos não são armazenados. Eles seriam usados apenas para gerar um código binário, o World ID, que é criptografado e dividido em três servidores de universidades espalhadas pelo mundo.

Sucesso no Brasil e números de crescimento

Apesar das investigações e das preocupações da ANPD com a privacidade, o projeto tem mostrado grande sucesso no Brasil. Desde a reabertura dos estandes em novembro, o número de pontos de coleta no país aumentou de 8 para 40, e a quantidade de pessoas verificadas na América Latina cresceu significativamente, passando de 4 milhões para mais de 6 milhões.

Sam Altman é o investidor-anjo do projeto. (Foto: Getty)

Como acessar os R$ 300

Ao se cadastrar no World, o usuário recebe 25 Worldcoins, cada uma avaliada em R$ 12,68. Para resgatar o valor em moeda corrente, é necessário transferir as criptomoedas para uma corretora de criptomoedas e realizar a conversão para dinheiro. Esse processo exige atenção aos dados da transação para evitar perdas.

O financiamento do projeto é garantido por rodadas de investimento no mercado de capital de risco. Na última rodada, realizada em maio de 2023, foram levantados US$ 115 milhões, com a participação de investidores como Blockchain Capital, Andreessen Horowitz (16z), Bain Capital Crypto e Distributed Global. Sam Altman, CEO da OpenAI, é o principal investidor do projeto.

Empresa se manifesta

Em nota enviada ao hugogloss.com, a Tools for Humanity, empresa colaboradora do protocolo World, informou que o projeto está em conformidade com as leis brasileiras. A companhia também negou fazer pagamentos aos usuários.

Nenhum pagamento é oferecido aos usuários, que adquirem uma credencial para se comprovarem humanos na Internet e recebem, opcionalmente, um token ou criptoativo. Fazendo uma comparação, é como se fosse uma ação do protocolo, que pode ser vendida no mercado, como se vende uma ação em bolsa, e o valor obtido dependerá do valor do ativo no momento da venda“, esclareceu.

A Tools for Humanity ainda garantiu que não fica com os dados das pessoas que passam pelo projeto. “As imagens originais da íris são criptografadas de ponta-a-ponta, enviadas para o telefone da pessoa e prontamente deletadas da Orb, e o código de íris é então fracionado por meio de criptografia avançada, conhecida como Computação Multi-partidária Anonimizada (AMPC). Os fragmentos são armazenados em nós computacionais operados por universidades e terceiros confiáveis, como as Universidades de Berkeley nos EUA e Friedrich Alexander Erlangen-Nürnberg, na Alemanha. Os fragmentos criptografados não revelam nada sobre o indivíduo nem podem ser efetivamente vinculados de volta a ele. A World assegura a efetiva anonimização dos dados“, declarou.

Leia o comunicado na íntegra:

A rede World está criando as ferramentas que as pessoas precisam para se preparar para a era da IA, ao mesmo tempo preservando a privacidade individual.

Não é incomum que ideias inovadoras e novas tecnologias levantem questões. A Fundação World acredita que é importante que os reguladores busquem informações ou esclarecimentos sobre suas preocupações. A Fundação World está em total conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis ​​que regem o processamento de dados pessoais nos mercados onde a World opera. Isso inclui, mas não se limita à Lei de Proteção de Dados Pessoais do Brasil ou LGPD (13.709/2018). Por meio do uso de tecnologia de ponta, a World define os mais altos padrões de privacidade e segurança e incorpora recursos avançados de preservação da privacidade.

A Fundação World dá alta prioridade ao envolvimento com indivíduos e organizações para responder a quaisquer perguntas que possam ter e garantir a transparência em nossas operações e continuará a colaborar ativamente e oferecer as informações necessárias para garantir a compreensão completa de sua tecnologia.

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