Nesta sexta-feira (16), o “Globo Esporte” revelou trechos da sentença judicial e da transcrição dos grampos que levaram Robinho a ser condenado por violência sexual de grupo em primeira instância na Itália, em novembro de 2017. Nas conversas, o jogador, agora recém-contratado pelo Santos, admite que teve relações sexuais com a vítima e que ela estava “completamente bêbada” a ponto de “não saber nem o que aconteceu”.
O caso ocorreu em uma boate de Milão chamada ‘Sio Café’ na madrugada do dia 22 de janeiro de 2013. Além de Robinho, outros cinco brasileiros teriam participado do ato – classificado pela Procuradoria de Milão como “violência sexual” – contra uma jovem de origem albanesa. No entanto, apenas o jogador e Ricardo Falco foram condenados a nove anos de prisão.
Os outros quatro acusados deixaram a Itália no decorrer da investigação e, por isso, estão sendo processados num procedimento à parte, explicou o advogado da vítima, Jacopo Gnocchi, ao ‘GE’. Robinho e Ricardo foram condenados com base no artigo “609 bis” do código penal italiano, que fala da participação de duas ou mais pessoas reunidas para ato de violência sexual – forçando alguém a manter relações sexuais por sua condição de inferioridade “física ou psíquica”.
A decisão do Tribunal de Milão foi contestada pelos condenados. Os advogados dos dois apresentaram recurso e a Corte de Apelo de Milão iniciará a análise do processo, em segunda instância, no dia 10 de dezembro.
As conversas
De acordo com o site, as interceptações telefônicas feitas pela polícia contra os envolvidos foram cruciais para o veredito, de condenação, em primeira instância. Dentre as mais decisivas, uma conversa entre Robinho e Ricardo Falco indicou ao tribunal que o grupo tinha consciência da condição da vítima.
O diálogo, que aconteceu no carro de Robinho, foi descrito na sentença. Em certo momento, o jogador demonstra preocupação com a possibilidade da vítima prestar depoimento, e os dois começam a falar sobre o assunto. Inicialmente, Falco afirma que a jovem se lembra das relações sexuais, mas, em seguida, se contradiz ao declarar que ela estava fora de si – e Robinho concorda.
Falco: Ela se lembra da situação. Ela sabe que todos transaram com ela.
Robinho: O (NOME DE AMIGO 1) tenho certeza que gozou dentro dela.
Falco: Não acredito. Naquele dia, ela não conseguia fazer nada, nem mesmo ficar em pé, ela estava realmente fora de si.
Robinho: Sim.
Segundo o ‘GE’, a justiça italiana considerou as escutas realizadas a partir de janeiro de 2014 como “auto acusatórias”. A sentença ainda acrescenta que “os conteúdos dão pleno conhecimento do que aconteceu”. Além das gravações no carro utilizado pelo jogador no país, os telefones dos acusados também foram grampeados.
Em outra conversa, no primeiro mês de monitoramento, o músico Jairo Chagas, que tocou na boate na noite do crime, avisou Robinho sobre a investigação. A transcrição mostra que a resposta do atleta também foi incriminatória. “Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”, disparou ele.
“Olha, os caras estão na merda… Ainda bem que existe Deus, porque eu nem toquei aquela garota. Vi (NOME DE AMIGO 2), e os outros foderem ela, eles vão ter problemas, não eu… Lembro que os caras que pegaram ela foram (NOME DE AMIGO 1) e (NOME DE AMIGO 2)…. Eram cinco em cima dela”, completou.
No mesmo mês, eles voltaram a falar sobre o caso. Confira o diálogo transcrito:
Robinho: A polícia não pode dizer nada, eu direi que estava com você e depois fui para casa.
Jairo: Mas você também transou com a mulher?
Robinho: Não, eu tentei. (NOME DE AMIGO 1), (NOME DE AMIGO 2), (NOME DE AMIGO 3)…
Jairo: Eu te vi quando colocava o pênis dentro da boca dela.
Robinho: Isso não significa transar.
Em mais uma conversa analisada, um dos amigos do jogador também presente na boate demonstra preocupação ao saber do início da investigação e é consolado por Robinho:
NOME DE AMIGO 4: Irmão, tive dor de barriga de nervoso, eu me preocupo por você, amigo.
Robinho: Telefonei a (NOME DE AMIGO 3), e ele me perguntou se alguém tinha gozado dentro da mulher e se ela engravidou. Eu disse que não sabia, porque me recordo que eu e você não transamos com ela porque o seu pênis não subia, era mole… O problema é que a moça disse que (NOME DE AMIGO 1), (NOME DE AMIGO 2) e (NOME DE AMIGO 3) a pegaram com força.
Em outra ligação, com o “Amigo 3”, o jogador ressaltou que “não havia prova de que fizemos alguma coisa”. Já em uma conversa com Ricardo Falco dentro do carro, eles combinaram as respostas que dariam à Justiça, e Falco comentou que a “salvação” deles era que não tinha na boate nenhuma câmera que os flagrassem com a jovem.
O telefone do músico Jairo Chagas também foi grampeado e revelou uma conversa dele com uma amiga. “Isso é coisa de covarde, pessoas de merda que dão realmente nojo”, disparou ela. Ele respondeu que o que aconteceu tinha nome: “Se chama estupro”. Diante dos juízes, porém, o músico disse não ter visto cenas de sexo naquela noite.
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Ao ser interrogado, em abril de 2014, Robinho negou a acusação. Ele admitiu que manteve relação sexual com a vítima, mas disse que teria sido consensual e sem outros envolvidos. O último argumento foi contradito pelo próprio caso de Ricardo Falco, já que a perícia realizada por determinação da Justiça identificou a presença do sêmen dele nas roupas da jovem.
Detalhes da reconstituição do crime
Na reconstituição feita pela Justiça, a vítima de origem albanesa contou que foi ao Sio Café em 21 de janeiro de 2013 para comemorar seu aniversário de 23 anos ao lado de duas amigas. No dia, a programação da boate era dedicada à música brasileira e Robinho estava no local com sua esposa e um grupo de quatro amigos.
Em seu depoimento, a jovem revelou que conheceu Robinho dois anos antes do crime – em 2011, em outra boate de Milão, e que também conhecia dois amigos do jogador. Ela relembrou que, no primeiro encontro, Robinho pegou a mão dela e colocou no seu abdômen. Depois, na segunda vez em que estiveram juntos, eles dançaram numa festa, e o jogador “tentou lamber o seu seio”. Na época, no entanto, os episódios não a preocuparam.
Sobre a noite do crime, ela contou que fora convidada por um dos amigos do atleta. A vítima, entretanto, foi informada por mensagem de que só deveria se juntar ao grupo depois que a esposa de Robinho fosse embora. Foi isso que ela fez, com duas amigas, mais tarde. Segundo a jovem, os brasileiros ofereceram várias bebidas alcoólicas, mas apenas ela bebia, pois uma das amigas estava grávida e a outra estava dirigindo.
Por volta de 1h30 da madrugada, as duas amigas foram embora, e uma delas se comprometeu em voltar para buscá-la assim que a vítima a chamasse. A jovem disse que dançou com o grupo e, após ficar sem ar e tonta, decidiu ir para a área externa da boate. Neste momento, um dos amigos acusados tentou beijá-la. Os dois foram para o camarim de Jairo Chagas, e o homem continuou as tentativas.
Segundo a sentença traduzida pelo ‘GE’, a vítima admitiu guardar apenas “alguns flashes daquela noite”, acrescentando que não tinha condições de “falar” nem de “ficar em pé”. A jovem ainda relembrou que ficou no local sozinha por alguns minutos e, então, “percebeu” que o mesmo amigo e Robinho estavam “aproveitando” dela.
“Acredito que no início estivesse fazendo sexo oral em [NOME DO AMIGO 3], e Robinho aproveitava de mim de outro modo, e depois eles trocaram de papel, dali não me recordo mais nada porque me encontrei rodeada pelos rapazes, não sabia o que acontecia”, disse ela, no depoimento.
A investigação não quantificou o tempo em que os acusados mantiveram relações com a jovem. Ela contou que ouviu Robinho pedir ao amigo uma “camisinha” e que, ao fim, começou a chorar por se dar conta do que havia acontecido até que Jairo apareceu para consolá-la. A jovem deixou a boate carregada pelos brasileiros, primeiro no carro de Robinho e depois no veículo de Ricardo Falco.
Defesa de Robinho
Procurado pelo site, o advogado italiano de Robinho, Alexsander Guttierres, não quis comentar o teor das escutas telefônicas. “O artigo que enquadra meu cliente é claro: fala em induzir alguém a beber ou tomar droga com objetivo de usufruir dela sexualmente. Não há provas de que isso aconteceu”, alegou.
Ele afirmou que vai sustentar na Corte de Apelo que a relação foi consensual. “Fazer sexo com uma pessoa bêbada ou drogada não fere a lei. Não estou dizendo que ele (Robinho) é uma pessoa perfeita. Ele mesmo reconheceu ter tido uma conduta pouco séria, mas crime não cometeu”, finalizou o advogado.
Robinho no Santos
O caso voltou à tona neste mês, após três anos, porque Robinho assinou contrato de cinco meses para iniciar sua quarta passagem pelo Santos, um dos maiores times de São Paulo. A situação gerou revolta em muitos torcedores, que se indignaram pela contratação de um homem condenado por estupro após o clube ter participado de várias campanhas contra assédio e abuso sexual.
Além da revolta nos torcedores, o Santos também perdeu patrocinadores após a contratação. A Orthopride, rede de franquias da área de ortodontia estética, que tinha acordo até fevereiro de 2021 para exibir sua marca dentro dos números da camisa do Santos, informou a decisão na quarta-feira (14). “Nosso público é majoritariamente feminino e, em respeito às mulheres que consomem nossos produtos, tivemos que tomar essa decisão. Queremos deixar claro que não fomos informados previamente sobre a contratação do Robinho, fomos pegos de surpresa pela imprensa no fim de semana”, declarou a empresa.
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Diante da repercussão, o time se manifestou, afirmando que não poderia entrar no mérito da acusação, já que o “processo corre em segredo de Justiça na Itália” e que o Santos sempre respeitou “as garantias fundamentais do ser humano, dentre as quais, a presunção da inocência e o respeito ao devido processo legal”.
“Ressalta-se ainda que não há condenação definitiva e o atleta responde em liberdade e não será o Santos FC que lhe dará uma sentença antecipada, prejulgando e o impedindo de exercer sua profissão”, acrescentou o clube. “Infelizmente, vivemos na era dos cancelamentos, da cultura dos tribunais da internet e dos julgamentos tão precipitados quanto definitivos, porém há a certeza que o torcedor do Santos FC entenderá que compete exclusivamente à Justiça realizar o julgamento”, finalizou.
Após a divulgação de novos detalhes do caso, os torcedores voltaram a cobrar um posicionamento do Santos, que ainda não se manifestou.
Perda de mais patrocínios
Desde a divulgação da matéria do “Globo Esporte” nesta sexta (16), mais empresas vieram à tona para cobrar um posicionamento do time em relação a Robinho. As companhias exigem a rescisão do contrato do jogador, afirmando que deixarão de patrocinar o Santos caso isso não aconteça. Confira os comunicados:
Kicaldo, empresa de alimentos: “Após acesso à reportagem do GE, comunicamos ao Santos F.C. que, caso o clube não rescinda o contrato com o jogador em questão, retiraremos nosso patrocínio. A Kicaldo repudia todo tipo de violência, e por isso vamos seguir agindo sempre de acordo com nossos valores”.
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Tekbond, de adesivos, ao UOL: “A Tekbond repudia toda e qualquer situação de violência e promove o respeito à diversidade e a inclusão em suas operações. A empresa não teve conhecimento prévio sobre a contratação ou intenção do clube em contratar jogadores. Manifestamos nossa preocupação sobre o fato ao Santos assim que soubemos e, neste momento, a continuidade do nosso patrocínio está condicionada ao cancelamento da contratação do jogador pelo clube”.
Philco: “Após a comprovação dos fatos, a Philco vem a público informar que já encaminhou nota ao Santos Futebol Clube, solicitando providências em relação ao atleta Robinho, sendo que a parceria com o Clube só se manterá caso o mesmo rescinda o contrato com o atleta de forma imediata. Informamos que a Philco visa o patrocínio de times de futebol e práticas desportivas com o intuito de manter seu compromisso em ajudar no desenvolvimento do cenário esportivo do nosso País. A marca não compactua e repudia todo e qualquer ato de violência cometido contra a mulher”.
Santos e Robinho anunciam suspensão do contrato
Após o “Globo Esporte” revelar trechos da sentença judicial e da transcrição dos grampos que levaram Robinho a ser condenado por violência sexual de grupo em primeira instância na Itália, o Santos Futebol Clube, que havia contratado o jogador, decidiu suspender o vínculo. O time estava enfrentando pressão, tanto do público, quanto dos patrocinadores, para tomar uma atitude em relação ao caso. De acordo com o Santos, a decisão foi tomada “em comum acordo”.
“O Santos Futebol Clube e o atleta Robinho informam que, em comum acordo, resolveram suspender a validade do contrato firmado no último dia 10 de outubro para que o jogador possa se concentrar exclusivamente na sua defesa no processo que corre na Itália”, comunicou o time através do Twitter. Confira:
NOTA À IMPRENSA
O Santos Futebol Clube e o atleta Robinho informam que, em comum acordo, resolveram suspender a validade do contrato firmado no último dia 10 de outubro para que o jogador possa se concentrar exclusivamente na sua defesa no processo que corre na Itália.
— Santos FC (@SantosFC) October 16, 2020
Em suas redes sociais, o jogador também se pronunciou. “Com muita tristeza no coração, venho falar para vocês que tomei a decisão junto do presidente de suspender meu contrato neste momento conturbado da minha vida. Meu objetivo sempre foi ajudar o Santos Futebol Clube. Se de alguma forma estou atrapalhando, é melhor que eu saia e foque nas minhas coisas pessoais. Para os torcedores do Peixão e aqueles que gostam de mim, vou provar minha inocência”, garantiu Robinho. O vínculo entre o atleta e o time era válido por cinco meses, e seria discutido no dia 21 em reunião do Conselho Deliberativo.
Robinho fora do Santos. pic.twitter.com/j5o86rrv03
— Gabriel dos Santos (@_gabriel2santos) October 16, 2020