De um clássico do cinema nacional, à vida nas ruas… 20 anos após o lançamento de “Cidade de Deus”, essa é a realidade de Rubens Sabino da Silva. Em entrevista ao jornal Extra, divulgada nesta quinta-feira (29), o carioca refletiu sobre tudo o que viveu desde que esteve no aclamado longa – a prisão, a luta contra as drogas, o afastamento do resto do elenco e a rotina como andarilho pelas ruas do país.
Rubens interpretou Neguinho no grande sucesso de Fernando Meirelles. O personagem, por sua vez, estrelou uma das cenas mais marcantes do audiovisual brasileiro. “P*rra, Dadinho, como é que tu chega assim na minha boca, meu amigo?”, questionava ele no filme. Eis que vinha como resposta, a frase icônica: “Dadinho é o c*ralho, meu nome agora é Zé Pequeno, p*rra!”.
Enquanto recordava como o longa fez história, Rubens revelou o quanto ganhou por sua participação no filme. “Esse diálogo virou música e tudo. E o filme é um dos mais vendidos até hoje, foi indicado quatro vezes ao Oscar. Eu virei um morador de rua famoso, mas não rico, enquanto ‘Cidade de Deus’ arrecadou milhões. Na época, ganhei um cachê de R$ 5 mil. Com a nota do contador, passou pra R$ 4,5 mil”, declarou ele.
Depois de participar de clipes como “Unicamente”, de Deborah Blando, e “Minha Alma”, do grupo O Rappa, Rubinho soube do teste para “Cidade de Deus” e resolveu tentar a sorte. O resultado não poderia ter sido melhor… Na época, ele estava na Lapa, local em que passou a adolescência com um grupo de meninos de rua. “Eu me inscrevi e consegui passar. Fiz laboratório com [os preparadores de elenco] Fátima Toledo e o Guti Fraga. Quem ia no ensaio ganhava vale-transporte e um lanche”, mencionou Sabino.
Vidas nas ruas e prisão após o filme
Rubinho fugiu de casa aos 8 anos, deixando para trás a mãe e as três irmãs mais velhas. “Minha mãe, dona Zilma, era uma baita guerreira. Meu pai era alcoólatra, igual a mim. Quando ele sumia, ela vinha com a gente até a feira da Lapa e esperava o movimento acabar para pegar pelanca de frango. Fritava pra virar torresmo e a gente matava a fome”, lembrou. Desde cedo, ele passou a perambular pelo centro do Rio. “Nunca mais soube dela. Fugi porque tinha o espírito livre desde piquititinho e porque não aguentava mais apanhar num terreiro que ela frequentava toda sexta-feira. O pai-de-santo tinha o mesmo nome que eu”, contou ele.
Quase um ano após o lançamento de “Cidade de Deus”, Rubens foi preso por roubar a bolsa de uma mulher dentro de um ônibus. Na época, ele justificou dizendo que estava sem comer há dias. “Cometi um crime e me arrependo muito. Eu era muito moleque, fiz essa idiotice. Quando o camarada tem a ficha limpa, pode fazer concurso público. Eu não posso mais”, lamentou o homem, que acabou ressurgindo na mídia por conta dessa notícia.
Hoje, ele lastima não ter conseguido participar dos momentos de glória do filme por conta de tudo isso. Rubinho chegou a comparar a situação com o recente episódio do “Oscar”, envolvendo o tapa de Will Smith em Chris Rock. “Denzel Washington falou para Will Smith depois da última cerimônia do Oscar: ‘No seu momento mais alto, tenha cuidado, é quando o diabo vem até você’. Foi o que aconteceu comigo”, pontuou.
“Depois que eu fui preso, a produção de ‘Cidade de Deus’ me embarcou para Belém do Pará e fiquei três anos internado num centro de recuperação. Como é que um ator assiste à premiação do Oscar de um filme de que ele é um dos principais dentro de uma clínica de reabilitação? Eu vi pela TV a festa acontecendo num hotel aqui do Rio, todos reunidos, e eu afastado. Era pra ser o auge da minha vida”, observou Rubinho, deixando claro que não tem mais notícias dos colegas de elenco. “Eu me fechei pra tudo, não tenho contato com mais ninguém do elenco”, completou.
Dependência química e documentário
Rubens também esteve no documentário “Cidade de Deus: 10 anos depois”, mas não traz boas memórias da produção da Netflix. “Fiquei muito exposto. Contei toda a minha história, me levaram na Central do Brasil, compraram uns quatro sacos de amendoim pra eu revender e me deixaram na rodoviária. Fui ingênuo, continuei na mesma, pedindo esmola na rua. Não quero mais ser visto como coitadinho”, afirmou o ator.
No entanto, Cavi Borges, diretor do documentário, disse ter pago R$ 300 por cada uma das três entrevistas concedidas por Rubinho, acatando o pedido do ator de pagar mais R$ 1 mil pela liberação do uso de sua imagem. “Tenho todos os documentos assinados aqui por ele com o nosso acordo”, comentou. O cineasta também lamentou a situação de Rubens com as drogas. “Rubinho é um cara muito inteligente, articulado, um super ator. Mas tem o problema do vício em drogas. De tempos em tempos, ele reaparece dizendo que eu e Fernando Meirelles o exploramos. É triste, porque Fernando tentou, inclusive, pagar reabilitação, e ele fugiu da clínica”, relatou.
Por volta de 2015, Rubinho foi parar nas manchetes mais uma vez ao ser encontrado na Cracolândia, em São Paulo. Atualmente, ele reconhece como a dependência química marcou muitos momentos de sua vida. “Já usei drogas pelo Brasil inteiro, como qualquer morador de rua, mas consegui superar. Hoje, eu sou isso aqui, cigarro e cerveja”, disse. Depois de tudo isso, o carioca segue perambulando de cidade em cidade. “Eu ando por várias cidades do Rio, São Paulo, Minas, Sul do país. Vou pedindo esmola e que me paguem passagens. Às vezes, vou para lugares distantes, achando que ninguém vai me reconhecer. Eu não tenho casa, minha morada é o mundo. Ainda quero conhecer o Nordeste”, pontuou.
Rubens acredita que tornou-se artista por acaso, mas não esconde seu desejo de atuar novamente. “Outro dia, eu estava vendo um outdoor com as fotos de várias personalidades. Um professor, um médico, um garçom… E estava escrito assim: ‘Esse é o meu jeito de revidar’. O meu jeito de revidar seria fazer um monólogo ou um curta-metragem com a obra de Michel Foucault (filósofo francês). Li e me encantei por ‘Microfísica do poder’. Todos os livros dele já são roteiros prontos, eu decorei alguns deles. Queria poder revidar tudo o que me aconteceu nessa vida com arte. Se um dia eu tiver essa força, eu vou fazer”, encerrou ele, que seguiu sua trajetória após a entrevista.
Assim, sem destino, nem ponto final…