Em entrevista divulgada nesta sexta-feira (24), quatro mulheres que acusam Marcius Melhem de assédio sexual falaram sobre o caso pela primeira vez. Para o colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, as atrizes e suas testemunhas expuseram detalhes dos episódios. Em 2019, Dani Calabresa denunciou Melhem por assédio sexual e moral, e, no ano seguinte, o ator foi desligado do cargo de diretor do núcleo de humor da TV Globo. Atualmente, ele é investigado pela Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro e processa Calabresa por danos morais.
A reportagem especial foi dividida em duas fases. Na primeira, os entrevistados são Dani Calabresa, Renata Ricci, Georgiana Góes, Veronica Debom, Maria Clara Gueiros, as roteiristas Luciana Fregolente e Carolina Warchavsky, os diretores Cininha de Paula e Mauro Farias, e os atores Marcelo Adnet e Eduardo Sterblicht. Já no segundo vídeo, Marcius Melhem teve a oportunidade de se defender. Ele rebateu as acusações, mas admitiu que “pode ter errado com algumas mulheres“.
Elas falam
Dani Calabresa, Georgiana Góes, Renata Ricci e Veronica Debom descreveram como o humorista as mantinha sob seu domínio, impedindo a participação em projetos globais e causando um sentimento constante de “dívida de gratidão com o chefe”. Ainda segundo os relatos, Melhem teria o hábito de contracenar encostando o pênis ereto nas atrizes e forçando a língua em beijos técnicos.
“Estava insustentável trabalhar em um ambiente em que eu comecei a perceber que eu era barrada dos convites; que eu não era liberada para as coisas; que eu estava trabalhando com tremedeira; que ele se aproveita das brincadeiras para brincar ereto; que ele pega de verdade; ele tenta enfiar a língua de verdade. Não é selinho, não é piada, não é brincadeira”, contou Dani.
Após o relato de Calabresa, as demais também decidiram denunciar o humorista. “Para mim o ambiente do Núcleo de Humor da Globo era muito divertido, mas tinham momentos de constrangimento, que eu demorei para entender que não eram normais e tinham o nome de assédio”, explicou a atriz Georgiana Góes. Na época, Melhem era o único diretor de humor da Globo e, de acordo com elas, tinha muito “poder” junto com o cargo.
Os atores Maria Clara Gueiros, Eduardo Sterblicht e Marcelo Adnet, os diretores Cininha de Paula e Mauro Farias e as roteiristas Carolina Warchavsky e Luciana Fregolente, testemunhas das denunciantes, descreveram um ambiente de trabalho tóxico e atitudes ambíguas de Marcius. Segundo eles, as “brincadeiras e piadas” do artista deixavam tênue a linha entre chefe e funcionários.
“Quando saiu na imprensa a notícia sobre o assédio sofrido pela Dani, eu entendi todos os comportamentos típicos de assédio que estavam acontecendo, tudo o que eu tinha ouvido falar quando comecei na TV Globo. Eu entendi que era verdade, que eu tentei bloquear um tempo como se não fosse”, lembrou Carolina.
“O que me chamava mais atenção era uma certa falta de vida pessoal. Ele queria transformar aquela coisa do trabalho, a espontaneidade das relações profissionais, para a vida dele”, acrescentou Marcelo Adnet.
Ele fala
Apesar de admitir que pode ter “passado do ponto” com Dani Calabresa, Marcius Melhem alegou que não vê assédio em suas atitudes. Nas palavras do diretor, ele enxergava a reação da atriz, com “brincadeiras e mensagens carinhosas” no WhatsApp, como um sinal verde.
“Ela (Dani Calabresa) nunca me disse ‘não’. Só disse ‘sim’. Você não pode desdizer que você tinha uma intimidade, que você brincava. Se a Dani Calabresa tivesse me dito em qualquer momento: ‘Não, não quero’, ou dado a entender isso, eu teria parado imediatamente. Ela me dava sinais repetidos de que existia uma intimidade entre nós, de que podia acontecer”, declarou o humorista. Guilherme Amado, por sua vez, pontuou que as pessoas têm diferentes formas de dizer não.
Durante sua entrevista, Calabresa relembrou a troca de mensagens mencionada e explicou por que agia desta forma. “Não tem um manual de instrução para lidar com uma situação que te deixa constrangido. Cada uma lida de um jeito. Eu lidava com brincadeira. Ele falava: ‘Tá gata’. Eu respondia: ‘Deus te pague’, ‘É porque você não viu o buço’, ‘Sai tudo no banho, a maquiagem sai’, ‘Obrigada pelo elogio, mas é um amigão’. Mas tenta se colocar no meu lugar. Eu amava trabalhar nesse ambiente e para não criar uma briga com o meu chefe, eu fingia que achava engraçado. Eu cortava ele pessoalmente e compensava na mensagem”, desabafou ela.
As mensagens no aplicativo são a principal estratégia de defesa de Marcius Melhem. Para o humorista, os textos seriam provas de que as denunciantes não sofreram assédio. Por outro lado, elas afirmaram que a atitude e insistência do ator as deixaram “traumatizadas e querendo sair da emissora”. “Eu também não queria comprar briga com o chefe, porque eu amo trabalhar. Então, comprar briga com ele, sabe? Custaria mesmo a minha carreira. Só que chegou um ponto que eu queria sair. Para mim, eu não tinha medo de sair. Eu tinha medo de ficar”, lembrou Dani.
Desde 2020, o ator enfrenta um inquérito na Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro. Com a repercussão, Melhem foi afastado da Globo por “sua postura não ser condizente com os princípios e valores da empresa”. Na época, a emissora informou a decisão por meio de um comunicado, sem detalhar quais foram as atitudes mencionadas. Sob o comando do humorista estavam programas como “Zorra”, “Tá no Ar” e “Isso a Globo não mostra”.
“Quando eu perguntei para a TV Globo na época qual é a prova que eu tenho então que não houve assédio?. Eles responderam: ‘A prova que você tem é a sua saída com todos os direitos e com a sua carteira de trabalho limpo'”, contou ele. Por meio de sua assessoria, a emissora afirmou que forneceu às autoridades todas as informações sobre o caso.
Por fim, Marcius indicou nomes de três pessoas que poderiam testemunhar a seu favor: o roteirista Nelito Fernandes, um dos fundadores do “Sensacionalista”, Gabriela Amaral, redatora do “Zorra”, e Alice Demier, uma das diretoras do programa. Nenhum deles quis gravar entrevista.
TV Globo se manifesta
Procurada, a TV Globo se manifestou através de nota. Segundo o comunicado, assuntos envolvendo o departamento de “compliance” correm em sigilo e não podem ser expostos ou divulgados.
Leia a nota na íntegra:
“A Globo não comenta casos levados ao seu Compliance e aproveita para reiterar que a empresa mantém um Código de Ética em linha com as melhores práticas atualmente adotadas, que proíbe terminantemente o assédio e deve ser cumprido por todos os colaboradores, em todas as áreas da empresa – e em nenhuma delas é tolerada qualquer forma de assédio. Da mesma maneira, a Globo mantém uma Ouvidoria pronta para receber quaisquer relatos de violação de seu Código de Ética, que são apurados criteriosamente, com a punição dos responsáveis por desvios. Nesse mesmo Código, assumimos o compromisso de sigilo em relação a todos os relatos de Compliance, razão pela qual não fazemos comentários sobre as apurações. Nosso sistema de Compliance também prevê o apoio integral aos relatantes, proibindo qualquer forma de retaliação em razão das denúncias”.