Jovens viciados em redes sociais processam ‘gigantes da tecnologia’ nos EUA e revelam motivo

Taylor Little, de 21 anos, foi um dos jovens a mover uma ação contra empresas que liberam conteúdos impróprios à crianças propositalmente

Diversas famílias no exterior estão processando algumas das maiores empresas de tecnologia do mundo, segundo a BBC. A justificativa é que elas expõem crianças a conteúdos e produtos prejudiciais “de propósito”. Na última semana, Taylor Little, de 21 anos, contou detalhes sobre sua dependência à internet e refletiu como era sua vida antes de ganhar o primeiro smartphone. Três das quatro empresas citadas se pronunciaram sobre o caso.

Taylor, residente do Colorado, nos Estados Unidos, e explicou o motivo de desafiar o poder do Vale do Silício. “Eu literalmente estava aprisionado pela dependência aos 12 anos. E não recuperei minha vida durante toda a adolescência”, admitiu. Little, que utiliza o pronome neutro “elu” (tradução direta do they/them no original em inglês), descreve as empresas de tecnologia como “monstros grandes e maus” por mostrar à crianças produtos altamente viciantes.

Abstinência

Taylor disse que antes de ter o primeiro celular praticava esportes e participava de aulas de dança e teatro. Mas as atividades foram ficando em segundo plano conforme o vício pela web aumentava. “Se tirassem meu celular, era como ter abstinência. Era insuportável. Literalmente, quando digo que era viciante, não quero dizer que se tratava apenas de um hábito. Quero dizer que meu corpo e mente ansiavam por aquilo”, confessou.

Little lembra da primeira notificação de mídia social na qual clicou. Era um perfil pessoal de automutilação, com imagens sensíveis de ferimentos e cortes. “Aos 11 anos, acessei uma página e vi isso sem aviso. Não procurei por esse tema. Tenho 21 anos e ainda consigo ver [aquelas imagens], observou.

Deste momento em diante, segundo o relato, conteúdos relacionados à imagem corporal e distúrbios alimentares eram constantemente exibidos. “Isso era, e ainda é, como um culto. Você é constantemente bombardeado com fotografias de um corpo que não pode alcançar sem morrer. Não há como escapar disso”, lamentou.

Taylor Little desabafou sobre abstinência após receber o primeiro smartphone (Foto: Reprodução/BBC)

O processo

O processo é movido contra a Meta, empresa proprietária do Facebook e Instagram, o Tik Tok, o Google e Snap Inc. (dona do Snapchat). A ação judicial enquadra-se em uma das maiores já solicitadas no Vale do Silício. Ela inclui desde famílias comuns a distritos escolares de várias partes dos EUA. Os advogados de Little e dos outros autores da ação adotaram uma abordagem inovadora para o caso, com foco em como as plataformas são concebidas e projetadas, e não apenas em postagens, comentários ou imagens individuais.

Na semana passada, os envolvidos no caso receberam um impulso poderoso quando a juíza Gonzalez Rogers decidiu que as empresas não poderiam usar a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que protege a liberdade de expressão, para bloquear o processo. A magistrada também declarou que a Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, que afirma que as plataformas não são editoras, não dava às empresas proteção total.

De acordo com o g1, Rogers considerou que a falta de verificação “robusta” da idade dos usuários e os fracos controles parentais, como argumentam as famílias, não são questões de liberdade de expressão. Para os familiares, o posicionamento da juíza foi visto como uma “vitória significativa”.

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Empresas se pronunciam

As empresas afirmam que as alegações não são verdadeiras e que pretendem se defender vigorosamente. O TikTok, entretanto, se recusou a comentar sobre a ação. “Nossos pensamentos estão com as famílias representadas nestas queixas. Queremos tranquilizar cada pai de que temos os interesses deles no trabalho que estamos fazendo para fornecer experiências online seguras e de apoio aos adolescentes”, afirmou a Meta.

O Google, por sua vez, rebateu as acusações. “As alegações nessas queixas simplesmente não são verdadeiras. Proteger as crianças em todas as plataformas sempre foi fundamental para o nosso trabalho”, alegou. Já o Snapchat disse que sua plataforma foi projetada para eliminar a pressão de ser perfeito. “Verificamos todo o conteúdo antes que possa atingir um grande público para evitar a propagação de qualquer coisa que possa ser prejudicial”, apontou a empresa.

Famílias processam empresas nos EUA por não restringirem conteúdos impróprios à crianças e adolescentes (Foto: Unsplash)

Morte de jovem

Na ação apresentada no tribunal da Califórnia, o caso da adolescente britânica Molly Russell, de 14 anos, foi citado diversas vezes pelos advogados das família. O caso da menina serve como exemplo dos potenciais danos enfrentados pelos adolescentes, relacionados ao uso das redes sociais.

Russell morava no noroeste de Londres e tirou a própria vida após ser exposta a conteúdos com tom “negativo e depressivo” no Instagram. No ano passado, os advogados acompanharam a investigação sobre a morte dela via videoconferência de Washington, em busca de qualquer evidência que pudessem usar no processo movido nos Estados Unidos.

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À BBC, Taylor Little falou como suas histórias são parecidas. “Me sinto incrivelmente com sorte por ter sobrevivido. E meu coração se parte de maneiras que não consigo expressar por pessoas como Molly”, lamentou. “Sou feliz. Realmente amo minha vida. Estou em um lugar que não achei que viveria”, acrescentou.

Este sentimento fez com que Little ficasse ainda mais determinada em seguir com a ação judicial. “Eles sabem que nós estamos morrendo. E não se importam. Eles ganham dinheiro com a nossa morte”, constatou. “Toda esperança que tenho para uma mídia social melhor depende inteiramente de nós vencermos [a ação] e forçá-los a fazer [as mudanças]. Porque eles nunca, nunca, nunca escolherão fazer isso por conta própria”, opinou ao final.

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