Nesta semana, o podcast “Que História!”, da BBC News Brasil, contou a impressionante história de Marie McCreadie. Em um dia, do nada, aos 13 anos, ela acordou sem poder falar ou emitir qualquer som. O caso foi investigado e diagnosticado pelos médicos… No entanto, a verdadeira causa – bem inusitada – que a impediu de falar só foi descoberta 12 anos depois, quando ela tinha 25 anos.
A princípio, tudo começou com alguns sintomas na garganta. “Acordei com uma forte dor de garganta e um forte resfriado… Dias depois, virou uma bronquite. Passei uma semana bem mal, com febre. Depois fui melhorando, a infecção no peito foi embora, a febre também. Mas quando estava boa de novo, seis semanas depois, minha voz tinha sumido”, relatou McCreadie. “Eu não sabia o que fazer. Quando dava risada, ou quando tentava sussurrar, mesmo quando tossia, não saía som algum”, lembrou.
Na época, um médico afirmou que se tratava de laringite. Depois, o diagnóstico mudou para “mutismo histérico”, que seria caracterizado por uma ansiedade extrema ou ligada a um evento traumático. Para o médico, Marie poderia falar caso quisesse – só que esse não era o caso, até porque isso lhe trouxe várias dificuldades… “Eu não podia usar o telefone, não podia marcar dentista, médico, cabeleireiro… E se eu tivesse um acidente? Teve uma vez em que fui acampar com amigos, eu estava numa trilha sozinha, escorreguei e caí num barranco, de uns três metros. Fiquei presa lá embaixo, sem conseguir sair, e não tive como chamar ajuda, achei que fosse ficar presa ali a noite inteira… Tive de ser bem mais cuidadosa”, mencionou ela.
Pressões e discriminação
Os tempos em que McCreadie estudava em um colégio católico também foram muito difíceis. Ela lembrou que usava caneta e um bloco de notas para se comunicar, além de que, quando discutia com alguém, as pessoas viravam as costas e iam embora: “Tinha que absorver essa frustração. Eu tinha muita raiva dentro de mim”. Um dos piores momentos foi quando a jovem teve de participar de um coral sem conseguir emitir sons.
Em certo momento, começaram a afirmar que ela seria uma ‘mulher dos infernos’. “No mundo em que cresci, pessoas como padres, freiras, médicos sempre estavam certos! Você não questionava o que eles diziam. No começo, quando me chamavam de ‘mulher dos infernos’, era engraçado, mas depois de um tempo, ficou pesado. Quando me neguei a confessar, me proibiram de participar da missa que havia na escola toda sexta-feira. Tinha de esperar do lado de fora. Até pensei, ‘que bom! não tenho que participar dessa coisa chata’. Mas foi uma separação. Estava sendo separada de minhas amigas. Comecei a acreditar neles, que eu era uma pessoa má, que pertencia ao diabo, uma pessoa abandonada por Cristo, uma bruxa”, recordou.
Vizinhos e amigos da família passaram a suspeitar que uma questão de saúde mental teria desencadeado a perda da fala. Nesse cenário de frustração, isolamento e dúvidas, ela chegou a tentar tirar a própria vida aos 14 anos. Quando se recuperou, McCreadie foi internada em uma clínica psiquiátrica, o que deu início a uma nova série de experiências traumáticas. “Foi um inferno. Minha ala era de mulheres dependentes de drogas ou vítimas de colapso nervoso ou de abuso. Era uma cama ao lado da outra, separadas apenas por cortinas. Eram todas adultas, eu era a mais nova, aquilo era um pesadelo pra mim. Você tinha que pedir papel higiênico para ir ao banheiro. O banheiro não tinha portas”, detalhou.
No local, a jovem teve de passar por uma sessão do temido eletrochoque. “Vi pacientes voltando de sessões de terapia de choque elétrico. Tinha ouvido os gritos. Fiz uma sessão, é muito cruel. Você é levado a uma sala que parece uma câmara de torturas. Você tá morrendo de medo e ninguém explica nada”, mencionou. A internação também fez com que Marie perdesse a confiança em seus pais. Por isso, em meio ao desespero, e sem conseguir se comunicar, ela encontrou uma escapatória: fugir dali.
Sem ter para onde ir, ela acabou voltando para a casa de seus pais, mas se isolou do mundo. “Toda confiança que eu tinha nas pessoas sumiu quando estive na clínica. Eu ficava deitada no meu quarto, ouvindo rádio. Não queria estar perto de ninguém. Achava que as pessoas só queriam me maltratar”, afirmou ela. Foram seis meses assim, até que McCreadie se conformou, aos poucos, que sua voz não voltaria. Com o tempo, ela aprendeu a linguagem de sinais, passou a trabalhar com a mãe e retomou os estudos, concluindo um curso para ser datilógrafa.
A descoberta da causa e resolução do caso
12 anos se passaram e, aos 25 anos, em outro dia qualquer, Marie começou a passar mal no trabalho. “Eu não estava bem. Comecei a tossir. Fui ao banheiro e comecei a cuspir sangue. Fiquei apavorada. Achei que estava morrendo. Parecia que tinha alguma coisa se mexendo no fundo da garganta. Achei que estivesse cuspindo pedaços de mim. A telefonista chamou uma ambulância e fui levada a um hospital. Ali, detectaram um caroço na minha garganta”, narrou.
Até que veio o plot twist! “Me deram anestesia e retiraram esse caroço. Quando limparam ele, viram que era uma moeda, de 3 centavos de dólar australiano. Uma moeda que saiu de circulação em meados dos anos 1960. Não faço ideia de como ela chegou ali. Foi um choque. Foi diferente do choque da primeira vez, quando não pude falar. Dessa vez foi: ‘Não, peraí, não é possível!'”, explicou ela.
Segundo a BBC, o mais provável é a jovem tenha, sem querer, engolido a pequena moeda, de apenas 16 mm de diâmetro. Como é comum em alguns países, o objeto pode ter sido colocado em um bolo de Natal, como símbolo de sorte. Ou ela pode ter se perdido em algum recipiente de bebida. O que se sabe é que a moedinha passou 12 anos presa entre as cordas vocais de Marie. Por sua presença ali, era impossível que as cordas vibrassem ou produzissem qualquer som.
De acordo com McCreadie, quando ela ficou doente pela primeira vez, não foi possível identificar a moeda através dos exames de imagem. “Na época, eles fizeram exames de sangue e raio-X. Mas o raio-X foi mais embaixo, mais da região do peito do que da garganta. E mesmo se tivessem feito o raio-X do lugar certo, não teriam visto a moeda, escondida atrás de um osso”, comentou a escritora.
Ela também celebrou muito ao poder voltar a falar. “Eu pude sentir o som na minha garganta. Foi um gemido. Primeiro achei que alguém estivesse fazendo uma brincadeira. Mas depois comecei a chorar, e o meu soluço do choro era um som totalmente novo pra mim. Depois de tanto tempo… Fiquei histérica. O médico teve que me dar um calmante”, recordou. Com tanto tempo sem emitir sons, Marie precisou fazer uma terapia para reaprender a falar. Mas ela não esquece a emoção de seu primeiro telefonema, que foi uma ligação para a mãe: “Ela começou a chorar. ‘Eu te disse que tua voz voltaria um dia! Eu te disse!’, ela dizia”.
A situação também fez com que Marie mudasse alguns comportamentos e “vícios” que tinha – como o de não expressar mais seus xingamentos “em voz alta”. “Quando as pessoas faziam coisas que me irritavam, eu xingava ou respondia. Mas como não saía som, não tinha problema. Mas agora as pessoas estavam ouvindo o que eu dizia. Tive de me monitorar. Além disso, quando eu costumava a escrever comentários em blocos de notas, eles tinham de ser curtos, porque você está conversando com pessoas e as pessoas não gostam de ficar esperando. Então eu era concisa. Quando você vocaliza essas mensagens, elas parecem bem abruptas, pode parecer grosseria”, contou.
Ouça ao podcast na íntegra abaixo:
Apesar de ter ficado feliz, Marie também sentiu uma frustração ao pensar que tudo poderia ter sido diferente nesses 12 anos. “Foi uma montanha russa de emoções. Eu estava feliz e animada. Queria ler em voz alta, cantar em um coral, conversar com todas as pessoas… Mas tinha momentos em que me batiam as memórias da escola, da clínica, e em que penso que nada disso teria acontecido se tivessem achado a moeda antes”, refletiu ela. Hoje em dia, McReadie guarda a moeda em uma pulseira, que usa eventualmente. Em 2019, ela registrou suas experiências no livro “Voiceless”.