Stockton Rush, CEO da OceanGate e um dos passageiros que morreu a bordo do submersível Titan, ignorou alertas de segurança de um especialista em exploração em alto mar.
De acordo com e-mails obtidos pela BBC, Rob McCallum avisou que Rush estava colocando os clientes da empresa de turismo marítimo em risco e insistiu para que parasse de usar o submersível até que um órgão independente o aprovasse. Mas o empresário alegou que estava “cansado de participantes da indústria que tentam usar um argumento de segurança para impedir a inovação“. Nesta sexta-feira (23), Rob conversou com o veículo e contou que há anos a indústria tentava deter Rush.
“Acho que você está potencialmente colocando a si mesmo e a seus clientes em uma dinâmica perigosa“, escreveu o especialista em março de 2018. “Em sua corrida para o Titanic, você está espelhando aquele famoso grito de guerra: ‘Ele é inafundável’“, continuou. No entanto, Rush respondeu que escutava sobre os riscos de matar alguém com frequência e que isso era “infundado“. “Ouvimos os gritos infundados de ‘Você vai matar alguém’ com muita frequência“, comentou. “Tomo isso como um sério insulto pessoal“, acrescentou.
Para BBC, McCallum disse que pediu várias vezes para a OceanGate buscar certificados para o Titan antes de usá-lo em passeios comerciais privados. Porém, a embarcação nunca foi certificada ou classificada. “Até que um submarino seja classificado, testado e comprovado, ele não deve ser usado para operações comerciais de mergulho profundo“, escreveu ele em um e-mail. “Imploro que tomem todo o cuidado em seus testes e testes no mar. Sejam muito, muito conservadores. Por mais que eu aprecie o empreendedorismo e a inovação, você está potencialmente colocando todo um setor em risco“, avisou Rob.
Dias depois, Rush respondeu defendendo seu negócio e suas credenciais. “Abordagem inovadora e focada em engenharia da OceanGate vai contra a ortodoxia submersível, mas essa é a natureza da inovação“, declarou o fundador da empresa. Em outro momento, Stockton continuou sustentando suas qualificações e questionou a estrutura existente em torno das expedições em alto mar. Para Rush, “atores do setor” estavam tentando impedir que “novos entrantes acessem seu pequeno mercado existente“. “Estou bem qualificado para entender os riscos e problemas associados à exploração submarina em um novo veículo”, garantiu.
Em resposta, o especialista foi mais rígido e disse: “Serão testes no mar que determinarão se o veículo pode lidar com o que você pretende fazer com ele novamente. Tome cuidado e mantenha-se seguro“. Rob também deixou um recado para o empresário. “Há muito mais em jogo do que Titan e o Titanic“, alertou. A conversa tensa chegou ao fim quando os advogados da OceanGate ameaçaram McCallum com uma ação legal.
Especialista já tentou parar CEO da OceanGate
Profissionais no assunto questionaram a segurança do submersível e como as expedições em alto mar, promovidas pelo setor privado, são regulamentadas. Algumas preocupações foram mencionadas sobre o projeto experimental do Titan e o material de fibra de carbono usado em sua construção. McCallum e ostros líderes e especialistas do setor assinaram uma carta em 2018, mesmo ano da troca de e-mails, alertando Rush que a abordagem da empresa poderia levar a problemas “catastróficos“.
“A indústria tenta há vários anos fazer com que Stockton Rush interrompa seu programa por dois motivos. Uma é que a fibra de carbono não é um material aceitável. A outra é que este foi o único submersível no mundo fazendo trabalho comercial sem classificação. Não foi certificado por uma agência independente“, explicou McCallum, que dirige sua própria empresa de expedições oceânicas.
Submarinos podem ser certificados ou classificados por organizações como American Bureau of Shipping (ABS), ou DNV (uma organização global de acreditação com sede na Noruega), ou Lloyd’s Register. Para isso, a embarcação precisa atender alguns requisitos como estabilidade, resistência, segurança e desempenho. Porém, esse processo não é obrigatório.
Em 2019, a empresa fez uma postagem declarando que a maneira como o submarino foi feito não estava dentro do padrão aceito, mas “não significa que a OceanGate não atenda aos padrões onde eles se aplicam“. “Stockton se imaginava como um empreendedor dissidente“, comentou Rob. “Ele gostava de pensar fora da caixa, não gostava de ser preso por regras. Mas existem regras e também existem princípios sólidos de engenharia e as leis da física“, declarou.
Por fim, o especialista afirmou que ninguém deveria ter embarcado no submarino. “Se você se afastar de sólidos princípios de engenharia, todos baseados em experiências arduamente conquistadas, há um preço a pagar, e é um preço terrível. Portanto, nunca deveria ser permitido que isso acontecesse novamente. Não deveria ter sido permitido que isso acontecesse desta vez“, completou.
As vítimas
Rush fundou a OceanGate em 2009. A empresa oferece aos clientes a chance de fazer uma expedição em alto mar, incluindo uma visita ao Titanic. No último domingo (18), o submarino desapareceu com ele e mais quatro passageiros a bordo enquanto tentavam fazer um passeio até os destroços do famoso transatlântico. No entanto, nesta quinta-feira (22), a empresa confirmou a morte de Rush, o milionário britânico Hamish Harding, o paquistanês Shahzada Dawood, vice-presidente da Engro, e seu filho Suleman, e o mergulhador francês Paul-Henri Nargeolet.
“Esses homens eram verdadeiros exploradores que compartilhavam um distinto espírito de aventura e uma profunda paixão por explorar e proteger os oceanos do mundo. Nosso corações estão com essas cinco almas e todos os membros de suas famílias durante esse período trágico. Lamentamos a perda de vidas e a alegria que eles trouxeram para todos que conheciam“, dizia o comunicado da OceanGate enviado para a imprensa.
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