Na manhã dessa sexta-feira (03), a revista Marie Claire Brasil trouxe a público, uma investigação contra o ex-BBB Felipe Antoniazzi Prior. O arquiteto – que participou da atual edição do reality da TV Globo – é acusado de estupro e de tentativa de estupro. As denúncias correm em segredo de justiça, mas a revista teve acesso ao documento através do qual Prior é acusado formalmente. Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o sigilo deve existir para proteger a identidade das vítimas.
As três mulheres apresentaram denúncia no Fórum Central Criminal neste ano e são representadas pelas advogadas Maria Pinheiro e Juliana de Almeida Valente. Os episódios criminosos teriam acontecido entre os anos de 2014 e 2018, envolvendo momentos no InterFAU – jogos promovidos entre alunos de Arquitetura e Urbanismo de algumas universidades.
O primeiro caso de estupro teria ocorrido em agosto de 2014, durante a edição dos jogos daquele ano. Na ocasião, duas amigas teriam aceitado carona de Prior e, segundo o relato, ambas estavam bastante alteradas pelo consumo de bebida alcoólica. Minutos após deixar a primeira passageira em casa, Felipe supostamente parou o carro na estrada, desligou o motor e se lançou sobre Themis (pseudônimo dado à vitima para protegê-la).
Conforme depoimento, Felipe teria despido a mulher e praticado o estupro, diante dos pedidos de Themis para que não o fizesse. Devido à penetração forçada, a vítima sangrou e, por conta da dor, começou a chorar, até que o ato fosse interrompido. Como a quantidade de sangue era grande, manchando as roupas de Felipe e o banco do carro, ele perguntou se a vítima queria ser levada ao hospital. Ela negou, e pediu para ser deixada em casa. Prior assentiu, seguiu viagem, a levou até à residência da mesma.
Mais tarde, durante a madrugada, Themis foi levada a um hospital pela mãe para ver o ferimento e notou “um corte de cerca de três dedos de comprimento na região genital, profundo o suficiente para chegar até o músculo“. Entretanto, a vítima não relatou o motivo da lesão na hora. Ela possui o laudo médico que comprova a laceração em seu lábio vaginal esquerdo. Consta ainda no documento que ela precisou vestir uma fralda geriátrica para conter o sangramento e que passou a vivenciar crises de pânico, após o acontecido.
“Tudo para mim se resume a uma grande agonia no peito. Simplesmente coloquei a violência que sofri debaixo do tapete por seis anos. Achei que não lidando com ela, sumiria em mim. Atrasei dois anos da minha faculdade por causa do estupro. Tranquei todas as matérias do curso porque vê-lo (Felipe) todos dias era torturante. Ele é um cara impulsivo, agressivo. O que mostrou no ‘BBB’ não chega perto do que é na vida real”, declarou a jovem à Marie Claire.
Ainda de acordo com o documento, Prior teria tentado estuprar outra jovem, novamente no InterFAU, em 2016. Segundo o relato de Freya (pseudônimo dado à vítima para protegê-la), o arquiteto teria a persuadido a entrar em sua barraca no camping dos jogos, para consumarem um momento íntimo. Entretanto, quando percebeu que o rapaz não tinha preservativos, ela recusou o sexo.
Mesmo diante das negativas, o ex-brother teria tentado forçar a relação, contendo a vítima fisicamente. Entretanto, Freya conseguiu se desvencilhar ao empurrá-lo com os braços e pernas. Após o início do reality da Globo, ela soube da história da primeira vítima, Themis, e ambas decidiram, por fim, agir.
“Quando começou o ‘BBB’, vi um tuíte de uma garota que dizia que o Felipe tinha fama de assediador no Mackenzie [faculdade na qual o rapaz estudou]. Foi quando entendi que a violência que sofri não era única. Mandei uma mensagem para garota e disse a ela que se aparecessem mais vítimas, me manifestaria. Dessa forma encontrei Themis, que me contou que além do estupro, tinha um boletim médico comprovando a laceração em seu genital”, explicou Freya à publicação, por telefone.
O último caso verificado pela reportagem da Marie Claire aconteceu nos jogos InterFAU de 2018, realizados no município de Itapetininga. Ísis (pseudônimo dado à vítima para protegê-la), de 23 anos, teria sido estuprada pelo arquiteto que, assim como nas outras ocasiões, teria se aproveitado do estado de embriaguez dela.
De acordo com a jovem, Felipe a convidou para entrar em sua barraca, onde iniciou relação sexual com ela de maneira consentida. No entanto, após Prior passar a agir de maneira agressiva, Ísis disse que não queria mais, mas não surtiu efeito. Segundo o documento obtido pela revista, o acusado desferiu tapas no rosto e por todo o corpo de Ísis, mesmo depois dela dizer que estava sentindo dor e por diversas vezes avisar que queria interromper a relação.
A mulher contou que chegou a chorar, mas ouviu, repetidamente, que ele não a deixaria sair dali. A uma certa altura, ele a teria colocado deitada de barriga para baixo e se posto sobre seu corpo de modo que ela ficasse imobilizada no chão. Mesmo após terminar o ato sexual, Felipe teria empurrado-a e puxado-a de forma que ela caísse sobre o colchão, sem conseguir se desvencilhar da situação.
Naquela noite, na barraca ao lado, duas testemunhas escutaram Ísis chorar e pedir que o acusado parasse. “Uma voz feminina chorando. Dizia ‘Para, tá me machucando’ e continuava chorando”, relatou uma das testemunhas no documento da acusação.
“As meninas que moram comigo gostam de assistir BBB. Imagina ter que ver a cara dele todo dia? Mas ao mesmo tempo foi importante para que eu pensasse no passado. Eu achava que ia superar através do esquecimento. E vê-lo na TV me despertou muitos gatilhos e medo de me relacionar com homens”, contou Ísis à Marie Claire.
O relato da jovem de 23 anos foi determinante para que a comissão organizadora da InterFAU decidisse sobre o impedimento do acesso de Prior ao ambiente dos jogos universitários a partir daquele ano. A organização ainda levou em conta a maneira reiterada e habitual com que Felipe incorria nesse tipo de conduta. No entanto, até a entrada do paulista na vigésima edição do Big Brother Brasil, ninguém prestou queixa – nem as mulheres, nem a Faculdade, nem a comissão do InterFAU.
As denúncias começaram a aparecer nas redes sociais em janeiro, quando o arquiteto entrou no reality show. Pessoas que haviam estudado na faculdade no mesmo período relataram que ele apresentava um mau comportamento na época, especialmente contra as mulheres. No dia 27 de março, a InterFAU foi questionada por uma fã do programa e confirmou o caso.
“Esse lance de assédio do Felipe Prior que foi expulso da InterFAU é verdade mesmo?”, perguntou a menina por uma mensagem privada no Facebook. “É verdade sim. Foi uma decisão tomada pela comissão organizadora do evento. Temos ciência do que está acontecendo e nos pronunciaremos no momento correto. Por ordem da organização, não podemos dar mais detalhes sobre. Espero que entenda. Os detalhes entendidos como necessários serão dados no pronunciamento em breve”, respondeu a equipe.
e o pri0r que tem rabo preso em história de assédio sexual e não pode nem pisar na INTERFAU? pic.twitter.com/2shcwgr7TF
— m (@morestydia) March 27, 2020
Nesta sexta-feira (3), horas após a publicação da reportagem, o Interfau emitiu uma nota oficial, confirmando que afastou Felipe, permanentemente, de seus eventos em outubro de 2018. “A Comissão Organizadora do Interfau vem por meio desta anunciar publicamente que deliberou de maneira, permanente, que Felipe Antonizzi Prior, ex-aluno da Universidade Presbiteriana Mackenzie , não poderia ingressar e tampouco participar de nenhuma de nossas atividades a partir de outubro de 2018“, apontou, mencionando em seguida as denúncias feitas anos atrás contra o então estudante.
“Devido ao recebimento de mais de uma denúncia acusando-o de assédio, além de uma acusação de crime sexual, durante o Interfau de 2018, a Comissão Organizadora, através dos deveres atribuídos à ela, visando garantir a segurança e o bem estar de todos no evento, se reuniu no dia 21 de outubro de 2018, quando foi deliberada a expulsão permanente de Felipe Prior das demais edições do Interfau“, detalhou os responsáveis.
https://www.facebook.com/interfau/photos/nota-oficial/3693537924050095/
O Trâmite da Acusação
A criminalista Maira Pinheiro, advogada das três mulheres, conversou com a revista para dar mais detalhes sobre o processo e explicar como chegou às histórias. “Esse trabalho começou no final de janeiro, a partir da conversa com a primeira vítima. Conforme tivemos informações sobre a existência de outras, percebemos que, para que os fatos fossem relatados com a devida profundidade e complexidade, teríamos que fazer uma investigação defensiva abrangente. E assim chegamos à segunda e à terceira vítimas e às demais testemunhas. Tivemos inclusive notícia de pelo menos uma outra, que acabou preferindo não depor”, revelou a advogada, que está dividindo o trabalho com Juliana de Almeida Valente.
Maira ainda explicou por que as três mulheres não registraram boletim de ocorrência na época dos crimes. “Precisamos entender que lidamos com vítimas reais e não ideais. Acompanhando esse tipo de caso cotidianamente, percebemos que infelizmente é comum que entre a ocorrência da violência e a decisão de denunciar, passe um certo tempo. Isso tem a ver com o tratamento revitimizador que muitas dessas mulheres recebem junto às instituições, a falta de apoio de amigos e familiares e, de maneira geral, com a cultura do estupro, que normaliza situações de violência sexual e não cultua a valorização do consentimento. Todas as vítimas relataram sentimentos de culpa após os fatos. Isso é emblemático, pois revela como, diante desse tipo de caso, o senso comum tende a focar mais numa suposta ‘responsabilidade’ da vítima em não ser capaz de evitar os atos do agressor”, declarou ela.
De acordo com a Marie Claire, as advogadas entraram com um pedido de medidas cautelares para que o acusado seja proibido de manter contato com as vítimas e testemunhas por qualquer meio de comunicação, inclusive por meio de terceiros e internet. A solicitação foi acolhida pela Promotoria de Justiça do Estado de São Paulo e aguarda julgamento. Como os crimes aconteceram em três cidades diferentes, a investigação poderá ser realizada por um grupo especializado do Ministério Público ou se desdobrar em até três inquéritos policiais diferentes.
No Brasil, o crime de estupro consta no artigo 213 do Código Penal e é tipificado como hediondo. Atualmente a pena é de seis a 10 anos de reclusão, aumentando para oito a 12 anos quando há lesão corporal da vítima.
Contatada pela Marie Claire, a Comunicação da Rede Globo emitiu um comunicado sobre as acusações contra o ex-participante do “BBB 20”. “A Globo é veementemente contra qualquer tipo de violência, como se percebe diariamente em seus programas jornalísticos e mesmo nas obras do entretenimento, e entende que cabe às autoridades a apuração rigorosa de denúncias como estas”, declarou.
A Defesa
A revista ainda procurou Felipe Prior para que ele respondesse às acusações e descreveu o difícil contato com seu assessor de imprensa desde quarta-feira (01). Questionado em um primeiro momento, o assessor apenas escreveu, através de uma mensagem, que “isso aí é mentira“. Diante da insistência para que respondesse às acusações, ele enviou: “Acho que agora não. Assim que eu entrar em contato com a família, eu te aviso”.
O assessor recebeu o prazo de um dia para se manifestar ou pedir para que o próprio arquiteto se pronunciasse. Mesmo com um novo contato feito na manhã desta sexta-feira (03), ele não se manifestou.
Após a publicação da matéria pela revista, o pai do acusado, Edmir Prior, se pronunciou sobre as acusações para a ‘Quem’, alegando não ter nada a declarar. “Não garanto nada quanto as acusações porque para nós familiares isso não diz nada. Nunca recebemos intimação ou manifestação alguma legal. Só vou poder falar quando ele receber a intimação“, afirmou o senhor.
As Reações nas Redes Sociais
Desde o início da tarde, a hashtag “#PriorEstuprador” está no topo dos assuntos mais comentados do Twitter. Dentre as principais reações, se destacaram os resgates de tuítes antigos. Nas mensagens escritas à época em que Felipe fora anunciado pela Globo como um dos participantes do ‘BBB20’, internautas já falavam dos relatos de abuso, bem como revelavam outras atitudes condenáveis do paulistano. Confira:
https://twitter.com/sm__c_/status/1246125709665415168?s=20
https://twitter.com/MIMIBANGPINK/status/1246125301266108416?s=20
https://twitter.com/vinyoblie/status/1246126526082568198?s=20
Leia à reportagem de Natacha Cortêz e Kellen Rodrigues, para a Marie Claire Brasil, clicando aqui.