Um ciclo que chega ao fim! Através de um texto emocionante, o diretor-geral de jornalismo da Globo, Ali Kamel, revelou que a repórter Sandra Passarinho pediu demissão da emissora após 50 anos para se dedicar a novos projetos.
A jornalista de 69 anos entrou na Globo como estagiária em 1969, durante o período em que cursava Comunicação Social na UFRJ, e já teve carteira assinada no ano seguinte. Ela permaneceu lá durante todo esse tempo, com um breve intervalo entre 1982 e 1985, quando trabalhou para a BBC, colaborou com TVs da Alemanha e Finlândia e passou um ano como correspondente internacional da TV Manchete.
De acordo com Kamel, Sandra não deixará o jornalismo, mas terá um outro ritmo. “Um dos amigos que fez em Londres, na Polytechnic of Central London, a convidou para participar de um projeto pioneiro. E sem a necessidade de se mudar para Londres”, revelou ele. A repórter deve dar a sua colaboração num projeto digital, ainda muito embrionário. “O que a cativa é continuar de alguma forma a buscar outras formas de contar histórias”, acrescentou.
No começo da década de 1970, enquanto a censura dificultava a cobertura dos fatos nacionais, Sandra focou no noticiário internacional. Em 1972, foi convidada para ser editora do recém-criado “Jornal Internacional”, com ênfase em notícias do exterior e imagens de agências, veiculado à noite.
Em 1974, embarcou para Portugal para cobrir os desdobramentos da Revolução dos Cravos. “Sandra tinha apenas 24 anos e já era o olhar brasileiro no meio de um acontecimento que chamava a atenção do mundo”, destacou Ali. Com o sucesso da cobertura, a repórter se tornou itinerante no exterior e passou seis meses sem endereço fixo. “A primeira correspondente da Globo na Europa”.
Em novembro do mesmo ano, Passarinho se fixou em Londres e dali correu o mundo. “Em 1975, cobriu a morte do ditador espanhol Francisco Franco; em 1976, acompanhou a visita de Geisel a Londres; sua cobertura do nascimento do primeiro bebê de proveta em 1978 é antológica; cobriu, em 1979, viagens do Papa João Paulo II à Irlanda e Turquia, menos de um ano depois da entronização dele como líder dos católicos; cobriu atentados do grupo terrorista IRA na Inglaterra e testemunhou aproximações diplomáticas entre Israel e Egito; visitou um campo de refugiados cambojanos na Tailândia. E muitas outras coberturas que marcaram época”, enumerou o diretor-geral de jornalismo.
De volta à Globo em 1985, ela integrou a equipe do “Globo Repórter” até, na década de 1990, apresentar o quadro “Abra o Olho” no “Bom Dia Brasil”. Em 2001, tornou-se editora-chefe do programa “Espaço Aberto”, da GloboNews, sua primeira experiência na TV fechada.
Alguns anos depois, por sugestão de Kamel, Sandra voltou à Globo, onde participou de inúmeras grandes coberturas em frente às telas. “Integrou a equipe destacada em 2010 para cobrir a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro pelas forças de segurança do Rio, cobertura que rendeu ao Jornal Nacional o primeiro Prêmio Emmy do jornalismo brasileiro”, exaltou ele, acrescentando que “Sandra Passarinho – sinônimo, REPÓRTER”.
“Eu então quero agradecer à Sandra pela imensurável contribuição que ela deu ao jornalismo da Globo e ao jornalismo brasileiro. E por ter inspirado tantos e tantos profissionais. Entre eles eu, que sempre parei quando via uma reportagem dela no ar. Desde a década de 1970”, finalizou Ali Kamel.
Confira o comunicado do diretor-geral de jornalismo da Globo na íntegra:
“Alguns nomes se transformam numa verdadeira marca. E assim é o nome dela. Na verdade, o nome que Sandra ganhou logo que chegou à Globo, com apenas 19 anos. Pequena e rápida, ela me contou que foi batizada por Borjalo: Passarinho. E, assim, o apelido virou nome e o nome fez história.
Carioca, filha de pai lituano e mãe brasileira, Sandra Laukenickas descobriu a profissão por acaso. Numa conversa recente, ela me contou que fez vestibular para Sociologia. E passou para o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, o mesmo em que me formei. Meses depois, o curso foi interditado pela ditadura militar e a estudante decidiu fazer Comunicação Social na mesma universidade. Não concluiu o curso, mas aceitou o convite para fazer um estágio na Globo. Era 1969 e começava ali um casamento indissolúvel: Sandra, agora Passarinho, e o jornalismo. Teve a carteira assinada em 1970.
No começo daquela década, enquanto a censura dificultava a cobertura dos fatos nacionais, o noticiário internacional era a saída possível. E, em 1972, Sandra já fazia sua primeira aproximação com os fatos que ultrapassavam as nossas fronteiras. Com uma bagagem cultural expressiva e o domínio de línguas, foi convidada para ser editora do recém-criado Jornal Internacional, um jornal com ênfase em notícias do exterior e imagens de agências, que era veiculado à noite. Foi a experiência no telejornal que deu a ela o passaporte para a missão que mudaria para sempre a sua trajetória pessoal e profissional. Numa tarde de 1974, ao chegar em casa, recebeu o recado para que viesse imediatamente à Globo. Na mesma noite, junto com o colega Orlando Moreira, cinegrafista fundador da Globo e em atividade em Nova York há décadas, embarcou para Portugal para cobrir os desdobramentos da Revolução dos Cravos. Sandra tinha apenas 24 anos e já era o olhar brasileiro no meio de um acontecimento que chamava a atenção do mundo.
Com o sucesso daquela cobertura, a jovem repórter se tornou itinerante no exterior. Passou seis meses sem endereço fixo, viajando sem parar para onde estivesse a notícia. Deslocava-se no ritmo dos acontecimentos, aprendendo a fazer jornalismo na prática. Era repórter, mas também produtora, pauteira e editora. Frequentava as agências internacionais de notícias e as emissoras locais para descobrir novidades, revelar o material – ainda feito em filme, película – e transmitir as matérias para o Brasil. Enquanto isso, cultivava fontes e formava uma rede de contatos que a acompanharia pelos anos seguintes. Tomou gosto e conquistou o seu lugar fora do Brasil. A primeira correspondente da Globo na Europa.
Em novembro do mesmo ano, Sandra se fixou em Londres e dali correu o mundo. Em 1975, cobriu a morte do ditador espanhol Francisco Franco; em 1976, acompanhou a visita de Geisel a Londres; sua cobertura do nascimento do primeiro bebê de proveta em 1978 é antológica; cobriu, em 1979, viagens do Papa João Paulo II à Irlanda e Turquia, menos de um ano depois da entronização dele como líder dos católicos; cobriu atentados do grupo terrorista IRA na Inglaterra e testemunhou aproximações diplomáticas entre Israel e Egito; visitou um campo de refugiados cambojanos na Tailândia. E muitas outras coberturas que marcaram época.
Depois de oito anos correndo a Europa e o mundo, Sandra fez um breve intervalo na sua história com a Globo: entre 1982 e 1985 trabalhou para o serviço brasileiro de notícias da BBC, colaborou com TVs da Alemanha e Finlândia e passou um ano como correspondente internacional da TV Manchete. Ela me contou que com isso conseguiu, finalmente, cursar a sonhada faculdade de Ciências Sociais, agora na Polytechnic of Central London. Fez amizades que a acompanham até hoje.
Com a formatura, Sandra sentiu que fechava um ciclo na Europa e era hora de voltar ao Brasil. “Começar”, praticamente, uma carreira aqui, embora já consagrada como repórter. Convidada pela Globo em 1985, veio integrar a equipe do Globo Repórter, mergulhando agora na realidade brasileira. Viajou o país todo e fez programas históricos, como aquele que foi o primeiro a abordar a Aids no Brasil. Outro a marcou intensamente. Foi sobre o Juqueri, o maior complexo psiquiátrico do Brasil, de triste memória. Um acervo histórico de maus tratos e falta de humanidade, que começava a passar por alguma modernização. Uma senhora cega, que não era doente mental, e sim uma interna social, que não tinha onde morar e foi parar lá, fez uma poesia para Sandra. O abraço das duas encerrou o programa. Sandra nunca se esqueceu daquele momento.
Na década de 1990, no Bom Dia Brasil, apresentou o quadro Abra o Olho, dedicado a defender os direitos dos cidadãos e consumidores. Em 2001, tornou-se editora-chefe do programa Espaço Aberto, da GloboNews, sua primeira experiência na TV fechada. Foi ali que a encontrei quando cheguei à Globo. Eu acompanhei como espectador a carreira de Sandra como correspondente e fui certamente um de muitos jornalistas que a tinham como modelo. Mesmo quando eu ainda não pensava em ser jornalista, eu admirava o trabalho dela: a firmeza, a seriedade, a correção, tudo junto nela resultava e ainda resulta num tremendo carisma. Quando visitei a Globo News nos meus primeiros dias na Globo e fui apresentado a ela, tive aquela sensação do admirador que está diante de alguém muito importante. E estava. Tímido, não disse a ela na época, nem disse a ela em nossas conversas esses anos todos. Mas conto agora por escrito. Ao sair daquele breve encontro, eu sugeri ao Schroder, então diretor de jornalismo: por que não convidar a Sandra para voltar ao vídeo? Ele adorou a ideia e ela, também. E a TV ganhou de volta a grande repórter que Sandra é (trouxemos também de volta à reportagem a saudosa Sandra Moreyra, então também editora da News). Dali em diante, participou de inúmeras grandes coberturas (integrou a equipe destacada em 2010 para cobrir a ocupação do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro pelas forças de segurança do Rio, cobertura que rendeu ao Jornal Nacional o primeiro Prêmio Emmy do jornalismo brasileiro).
Consagrada pelos documentários do Globo Repórter e também pelas coberturas factuais, Sandra optou por se dedicar ao mergulho em determinados temas, fazendo séries especiais que renderam prêmios e grande repercussão. Assim foi com as quatro reportagens sobre pesquisas brasileiras com células-tronco; com a série de 2015 feita para o JN sobre testes humanos, mostrando como voluntários podem ajudar no desenvolvimento de vacinas no Brasil; com a série Inovação, também para o JN, onde ela trouxe à tona iniciativas pioneiras em tecnologia no Brasil. Nesses trabalhos, voltou a atuar como naqueles primeiros e difíceis anos na Inglaterra. Antes por necessidade, agora por prazer, participava da ideia, da produção, da realização e da edição de VT.
Em 2015, na série 50 anos de Jornalismo da Globo, assim como no livro Correspondentes, organizado pelo Memória Globo em 2018, Sandra lembrou algumas das inúmeras e fantásticas histórias que protagonizou em quatro décadas de jornalismo. Um presente para o público e um orgulho para todos nós. Afinal, não consta dos dicionários mas bem poderia: Sandra Passarinho – sinônimo, REPÓRTER.
Nesse ano em que se completam 50 anos desde que entrou na Globo como estagiária aos 19, Sandra me procurou para dizer que decidiu deixar o jornalismo diário. Notem, não deixará o jornalismo, mas terá um outro ritmo. Um dos amigos que fez em Londres, na Polytechnic of Central London, a convidou para participar de um projeto pioneiro. E sem a necessidade de se mudar para Londres. Sandra está namorando a ideia de dar a sua colaboração num projeto digital, tudo ainda muito embrionário. O que a cativa é continuar de alguma forma a buscar outras formas de contar histórias. Como ela me disse, o que somos nós jornalistas senão “historiadores” do nosso tempo? Sandra Passarinho fez História na TV. Nessa mensagem, eu tentei apenas contar uma pequena fração da magnífica história que ela escreveu até aqui. História que ela continuará a escrever.
Eu então quero agradecer à Sandra pela imensurável contribuição que ela deu ao jornalismo da Globo e ao jornalismo brasileiro. E por ter inspirado tantos e tantos profissionais. Entre eles eu, que sempre parei quando via uma reportagem dela no ar. Desde a década de 1970.
Sandra, obrigado por tudo, de coração. Um beijo, com admiração”