Na semana passada, o “Fantástico” revelou a história de Madalena Gordiano, uma mulher negra que foi resgatada em condições análogas à escravidão em Patos de Minas (MG), após 38 anos com a família Milagres Rigueira. Segundo o UOL, mesmo livre, a mineira descobriu dívidas feitas no nome dela por seu antigo patrão, o professor universitário Dalton César Milagres Rigueira.
Madalena havia se casado em 2001 com Marino Lopes da Costa, tio da esposa de Dalton, Valdirene Lopes Rigueira. No entanto, Gordiano nunca morou com o marido, que morreu em 2003, aos 80 anos. Desde então, ela tem direito a duas pensões que totalizam o valor bruto de R$ 8,4 mil. Porém, a mulher nunca administrou o dinheiro e também não recebia salários por seus serviços prestados – tudo ficava sob o controle do professor.
Não bastasse isso, de acordo com o UOL, Dalton fez dois empréstimos consignados no Banco do Brasil, em nome de Madalena. As transações deixaram para ela uma dívida de R$ 18,5 mil. Enquanto tem recebido apoio do Ministério Público do Trabalho, a mineira também constatou que os empréstimos demandam um pagamento mensal de R$ 633,12. Tudo isso tem impedido que ela desfrute integralmente da pensão a que tem direito.
Os advogados de Madalena não descartam a hipótese de que o professor universitário tenha feito outros empréstimos, porque o valor recebido por Gordiano nos últimos meses é de cerca de R$ 4 mil, ou seja, menos da metade do valor bruto de suas pensões. Atualmente, a vítima resgatada está em um programa de ressocialização em Uberaba (MG). Segundo a reportagem, ela também receberá assessoria jurídica da Clínica de Enfrentamento ao Trabalho Escravo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
O empréstimo ainda pode render uma denúncia de estelionato a Dalton. Até o momento, ele responde na justiça pelos 38 anos que Madalena esteve sobre regime análogo à escravidão. A mãe do professor, Maria das Graças Milagres Rigueira, também terá de prestar contas sobre isso, por ter sido a primeira patroa de Gordiano e tê-la em sua casa desde que ela tinha 8 anos de idade.
Procurado pelo UOL, Brian Epstein, advogado dos Milagres Rigueira, afirmou que não teve acesso aos autos do processo. A defesa também afirmou que desconhece os empréstimos consignados feitos por Dalton em nome de Madalena.
Diante da repercussão do caso, a Fundação Educacional de Patos de Minas (Fepam), que é mantenedora da Unipam, anunciou no dia 21 o afastamento do professor Dalton César Milagres Rigueira. De acordo com o G1, em meio às investigações sobre ele ter mantido a mulher em condições análogas à escravidão, a instituição afirmou que as medidas legais e cabíveis serão tomadas, mas que ele já está afastado de suas atividades.
Resgate e investigações
Madalena Gordiano, de 46 anos, foi resgatada por auditores fiscais do trabalho em um apartamento em Pato de Minas (MG), no último dia 27 de novembro. De acordo com o auditor do Ministério Público do Trabalho, Humberto Monteiro Camasmie, ela não tinha registro em carteira, descanso semanal remunerado, não tinha a garantia de um salário mínimo, férias, além de viver num cômodo desconfortável da casa. “Era um apartamento bem pequeno, deve ter 3 metros de comprimento por 2 de largura. Não havia janelas, nenhuma ventilação. Era um quartinho bem abafado”, disse ele.
A história teve início quando Madalena tinha 8 anos, e bateu na porta de Maria das Graças Milagres Rigueira em busca de comida. “Fui lá pedir um pão pra comer, que eu tava com fome, não tinha nem um pão na minha casa, aí ela falou: ‘Não, você vai morar comigo’”, relatou a vítima. Com isso, a mãe da então garotinha aceitou a proposta, visto que tinha dificuldade para criar todos os filhos. Mas a adoção de Madalena nunca foi formalizada.
Porém, assim que chegou na família Milagres Rigueira, ela diz ter sido tirada da escola, e teve de ajudar nos afazeres domésticos, sem poder brincar. “Não tinha nem uma boneca”, mencionou. Após 24 anos de trabalho, Madalena foi rejeitada pelo marido de Maria das Graças. “Brigava muito, nervoso. Ele era nervoso, a idade”, relatou. Então, ela foi “dada” ao filho do casal, Dalton César Milagres Rigueira, professor universitário da UNIPAM. Mas as coisas também não foram fáceis por lá…
Segundo as investigações, Gordiano trabalhava de domingo a domingo sem receber um salário, e começava a trabalhar antes do amanhecer. Um dos vizinhos, que optou por manter o anonimato, também já havia notado o tratamento dado à Madalena. “Ela acordava às 4h da manhã pra poder passar roupa. Ninguém deles podia ver ela conversando com alguém do prédio. Você via que ela ficava com medo quando eles chegavam”, afirmou. Foi só quando ela passou a mandar bilhetes aos vizinhos pedindo dinheiro para comprar itens de higiene pessoal que a história começou a vir à tona.
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