Sobreviventes da tragédia na boate Kiss e familiares das vítimas abandonaram a sessão do julgamento realizada nessa quarta-feira (8), após uma série de declarações do ex-prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (MDB). Ele, que atualmente ocupa o cargo de secretário de Planejamento e de Assuntos Extraordinários na Prefeitura de Porto Alegre, foi a 25ª pessoa a ser ouvida no Tribunal.
Segundo o UOL, durante seu depoimento, o político desqualificou a investigação feita pela Polícia Civil, classificando-a como “medíocre e espetaculosa”. “O inquérito foi feito pela imprensa. Não foi feita uma investigação sóbria, discreta, respeitosa com as famílias. Parecia que era um desejo de envolver a prefeitura de qualquer forma e eu me refiro só à prefeitura, não quero falar de outras questões ou de outras naturezas. De muitos pontos de vista, essa investigação foi medíocre e espetaculosa. Um inquérito quando morre uma pessoa, quando é assassinado alguém, leva seis meses, um pouco mais, um pouco menos. Esse inquérito levou 55 dias”, comentou.
Em outro momento, Cezar disse que 150 servidores da prefeitura convocados a depor teriam sido destratados pela polícia, que supostamente, agiu de forma truculenta. Ele argumentou ainda que o inquérito foi movido por notícias da imprensa. “Acho que faltou coragem, isenção, respeitabilidade, competência aos responsáveis pelo inquérito, fizeram inquérito movido pelo noticiário da imprensa e de outras circunstâncias de natureza política. O inquérito é muito ruim, doutor. Desculpe fazer essa afirmação”, declarou.
Cerca de 15 pessoas que estavam presentes no local se retiraram após Schirmer negar qualquer responsabilidade da prefeitura diante da tragédia. Uma delas, inclusive, chegou a passar mal e precisou receber atendimento médico. “Havia um esforço desde o começo no sentido de ‘falta mais gente no julgamento’, isso eu ouvi até semana passada, várias vezes. Faz oito anos que ouço isso. Isso era uma narrativa para responsabilizar 50, 30, 20 para reduzir a responsabilidade individual desse ou daquele, óbvio. Eu compreendo, como advogado, eu sou bacharel em direito, que é uma estratégia de defesa. Eu respeito, é o direito do defensor, não estou criticando o advogado”, pontuou o político.
“Estou só dizendo que essa foi a narrativa criada desde o começo, e desde o começo eu ouço insinuações que eu deveria estar aqui não como testemunha, mas como réu. Eu não fiz nada doutor, nada, nada, nada, absolutamente nada que pudesse comprometer a mim e nenhum servidor da prefeitura agiu de tal forma que tenha contribuído para o que aconteceu naquela noite, que foi um incêndio, apenas isso, com vítimas fatais e eu lastimo tudo muito que ocorreu, profundamente. Até hoje isso me entristece muito”, continuou.
As falas, claro, repercutiram e foram criticadas pelo presidente da AVTSM (Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria), Adherbal Ferreira, durante coletiva de imprensa: “Ele (Schirmer) se referiu que o inquérito foi muito rápido, mas ele teve muita consistência sim, apontou todos aqueles que, de alguma forma, tinham alguma ligação, alguma responsabilidade. Agora, na hora de responder, todo mundo é inocente, ninguém tinha nada a ver. O prefeito está tentando mais uma vez abraçar os funcionários públicos e isso é muito ofensivo para nós”.
Já Paulo Carvalho, diretor jurídico da associação, lembrou de um laudo arquitetônico feito em 2009, que não recomendava o funcionamento da Kiss. “Esse laudo está no inquérito, foi entregue, deveria ser entregue, não importa, diretamente ao prefeito e ao comandante do Corpo de Bombeiros. Se eles não viram, é um laudo que deveria preservar vidas. Se ele não leu, ele se omitiu. E, se leu, ele prevaricou, porque deveria ter tomado atitude. É só isso que queremos. Que fossem julgados, levados por improbidade administrativa. Agora vem aqui falar isso para os familiares e colocar de ‘medíocre’ o que foi feito, ofendendo aos policiais e de uma certa forma, ofendendo os familiares? Isso é técnico, não é campanha de ódio, da mídia. A mídia reportou o que estava lá”, disparou.
O julgamento
O Tribunal do Júri sobre o caso da Boate Kiss teve início na semana passada (1º), no Foro Central de Porto Alegre (RS). Os réus são os dois sócios do estabelecimento, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos, além do ex-produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão.
Eles já ficaram presos por quatro meses, mas agora respondem pelo caso em liberdade. Os réus serão julgados pelos crimes de 242 homicídios simples com dolo eventual – por todas as vítimas fatais da tragédia –, e 636 tentativas de homicídio – referentes a todos os que saíram feridos do episódio, que abalou a cidade de Santa Maria (RS) em janeiro de 2013.