Hugo Gloss

Caso Isabele: Justiça determina punição máxima para acusada de matar a amiga; saiba detalhes

Fotos: Reprodução/Instagram; TV Globo

A Justiça Estadual de Mato Grosso determinou, na noite dessa terça-feira (19), a internação da adolescente de 15 anos acusada de matar a amiga Isabele Guimarães Ramos, 14, com um tiro. O caso aconteceu na casa da família da suspeita, em Cuiabá (MT), no dia 12 de julho do ano passado.

A garota foi condenada a 3 anos de reclusão – pena máxima prevista pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) como medida socioeducativa, podendo ser revista e atualizada a cada seis meses – por ato infracional análogo ao homicídio doloso e qualificado. A sentença foi proferida pela juíza Cristiane Padim, da 2ª Vara Especializada da Infância e Juventude. Na decisão, a magistrada destacou o “caráter pedagógico e responsabilizador da internação” e disse que a adolescente agiu com “frieza, hostilidade, desamor e desumanidade” ao atirar contra Isabele.

“Ceifar a vida de uma pessoa tida como melhor amiga no banheiro do closet do quarto da própria casa é muito mais violento em razão da vítima, por certo, não esperar tal atitude. E neste ponto reside a qualificadora que torna o ilícito ainda mais grave, isto é, a surpresa do ataque que dificultou, ou até mesmo impediu qualquer ato defensivo por parte da adolescente vítima”, declarou. A jovem envolvida no disparo chegou a ser apreendida dois meses após o crime, mas foi solta oito horas mais tarde, graças a um habeas corpus.

Segundo informações divulgadas pela assessoria da Polícia Civil, a menina já se apresentou à DEA (Delegacia Especializada do Adolescente), acompanhada dos pais e advogados. Ela foi encaminhada para realização de exame de corpo de delito e na sequência, seguirá para a unidade de internação socioeducativa feminina no Complexo Pomeri. Tanto a defesa, quanto os responsáveis legais da adolescente, não se manifestaram sobre o desfecho.

Adolescente que atirou e matou Isabele é condenada a 3 anos de internação em regime socioeducativo em Cuiabá. (Foto: Ianara Garcia/TV Centro América)

Entenda o caso

Isabele Guimarães Ramos estava na casa da amiga em 12 de julho de 2020, num condomínio de luxo em Cuiabá, Mato Grosso, quando levou um tiro no crânio e veio a óbito. O caso, até então, seguia com muitas dúvidas e poucas respostas. De acordo com a adolescente suspeita de efetuar o disparo, a pistola teria sido acionada quando ela guardava a arma para seu pai –  negando que estivesse brincando com o objeto, ou tentando mostrá-lo para a amiga.

Segundo Rodrigo Pouso, advogado da família da jovem suspeita, o pai da adolescente estava na parte inferior de sua casa, e pediu para que a filha guardasse a pistola no andar superior, local onde estava Isabele. “Ela não atirou e em nenhum momento apontou. Foi um disparo acidental quando ela estava guardando a arma. A arma estava na casa porque o pai da adolescente ia testar para ver se compraria. Todas as outras armas são legais”, afirmou. Outras sete armas foram encontradas na casa em que Isabele faleceu.

A melhor amiga de Isabele Guimarães, também de 14 anos, teria disparado a arma e ocasionado a morte da jovem. (Foto: Reprodução/TV Globo)

A investigação

Baseado em depoimentos e imagens de circuito interno de segurança, o inquérito aponta que o namorado da adolescente carregou a arma sem que ela o visse, guardou a pistola numa case por volta das 21h50, e deixou o local às 21h59. Na sequência, a garota pegou o case fechado na sala e levou até o quarto, como ordenado pelo pai. Segundo a Polícia Civil, a vítima estava no banheiro fumando um cigarro eletrônico, escondida, quando a amiga adentrou o cômodo. As duas então ficaram por volta de 1 minuto e 18 segundos no local. “Nesse intervalo de tempo, acontece um disparo”, concluiu o advogado Wagner Bassi.

Para os oficiais da DEA e da Delegacia Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente (Deddica), a menina teria buscado a arma, apontado para o rosto de Isabele a uma distância entre 20 e 30 centímetros, e atirado. “A adolescente, que é praticante de tiro esportivo, afirmou que, ao guardar as armas, uma delas teria caído e disparado. Segundo laudo, o estojo na verdade, estava em cima da cama e a menor teria ido com a arma carregada até a amiga”, explicou Bassi.

Isabele ao lado da mãe (Foto: Reprodução/TV Globo)

O inquérito diz que a jovem deve responder por ato infracional por homicídio doloso — quando há intenção de matar —, imprudência e imperícia. O namorado dela, de 16 anos, que a princípio seria tratado apenas como testemunha do caso, também vai responder por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo por ter levado as pistolas para a casa da namorada, onde aconteceu o crime. As armas eram do pai do rapaz.

O delegado revelou ainda que o pai do garoto disse em depoimento que não sabia que o filho tinha levado as armas para a casa da jovem, mas mesmo assim ele foi indiciado por omissão de cautela na guarda de arma de fogo, já que teria obrigação de guardar as pistolas em local seguro. O pai da jovem que atirou foi indiciado sob suspeita de homicídio culposo (sem intenção de matar), além de outros três crimes: posse de arma de fogo, por entregar a arma para a filha adolescente e fraude processual. As penas somadas podem totalizar 14 anos de detenção, além de multas.

“Tiro acidental” descartado

Na véspera de um mês da morte de Isabele Guimarães Ramos, foi divulgado o laudo oficial de balística da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec), de Cuiabá. Segundo o G1, o disparo que tirou a vida da jovem de 14 anos não foi realizado sem que o gatilho fosse puxado. Segundo o laudo, assinado pelo perito Reinaldo Hiroshi dos Santos, a arma de fogo utilizada não pode produzir um tiro acidental.

Ao invés disso, a arma – da forma como foi recebida pela perícia – só se mostrou capaz de produzir um tiro ao estar carregada de munição, engatilhada, destravada, e somente dispararia após o acionamento do gatilho. Todavia, o documento atestou que a arma AFQ1 tinha mecanismos incompletos ou deficientes, e contava com diversas modificações.

De acordo com o portal, a perícia fez alguns testes para verificar se a versão da jovem – sobre o suposto “acidente” – seria possível. Para isso, inseriram um cartucho sem projétil e pólvora na câmera de carregamento da arma. Além disso, a arma AFQ1 foi balançada ao ar livre de diversas maneiras e posições, sendo também impactada contra uma superfície emborrachada. Após a testagem, veio o resultado de que o disparo não poderia ter sido “acidental”.

Entretanto, para a balística, há uma diferença entre “tiro acidental” e “tiro involuntário”. O tiro acidental ocorre quando o mecanismo de disparo – e o gatilho – não são acionados regularmente no momento do disparo. Já o tiro involuntário usa do mecanismo de disparo, mesmo que a ação não tenha sido intencional. Ou seja, existia a possibilidade da arma responsável pela morte de Isabele ter sido disparada involuntariamente – mas não de forma acidental.

Família de suspeita praticava tiro esportivo

Tanto a adolescente que teria feito o disparo, quanto sua família, são praticantes de tiro esportivo. Segundo o policial militar Fernando Raphael, presidente da Federação de Tiro de Mato Grosso (FTMT), a suspeita pela morte de Isabele praticava o tiro há, pelo menos, quatro meses. Os nomes dela e de seu pai aparecem em “squads” (ou grupos) que participavam de competições da organização nos últimos tempos, e eles estavam presentes em aulas.

Desde sua trágica morte, Isabele Guimarães Ramos tem recebido uma série de homenagens. (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Além deles, outros membros da família também participavam desses grupos de tiro, e seriam praticantes ativos do esporte, assim como o namorado da adolescente que teria efetuado o disparo. Apesar da afirmação da FTMT, o advogado da família alega que a jovem amiga de Isabele praticava o esporte há apenas três meses.

Após o trágico episódio, o pai da adolescente suspeita foi preso em flagrante e indiciado pela Polícia Civil por homicídio culposo, posse e porte ilegal de arma, fraude processual e também por ter fornecido a arma para a filha, menor de idade. Sua fiança teve o valor alterado diversas vezes. Ele pagou a quantia final – que não foi revelada pelas autoridades – e foi solto.

Sangue humano identificado nas peças de roupa

Em agosto, a perícia realizada pela Polícia Civil identificou marcas de sangue nas roupas da amiga da adolescente, que é a principal suspeita de ter atirado contra a vítima. Um top cropped que era usado pela jovem suspeita na ocasião foi examinado detalhadamente ao que constataram pequenas marcas de sangue. “Amostras colhidas de uma das manchas pardo-amarronzadas da blusa descrita em ‘A’ (cropped) e de uma porção posterior da barra da saia descrita em ‘C’ apresentaram resultado positivo para a presença de sangue humano”, diz um trecho do laudo que o portal G1 teve acesso.

Pequenas manchas no top foram analisadas, e o resultado identificou que se tratava de sangue humano. Foto: Reprodução.

As peças de roupa foram entregues às autoridades pela mãe do namorado da suspeita. O advogado de defesa da adolescente investigada relatou que a jovem e sua irmã foram para a casa do rapaz, localizada no mesmo condomínio, depois que tudo aconteceu. Lá, a adolescente trocou de roupa e tomou banho, alegando que estava “se sentindo sufocada”.

Peças foram deixadas na casa do namorado da adolescente que atirou em Isabele. (Foto: Reprodução)

Suspeita foi internada e liberada um dia depois

Em 15 de setembro, a acusada de atirar em Isabele se apresentou à Delegacia Especializada do Adolescente (DEA), após a juíza Cristiane Padim, da 2ª Vara da Criança e da Juventude de Mato Grosso, determinar a apreensão da jovem por 45 dias. A decisão foi proferida dias após o Ministério Público Estadual do Mato Grosso (MPE-MT) ter pedido a internação da garota em uma unidade socioeducativa da capital, por ato infracional análogo a homicídio qualificado – crime apontado pelo delegado Wagner Bassi, na conclusão do inquérito.

No entanto, a adolescente conseguiu um habeas corpus para ser liberada depois de cumprir algumas horas de internação na unidade socioeducativa. Segundo o G1, a decisão da Justiça foi tomada após a defesa da mesma alegar que a medida é ilegal. “A decisão, em razão da sua ilegalidade, foi cassada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso em sede de Habeas Corpus Liberatório impetrado pela defesa. A menor responderá em liberdade à acusação que lhe foi imputada”, explicou o advogado da menina.

Sair da versão mobile