Neste domingo (5), o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico e colaborador do “The Guardian” Dom Phillips, desapareceram no Vale do Javari, no Amazonas. Eles se deslocavam de barco pelo rio Itaquaí após visita ao território indígena, que tem sido invadido por caçadores, pescadores e madeireiros. Ontem (6), a Polícia Federal ouviu duas testemunhas, um pescador e um líder comunitário, com quem a dupla teria se reunido nos últimos dias.
O sumiço de Bruno e Phillips foi confirmado em nota assinada pela principal associação indígena do Vale do Javari (Unijava) e pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato. De acordo com o texto, os dois deveriam retornar para a região de Atalaia do Norte, mas fizeram uma parada agendada na comunidade ribeirinha São Rafael. O desaparecimento mobilizou a PF, a Funai, o Ministério Público Federal, a Marinha e o governo do Amazonas, bem como o exército e as polícias Civil e Militar amazonenses.
A Marinha afirmou que conduzirá as atividades de busca por meio do Comando de Operações Navais. Uma equipe de Busca e Salvamento (SAR), subordinada à Capitania Fluvial de Tabatinga, foi direcionada ao local na manhã de ontem (6). O grupo, formado por sete militares, iniciou a procura às 11h40 e utilizou uma lancha para vasculhar os rios Javari, Itaquaí e Ituí, que percorrem o interior do Amazonas. Já na manhã de hoje (7), um helicóptero, duas embarcações e uma moto aquática também foram encaminhados como reforço.
Último contato
Durante a viagem pelo território amazonense, Bruno enviou um último áudio informando sua localização e os planos de retorno, marcados para o dia 6 deste mês. “Eu tô entrando no mato amanhã. Daqui a uns 15 dias ou menos até eu tô por Atalaia do Norte. E chego dia 6”, disse o indigenista, em áudio divulgado pelo podcast “O Assunto”, do g1.
A situação de Pereira e Phillips repercutiu na mídia internacional e chamou a atenção para o desastre que assola o território que abriga a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo. Há anos, indígenas vivem em conflitos ferrenhos com garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais. O local também é afetado pelo tráfico de drogas e armas.
Apesar do perigo, tanto Dom, quanto Bruno estão acostumados a transitar pela região. A dupla foi vista por testemunhas pela última vez na manhã do domingo, enquanto estava a caminho de Atalaia do Norte (AM), local que faz fronteira com o Peru. Durante a viagem, Dom planejava conhecer e colher depoimentos de moradores locais, que sofrem os perigos e ameaças diárias dos garimpeiros e madeireiros, bem como outras atividades ilegais.
Família de repórter desaparecido faz apelo às autoridades brasileiras
Após o desaparecimento de Dom Philips, sua esposa, Alessandra Sampaio, divulgou uma nota à imprensa e fez um apelo desesperado ao governo brasileiro. No texto, ela pediu às autoridades “ações urgentes” a fim de localizar Dom e o servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Confira a íntegra:
“Quero implorar às autoridades brasileiras que busquem meu marido, Dom Phillips, e seu parceiro de expedição, Bruno Pereira, com urgência. No momento em que faço este apelo, eles já estão desaparecidos há mais de 30 horas no Vale do Javari, uma das regiões mais conflagradas da Amazônia. Na floresta, cada segundo conta, cada segundo pode ser vida ou morte. Sabemos que, depois que anoitece, se torna muito difícil se mover, quase impossível encontrar pessoas desaparecidas.
Uma manhã perdida é um dia perdido, um dia perdido é uma noite perdida. Só posso rezar para que Dom e Bruno estejam bem, em algum lugar, impedidos de seguir por algum motivo mecânico, e tudo isso vire apenas mais uma história numa vida repleta delas. Conheço, porém, o momento vivido pela Amazônia e conheço os riscos que Dom sempre denunciou como jornalista. A noite agora se aproxima e Dom está em algum lugar da floresta esperando por ajuda.
Como atravessar essa noite sabendo que Dom está desaparecido? Quero dizer a vocês que Dom Phillips, meu marido, ama o Brasil e ama a Amazônia. Ele poderia viver em qualquer lugar do mundo, mas escolheu viver aqui. Quinze anos atrás, Dom deixou seu país, a Inglaterra, para viver no Brasil. Autoridades brasileiras, nossas famílias estão desesperadas. Por favor, respondam à urgência do momento com ações urgentes. Governo do Brasil, onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira?”
A irmã de Phillips, Sian, também se pronunciou. Em vídeo emocionado, a britânica pediu rapidez nas buscas pelo irmão. “Meu irmão Dom vive no Brasil com a mulher dele, ele ama o país e se preocupa muito com as pessoas lá. Nós sabíamos que é um lugar perigoso, mas o Dom realmente é um jornalista talentoso e estava fazendo pesquisas para um livro quando desapareceu ontem. Nós estamos muito preocupados com ele e pedimos urgência às autoridades brasileiras para que façam tudo (…)”, afirmou. “Se alguém puder ajudar e aumentar os recursos para as buscas, seria ótimo, pois o tempo é crucial. Cada minuto conta”, disse ela, aos prantos.
Sian Phillips appeals for urgency from Brazilian authorities in the search for brother Dom Phillips, journalist missing in the Amazon since Sunday, please keep up the pressure!@FCDOGovUK@trussliz@BrazilEmbassyUK@mhopkinsfco @marcolonghi4dn@fyldeca@jamescleverly pic.twitter.com/5KruRDOKjK
— Paul Sherwood onMastodon as @paulsherwood6@ci.m (@paulsherwood6) June 7, 2022
Histórico de ameaças
Segundo informações da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bruno e Dom iriam visitar a equipe de vigilância indígena que se encontra próxima ao Lago do Jaburu. Pereira é conhecido como um dos indigenistas mais experientes da Fundação Nacional do Índio. Ele atua no órgão desde 2010 e chegou a coordenar o braço regional da Funai de Atalaia do Norte por cinco anos. Desde então, Bruno vinha sofrendo ameaças por combater a exploração ilegal e a invasão de terras indígenas.
Dom Phillips, por sua vez, é um jornalista colaborador do veículo britânico The Guardian, que se mudou para o Brasil em 2007 e mora em Salvador. Atualmente, o escritor trabalha em um livro sobre meio ambiente com o apoio da Fundação Alicia Patterson.