Dez anos após balear e esquartejar o marido, Elize Matsunaga criou e pretende publicar um livro autobiográfico, intitulado “Piquenique no Inferno”. A criminosa, que escreveu de próprio punho sua história de vida antes, durante e depois da condenação pela morte de Marcos Matsunaga, herdeiro da Yoki, deseja usar o livro para pedir perdão à filha, que está impedida de ver desde 2012.
Segundo informações do g1, que teve acesso a trechos da obra, Elize planejou contar sua versão do crime, na qual alega que matou e esquartejou sozinha o então marido para se proteger das ofensas e agressões dele. Seu intuito é que a pequena, hoje com 11 anos e sob cuidado dos avós paternos por decisão da Justiça, leia o livro quando estiver adulta, para entender a versão da mãe de tudo o que aconteceu.
De acordo com o portal, Matsunaga detalhou a infância humilde e relatou episódios como vítima de violência sexual na adolescência e doméstica após o casamento. O manuscrito foi feito em um caderno com um desenho de crianças na frente de uma escola e recordou a versão do crime de Elize já conhecida pela polícia e pela Justiça. Na época, as informações foram usadas durante seu julgamento pelos advogados da mulher, como uma tentativa de sensibilizar os jurados.
Em um dos trechos mais fortes das 178 páginas obtidas pelo g1, a bacharel em Direito compartilhou ter sido estuprada pelo padrasto quando tinha 15 anos. “Quando a penetrava, Elize sentia uma dor cortante com a sensação quente de seu sangue e a reação inútil de seu corpo. Cedeu sua virgindade à violência”, escreveu ela.
Ao longo da autobiografia, Elize refletiu sobre a vida na prisão e a impossibilidade de ver a filha. “Seria assim o inferno? Ou seria pior, como a visão dantesca?”, questionou Matsunaga. Além dos relatos detalhados do crime, Elize incluiu uma carta endereçada à pequena: “Minha amada [filha], não sei quando você lerá essa carta ou se um dia isso irá acontecer. Sei o quão complicada é nossa história, mas o que eu escrevo aqui não se apagará tão fácil”.
Em alguns momentos, ela usa a primeira pessoa para contar sua versão dos fatos, enquanto em outros, prefere agir como narradora à parte da história. Elize explicou, ainda, porque escolheu usar uma caneta vermelha para eternizar tudo o que passou. “Só uma vida escrita em vermelho, sangue e vinho”, afirmou.
O crime
Marcos Matsunaga foi baleado na cabeça com uma das 34 armas que ele e Elize possuíam em sua residência. Quatro delas eram da mulher, incluindo a arma do crime, enquanto as demais pertenciam à vítima. Na época do ocorrido, Elize alegou ter atirado em Marcos para se defender, já que os dois haviam discutido e ele a agredido com um tapa no rosto após descobrir que a esposa havia contratado um detetive particular para segui-lo.
O profissional espionou uma das traições do empresário e o filmou com uma garota de programa, sua amante. Elize alegou que o herdeiro da Yoki, que foi seu cliente na época em que ela se prostituía, gritou que tiraria a guarda da filha dela e a mataria. A loira disse ter ficado acuada e pensativa ao relembrar a violência doméstica que teria sofrido no passado. Ela acabou por atirar contra o milionário.
Na obra, a criminosa detalhou o que Marcos teria dito para ela minutos antes da tragédia. “Atira, sua fraca! Atira! Sua vagabunda! Atira ou some daqui com sua família de bosta e deixa minha filha. Você nunca mais irá vê-la. Acha que algum juiz dará a guarda a uma puta?”, recordou. “A cabeça de Elize parecia um torvelinho. Um caos. Um turbilhão de palavras e sentimentos, entre eles o medo, tão perigoso… Foi então que o dedo no gatilho fez seu trabalho…”, acrescentou.
Após o disparo, Elize então cortou o corpo do marido em seis partes (cabeça, braços, tronco e pernas) e colocou o cadáver esquartejado em malas. Depois, a criminosa foi de carro até Cotia, na região metropolitana de São Paulo, onde desovou as malas no meio do mato. Os restos mortais de Marcos foram encontrados em 27 de maio de 2012 pela polícia. Elize foi presa dias depois e, na sequência, confessou o crime.
Desejo de reencontrar a filha
Nos trechos do livro, fica claro o desejo de Elize de se reunir com a filha pequena, que tinha apenas um ano quando tudo aconteceu. Ela revelou que a bebê dormia, sozinha, no andar superior no apartamento do casal, na Zona Oeste de São Paulo, na noite do crime e que não ouviu e nem viu nada. Desde agosto de 2012, a guarda provisória da garota está com os avós paternos, que proíbem o contato da criança com a mãe. “Espero muito ansiosamente que um dia você me perdoe. Não pretendo justificar o injustificável”, escreveu Elize. “Não há a menor possibilidade de desistir de lutar por ti, minha filha”, acrescentou.
De acordo com a lei, presos têm direito a receber visitas de seus filhos menores, sob supervisão, desde que os crimes que cometeram não tenham sido praticados contra eles ou traumatizado as crianças. Elize, no entanto, não tem qualquer contato com a filha, já que a família de Marcos negou até mesmo um pedido dos advogados da detenta para que a cliente pudesse ver fotos atuais da criança.
Segundo os representantes legais dos avós paternos, isso colocaria a menina em risco, já que Elize poderia ir atrás dela depois de descobrir a aparência da garota atualmente. Enquanto isso, Juliana e Luciano Santoro, que defendem Elize, buscam acordos judiciais para que ela possa ter contato com a filha algum dia. A advogada Patrícia Kaddissi, que defende os interesses dos avós paternos, não quis se pronunciar sobre o assunto.
Segundo o veículo, os advogados dos pais de Marcos entraram com duas ações na Justiça contra Elize envolvendo a filha do casal. Por tratarem de uma criança, os processos estão em segredo: um deles tramita na Vara da Infância e Juventude e requer a destituição do poder familiar de Elize sobre a filha, enquanto o outro, que está na Vara da Família, solicita a alteração do nome da menina em seu registro civil.
Para Elize, a destituição do poder familiar sobre a filha significa deixar de ser mãe da criança. O nome da criminosa seria apagado da certidão de nascimento da menina e seus direitos e deveres sobre a garota (como participar da educação dela, receber visitas etc) seriam extintos. No entanto, o nome de Marcos como pai seria mantido. Já o processo que pede a alteração do registro civil requer, ainda, a retirada dos sobrenomes maternos (Araújo Giacomini) e de um sobrenome paterno (Kitano) da certidão de nascimento da filha do ex-casal. A pequena ficaria apenas com o “Matsunaga” após o primeiro nome.
Os advogados da família alegam que tanto os sobrenomes de Elize, quanto o Kitano, são associados ao assassinato de Marcos e que os avós temem que isso venha a traumatizar a menina, que seria vítima de bullying. Até então, esses processos não foram julgados.
Os dois lados da moeda
As versões de Elize e da Justiça do crime diferem. Enquanto para a Justiça, o crime teria motivação financeira, para os advogados de Matsunaga, a cliente agiu em legítima defesa. “[Marcos] passou a cometer uma série de abusos emocionais, taxando Elize de louca, humilhando e trabalhando com muita dominação sobre ela, que enfim, culminou com esse desastre, com essa tragédia, até por que essa casa tinha muitas armas”, afirmou Juliana Santoro, ao g1.
“Naquele contexto de sofrimento e violência psicológica que ela sofria, qualquer pessoa que estivesse naquele mesmo cenário cometeria aquele crime. Extremo abuso, de humilhação, de traição… essas circunstâncias levaram a esse crime. Agressões eram contínuas”, declarou a advogada.
Luciano Santoro, que foi professor de Elize na faculdade de Direito, também defende a versão. “Toda história tem dois lados. É preciso compreender o outro lado e entender o contexto como um todo”, disse o advogado. “Ela (Elize) agiu sob violenta emoção. Ela praticou o ato após uma injusta ação da vítima”, completou. No entanto, para o Ministério Público, o crime não foi passional. Segundo o MP, a criminosa queria ficar com o seguro de vida que Marcos tinha feito no nome dela, avaliado em cerca de R$ 600 mil.
No livro, a bacharel em Direito demonstrou certo arrependimento pelo crime. “Com sua vida forjada em violência, decepções, amor, alegrias e esperanças, os altos e baixos nunca foram tão evidentes”, narrou Elize. “Peço perdão, de coração aberto, por todas as brigas, as palavras ríspidas e pela infelicidade do convite que fiz à morte”, escreveu ela, dirigindo-se a Marcos.
Planos para o futuro
O passado não foi o único assunto abordado por Elize em sua autobiografia. Matsunaga, que em 2017 teve sua pena reduzida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 19 anos para 16 anos e três meses em regime semiaberto, contou que pretende, de fato, ter uma “nova vida” após a sentença. Após conseguir a progressão de regime, Elize cumpre sua pena na penitenciária feminina de Tremembé, no interior paulista e optou por trabalhar dentro da prisão. Ela dedica seus dias à costura, ganha um salário e pode sair em todos os feriados, tendo de retornar depois ao presídio.
Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), a criminosa será solta em 20 de janeiro de 2028 e, depois disso, pretende abrir sua própria empresa para costurar roupas para pets. “E como o fim é sempre um novo começo, me atrevo a dizer que não termino minha vida na prisão”, escreveu Elize. Em seu livro, ela relatou que recebe centenas de cartas de vários estados, de pessoas que se sensibilizaram com sua história, incluindo de admiradores apaixonados.
Ela chegou até mesmo a receber recados com pedidos de casamento. Segundo Luciano Santoro, a autobiografia deve ser publicada após o fim da pena de Matsunaga. “Elize tem algumas opções de publicação e pretende assinar com a editora após ser colocada em liberdade”, declarou.
O advogado pediu à Justiça o livramento condicional da bacharel para cumprir o restante da pena fora da prisão, em sua casa. No entanto, o juiz determinou que Elize deve passar por um exame criminológico, que determinará se ela tem condições de receber a liberdade condicional. A expectativa dos advogados é de que isso ocorra até o fim deste ano, mas o teste ainda não foi realizado.