Irmã de mulher encarcerada com os filhos por 17 anos buscava paradeiro dela: ‘Achei que estava morta’

A parente revelou como o homem aprisionou a família e como descobriu o caso

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Após o resgate de Edna, a mulher que viveu 17 anos em cárcere privado com os filhos, a irmã dela contou como foi reencontrá-la. “Vinte anos de saudade e muita apreensão”, disse ao RJ2, nesta sexta-feira (29). A mulher, que prefere não ser identificada, relatou também como Edna e os filhos foram aprisionados por Luiz Antonio Santos Silva, em Guaratiba, no Rio de Janeiro. O homem foi preso e eles foram libertados na quinta (28).

Ela disse que foi separada de Edna pelo cunhado, que já era muito agressivo no início do casamento. A moça também contou que ele havia sido preso por maltratar a família. “Convivi com ela até as crianças nascerem. Depois, ele começou a prender ela, não deixava sair, não deixava a gente ver ela. A gente falou que ia denunciar e ele foi embora, sumiu”, lamentou.

Apesar do tempo, a irmã de Edna nunca deixou de procurar, e soube o paradeiro da irmã no início da semana, por meio de buscas nas redes sociais e de uma vizinha. “Achei que ela tinha morrido, sei lá, do jeito que ele era agressivo, que ele tinha matado, não sei. Fiquei apavorada quando vi na reportagem. Até então, não sabia”, explicou. “Depois que vi, vi que o caso é bem mais grave do que eu imaginei”, afirmou ela, que já fez uma chamada de vídeo com a irmã e deve encontrar Edna em breve. Assista: 

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“Ela está muito magrinha, irreconhecível. Mas me deu um tchau, jogou beijo. Agora só quero dar um abraço nela, vou beijar ela. Ela tá precisando de muito carinho agora”, disse. Ainda internada, na sexta-feira (29), Edna prestou depoimento no hospital sobre os maus-tratos sofridos por ela e seus filhos e afirmou que deseja representar criminalmente contra o marido. Ela pediu ainda medida protetiva para toda a família.

Os filhos, uma mulher de 22 anos, e um jovem de 19, seguem recebendo cuidados médicos. Eles chamaram atenção pelo estado de desnutrição extrema e, apesar da idade, aparentarem crianças de 10 anos. Edna revelou que os três sofriam violência física e psicológica de forma permanente e que eles chegavam a ficar três dias sem comer.

Hospitall
Jovem no colo da mãe, que parece uma criança, tem 22 anos. (Foto: Reprodução/g1)

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Edna não via a luz do dia há 17 anos

Edna contou em depoimento à Polícia Civil que tentou se separar do marido várias vezes. Contudo, de acordo com a vítima, ela era coagida e ouvia ameaças de Luiz Antônio Santos Silva, preso como suspeito do crime. Segundo William Oliveira, capitão do 27º Batalhão da Polícia Militar, a mulher não via a luz do sol há quase vinte anos. “Você tem que ficar comigo até o fim, se você for embora só sai daqui morta”, teria dito Luiz, com quem a mulher se relacionava há 23 anos.

“Ela disse que não via a luz do dia havia 17 anos, era a primeira vez nesse tempo todo, dizia sentir dor pela luz do sol. Nós oferecemos água, perguntei se ela tinha comido alguma coisa e se queria comer, ela disse que não”, expôs William Oliveira. “Ela dizia ‘não, não, não, eu não posso comer, ele não deixa a gente comer sem autorização dele'”, completou.

Vítimas
Vítimas estavam em estado de desnutrição grave. (Foto: Reprodução/g1)

O capitão explicou que assegurou à mulher que o homem já estava preso e que eles poderiam se alimentar sem problemas. “Ainda assim, ela insistiu e não comeu nada”, lamentou. De acordo com o agente, a casa em que a família era mantida presa não tinha circulação de ar. As janelas ficavam sempre fechadas com cadeado e tapumes de madeira. “Os dois jovens estavam agitados. Balbuciavam e se debatiam muito. A situação foge da realidade. Difícil de compreender. Havia até fezes no local. Inicialmente, pensávamos que eram crianças, tal era o nível de desnutrição da moça e do rapaz”, descreveu William. O capitão afirmou que os dois não falavam.

Oliveira relatou que o suspeito alegou aos policiais que não tinha feito nada de errado. “Ele nos disse que os filhos eram doentes mentais e precisavam estar presos. O ambiente da casa é um horror. A gente que já pensa que viu de tudo nessa vida, nunca imagina que haja algo tão assustador!”, declarou o capitão.

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A vítima contou que desde o início do relacionamento foi impedida de trabalhar e estudar. Após a prisão do homem, os vizinhos relataram que tinham tentado pedir ajuda ao poder público, mas, sem nenhuma resposta, passaram a alimentar a mãe e seus dois filhos escondidos. Às vezes, Luiz barrava as ajudas. “Chorei quando vi a [a jovem de 22 anos] saindo [da casa]. Você olhava e dava uns 8 anos para ela”, explicou uma vizinha que não quis ser identificada.

Entenda o caso

Luiz Antônio Santos Silva foi preso acusado de manter a mulher e dois filhos em cárcere privado por 17 anos, nesta quinta (28), em Guaratiba, no Rio de Janeiro. Segundo a Polícia Militar, o homem conhecido como DJ, tinha esse apelido devido a um motivo macabro.

O “DJ” era famoso na vizinhança da rua em que morava por colocar o som muito alto. As músicas tinham o objetivo de esconder algo terrível: os possíveis gritos de socorro da família. “Aqui é difícil ouvir alguma coisa porque as crianças gritavam e ele botava o som bem alto. Tanto é que chamavam ele de DJ”, contou uma vizinha ao RJ2.

Familia
Homem mantinha esposa e filhos em condições deploráveis. (Foto: Divulgação)

“Ele tinha uma aparelhagem de som muito grande aí dentro. Tipo assim, parece que para abafar a situação que estava acontecendo”, disse outra testemunha. Os vizinhos contam que também ouviam choros vindos da casa e gente pedindo comida. “Ele mantinha ela e as duas ‘crianças’ em cárcere privado e é até emocionante estar falando. Vimos o estado que as duas ‘crianças’ saíram daqui e, mais uma semana, acho que não iriam mais sobreviver”, lamentou a vizinha Marizete Dias.

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Mulher e jovens estavam desnutridos e desidratados. (Foto: Reprodução/g1)

A mãe e os filhos viviam em condições sub-humanas, estavam em quadro de desidratação grave, amarrados e sem higiene. Após uma denúncia anônima, policiais militares foram até a casa checar a informação, mas tiveram que remover as vítimas para o Hospital Rocha Faria para que elas se restabelecessem. Assista:

“A situação era estarrecedora”, disse o policial que prestou socorro. A Secretaria Municipal de Saúde declarou que eles estão recebendo todos os cuidados clínicos necessários, além do acompanhamento dos serviços social e de saúde mental. Moradores revelaram que outras denúncias foram feitas ao posto de saúde do bairro e ao Conselho Tutelar, mas que de nada adiantou.

O Conselho Tutelar de Guaratiba argumentou que acompanha o caso há dois anos, que chamou o Ministério Público e a polícia, contudo, nenhuma ação tinha sido feita até então. A 43ª DP e a Delegacia da Mulher de Campo Grande vão investigar o caso. Luiz Antônio Santos Silva vai responder por sequestro ou cárcere privado; vias de fato; maus-tratos e crime de tortura.

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