Hugo Gloss

Livre de escravidão, Madalena Gordiano detalha anos de exploração e revela que não sabia de dinheiro da pensão: “Eu não podia falar nada”

Madalena Gordiano teve a sua história conhecida publicamente após o “Fantástico” revelar que a mulher foi resgatada em condições análogas à escravidão em Patos de Minas (MG). Agora, em entrevista publicada nesta terça-feira (12) pelo UOL, ela comentou sobre o período que viveu sob o controle da família Milagres Rigueira — foram 38 anos de exploração. Madalena também falou de sua pensão, que financiou curso de medicina e bancou as despesas pessoais da família, dos traumas acumulados e do que espera para o futuro, agora que pode viver sua vida em liberdade.

Na conversa conduzida pelos jornalistas Leonardo Sakamoto e Thiago Rabelo, Madalena relatou como era sua rotina na época: “Eu levantava cedo, passava um monte de roupa, depois fazia café, arrumava a casa e limpava banheiro. Eu ficava até de noite arrumando as coisas, até a hora de deitar. Não parava um minuto. Minhas costas até doíam. Dói ainda. Tudo era eu. […] Eu já acordava e começava a trabalhar e ficava acordada até oito da noite. Eu ficava um bagaço”.

Madalena tinha apenas 8 anos quando começou a morar com a família Milagres Rigueira. (Foto: Reprodução/TV Globo)

E apesar disso, ela não podia fazer nada para mudar sua situação. “Minha cabeça estava explodindo querendo falar com alguém que me ajudasse e resolvesse esse problema para mim. E trabalhando… Trabalhando, sabe? Igual escrava. Trabalhava e eles [família Milagres Rigueira] falando que nada estava bom. Arrumava e nada estava bom. Dava uma raiva. Isso não estava certo”, desabafou.

Muito desse silêncio era por medo dos “chefes”, principalmente de Valdirene, a quem Gordiano faz os piores relatos. “Eu não podia falar nada. Tinha de chegar caladinha, sem falar nada. Minha patroa dizia que eu ia para a igreja só para fofocar. Falava desse jeito! Minha patroa, mulher mais chata do mundo. Nossa! Aborrecida!”, desabafou.

“Eu pedia a Deus para me dar uma luz, um lugar para eu sair, pedia distância desse povo. Eu não aguentava mais. Eu pedia muito. Falei até com o padre ‘padre, o que eu faço? Todo dia a mulher [Valdirene] está nervosa, o homem [Dalton] está nervoso’. O padre disse para eu entrar no quarto, rezar uma Ave Maria, um Pai Nosso e deixar para lá que isso vai acalmar. Mas era todo dia. Eu não ia aguentar. Mas minha casa era a igreja”, declarou.

Mesmo livre depois de tantos anos de exploração, Madalena ainda teme seus antigos patrões — que a mantiveram sob regime análogo à escravidão, sem remuneração, férias ou qualquer direito trabalhista. “Eu choro muito. Nossa! Medo dos homens me seguirem, de sair, medo de morar sozinha. É difícil. Tenho medo de eles mandarem alguém para me perseguir. É medo”, explicou.

O professor Dalton Milagres Rigueira, sua mãe, Maria das Graças Rigueira, e a esposa dele, Valdirene Rigueira, serão investigados pelo caso. (Foto: Reprodução/TV Globo

Madalena não sabia da pensão

Madalena se casou em 2001 com Marino Lopes da Costa, tio da esposa de Dalton César Milagres Rigueira. No entanto, Gordiano nunca morou com o marido, que morreu em 2003, aos 80 anos. Desde então, ela tem direito a duas pensões que totalizam o valor bruto de R$ 8,4 mil. Porém, a mulher também nunca chegou a administrar o dinheiro.

O casamento teria sido planejado para que o montante da pensão pudesse pagar a faculdade de Vanessa Maria Milagres Rigueira, formada em 2007 pela Faculdade de Medicina de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Em relação a isso, Madalena admitiu não ter conhecimento desse dinheiro. “Não sabia não, não sabia mesmo. Sabia que eles [família Milagres Rigueira] faziam na cara dura, que estava acontecendo alguma coisa, mas eu não podia falar nada. Eu não morei com ele [Marino], não. Só casei mesmo. Casei por casar. Ele era idoso, não aguentava andar. Eu não cheguei a morar com ele, não”.

O que ela espera para o futuro

Atualmente, Madalena está em Uberaba (MG), desde quando foi retirada da casa de Dalton. Ela foi inserida em um programa de ressocialização feito pela Clínica de Enfrentamento ao Trabalho Escravo da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mas o seu futuro, ainda é uma incógnita. “Eu ainda não escolhi a cidade. Mas sabe onde quero morar? Rio Grande do Sul, Uberlândia, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Florianópolis”, brincou ela.

Gordiano diz que o seu principal objetivo agora é ter um novo lar: “Eu quero ter o meu lugar. É hora de arrumar o meu lugar. Eu quase não tenho sonho de nada. Eu não sonho com muita coisa, não. Só mudança de casa. Eu não sonho mais. Não sonho nem com minha mãe e com meu pai”.

Assista a entrevista na íntegra:

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