Investigação aponta que família usou pensão de R$ 8 mil de mulher escravizada e chegou a pagar curso de medicina com o dinheiro

No mês passado, o “Fantástico” revelou a história de Madalena Gordiano, uma mulher negra que foi resgatada em condições análogas à escravidão em Patos de Minas (MG), após 38 anos com a família Milagres Rigueira. Segundo o Uol, a pensão recebida por Madalena financiou o curso de medicina e bancou as despesas pessoais da família Milagres Rigueira durante 17 anos.

Madalena se casou em 2001 com Marino Lopes da Costa, tio da esposa de Dalton César Milagres Rigueira. No entanto, Gordiano nunca morou com o marido, que morreu em 2003, aos 80 anos. Desde então, ela tem direito a duas pensões que totalizam o valor bruto de R$ 8,4 mil. Porém, a mulher também nunca chegou a administrar o dinheiro.

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Ainda de acordo com a reportagem, Maria das Graças — mãe de Dalton —  estava ciente da saúde debilitada de Marino por conta da idade. Por isso, teria organizado o casamento de Madalena para que o dinheiro da pensão pudesse pagar a faculdade da filha Vanessa Maria Milagres Rigueira, formada em 2007 pela Faculdade de Medicina de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Após isso, Dalton passou a administrar o dinheiro de Madalena, quando Vanessa estava praticamente formada. O professor se mudou ao receber uma proposta para dar aula em uma universidade de Patos de Minas (MG) em dezembro de 2006.

O professor Dalton Milagres Rigueira, sua mãe, Maria das Graças Rigueira, e a esposa dele, Valdirene Rigueira, serão investigados pelo caso. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Sem a pensão de Madalena, a renda da família é incompatível

Dalton declarou ter uma renda de R$ 10 mil como professor universitário e mais R$ 1,3 mil do aluguel de dois imóveis, em depoimento dado ao Ministério Público do Trabalho, obtido pelo Uol. A publicação também apurou que o professor ainda fez dois empréstimos consignados no nome de Madalena, com dívida restante de R$ 18,5 mil no Banco do Brasil. 

De acordo com o MPT, sem a pensão de Madalena, a renda da família é incompatível para quem tem um imóvel de quatro quartos financiado na área mais nobre de Patos de Minas, com parcelas de R$ 1,7 mil, e paga faculdade para duas filhas — uma delas estudante de medicina em Uberaba, com mensalidade de R$ 6,8 mil. O professor, por sua vez, se defendeu das acusações e disse que a irmã Vanessa ajuda a pagar a mensalidade de sua filha Raíssa.

Família tinha padrão de vida alto

De acordo com colegas de sala, Raíssa era frequentemente vista nos melhores restaurantes da cidade e gostava de mostrar o padrão de vida nas redes sociais. Em São Miguel do Anta (MG), a família Milagres é vista como uma das mais tradicionais.

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No entanto, a família de Dalton recorreu ao auxílio emergencial e teve três pedidos aceitos pelo governo federal, mesmo com uma renda superior a R$ 11 mil. Valdirene e as filhas Bianca e Raíssa receberam cinco parcelas de R$ 600 e uma de R$ 300, totalizando R$ 3,3 mil para cada uma. O benefício dado contraria aos princípios do programa social, que não prevê liberação a quem tenha renda familiar superior a três salários mínimos (R$ 3,135 mil).

O caso continua sendo investigado. O advogado da defesa disse em nota que ainda não teve acesso aos autos do processo e que os familiares estão bastante abalados: “Preferem se manter em silêncio”.

Entenda o caso de Madalena Gordiano

Madalena Gordiano, de 46 anos, foi resgatada por auditores fiscais do trabalho em um apartamento em Pato de Minas (MG), no último dia 27 de novembro. De acordo com o auditor do Ministério Público do Trabalho, Humberto Monteiro Camasmie, ela não tinha registro em carteira, descanso semanal remunerado, não tinha a garantia de um salário mínimo, férias, além de viver num cômodo desconfortável da casa. “Era um apartamento bem pequeno, deve ter 3 metros de comprimento por 2 de largura. Não havia janelas, nenhuma ventilação. Era um quartinho bem abafado”, disse ele.

Madalena tinha apenas 8 anos quando começou a morar com a família Milagres Rigueira. (Foto: Reprodução/TV Globo)

A história teve início quando Madalena tinha 8 anos, e bateu na porta de Maria das Graças Milagres Rigueira em busca de comida. “Fui lá pedir um pão pra comer, que eu tava com fome, não tinha nem um pão na minha casa, aí ela falou: ‘Não, você vai morar comigo’”, relatou a vítima. Com isso, a mãe da então garotinha aceitou a proposta, visto que tinha dificuldade para criar todos os filhos. Mas a adoção de Madalena nunca foi formalizada.

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Porém, assim que chegou na família Milagres Rigueira, ela diz ter sido tirada da escola, e teve de ajudar nos afazeres domésticos, sem poder brincar. “Não tinha nem uma boneca”, mencionou. Após 24 anos de trabalho, Madalena foi rejeitada pelo marido de Maria das Graças. “Brigava muito, nervoso. Ele era nervoso, a idade”, relatou. Então, ela foi “dada” ao filho do casal, Dalton César Milagres Rigueira, professor universitário da UNIPAM. Mas as coisas também não foram fáceis por lá…

Madalena passou a enviar bilhetes pedindo ajuda financeira aos vizinhos. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Segundo as investigações, Gordiano trabalhava de domingo a domingo sem receber um salário, e começava a trabalhar antes do amanhecer. Um dos vizinhos, que optou por manter o anonimato, também já havia notado o tratamento dado à Madalena. “Ela acordava às 4h da manhã pra poder passar roupa. Ninguém deles podia ver ela conversando com alguém do prédio. Você via que ela ficava com medo quando eles chegavam”, afirmou. Foi só quando ela passou a mandar bilhetes aos vizinhos pedindo dinheiro para comprar itens de higiene pessoal que a história começou a vir à tona.

Assista à reportagem na íntegra, confira os depoimentos dessa história revoltante e saiba todos os detalhes, clicando aqui.