No último fim de semana, a lenda da ginástica Daiane dos Santos concedeu uma entrevista à Marie Claire, na qual se manifestou sobre o polêmico caso de racismo envolvendo os ginastas Arthur Nory e Ângelo Assumpção. No papo com o veículo, a medalhista ainda revelou ter sofrido episódios racistas dentro da Seleção Brasileira de Ginástica Artística.
Ao longo das últimas semanas, a participação de Nory nas Olimpíadas de Tóquio trouxe à tona, mais uma vez, os vídeos de 2015, nos quais o campeão mundial da barra fixa em 2019 e medalhista de bronze do solo na Rio-2016 fez piadas racistas perto do ex-colega negro do esporte, Ângelo.
Ao ser questionada pela revista sobre o ocorrido e como isso teria prejudicado Assumpção, Daiana pontuou: “Não tenho falado muito sobre essa questão do Ângelo e do Nory. Eu conheço os dois desde que eles tinham oito anos e tem muita coisa atrás dessa história que as pessoas não sabem. Então, se eu não vou ajudar, não vou atrapalhar”.
Apesar de relutante em se posicionar, a agora comentarista de ginástica artística fez revelações surpreendentes sobre o antigo relacionamento entre os dois ginastas. “Eu já conversei muito com os dois (Nory e Assumpção). Muita gente não sabe, mas eles eram melhores amigos e, antes do ocorrido, já tinha acontecido muita coisa. O Ângelo não treina já há um tempo”, disse ela.
Na sequência, Daiane destacou que não acredita haver alguém certo ou errado na situação. “Também tem todo o sigilo do processo, então resolvi não me meter, porque é uma história em que não tem ninguém certo. Muitas pessoas negras vieram me cobrar, para eu me posicionar. Mas tem muitas questões ali. A gente ainda vai entender onde houve o erro de cada um na situação”, pontuou. “Tudo o que a gente faz, como pessoa negra, nunca é só para a gente. E se eu for me posicionar, eu quero ter certeza de que isso vai ajudar a minha causa. Eu conversei com os dois, vi as cenas, a situação foi realmente asquerosa. Não tem nenhuma justificativa que leve a criar uma situação daquelas. Mas outras coisas existem atrás dessa história, e isso as pessoas não sabem”, acrescentou.
Na sequência, Santos pontuou que o episódio com Ângelo não foi algo isolado e que ela, também, foi vítima de comentários e atitudes racistas enquanto ainda estava na Seleção Brasileira. “Acho que não existe uma pessoa preta que não tenha sofrido racismo na vida. O que acontece é que muitas pessoas não entendem o que estão passando, não sabem diagnosticar. No meu caso, sempre foi tudo muito sutil: um olhar diferente, um tratamento diferente. Uma levantada de voz. Várias situações que a gente consegue entender que é sempre a mesma cor que sofre”, lamentou.
Seu desabafo sobre o assunto continuou. “As vezes é pessoal mesmo, com a Daiane, a pessoa pode não gostar de mim. Mas a gente sabe quando é preconceito racial. E é aí que entra a estrutura familiar, de ter alguém ali te dizendo para ficar, para aguentar, porque vai passar e vai dar certo”, contou a ex-ginasta, que então detalhou episódios de seu passado. “Comigo, houve situações na Seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro! Aquele tipo de coisa que nos faz pensar: opa, voltamos à segregação. Banheiros para brancos e banheiros para pessoas de cor. Teve muito isso dentro da Seleção”, revelou. Que absurdo!
“Eu fingia que não ouvia, porque eu sabia que eu não precisava daquelas pessoas para chegar onde eu queria chegar. Quem eu precisava já estava do meu lado. Eu sei que isso parece muito seco, muito duro, e até muito fácil. Mas eu sempre tive isso dentro de mim, é da minha personalidade, vou muito pelo o que eu quero, sou muito teimosa. Teimosa e com a confiança de ter tido uma educação muito consciente em casa”, concluiu a atleta.