Hugo Gloss

Filho de Flávio Migliaccio relembra últimos momentos com o pai em texto emocionante: ‘Pegou um táxi sem nos avisar, sem se despedir’

Filho de Flávio Migliaccio, o jornalista Marcelo Migliaccio publicou nesta terça-feira (5), uma carta aberta sobre a morte do ator. O artista, de 85 anos, foi encontrado morto ontem (4) no seu sítio na cidade de Rio Bonito, Rio de Janeiro.

No texto, Marcelo agradeceu às mensagens de consolo e carinho, que a família tem recebido desde então, e lembrou dos últimos momentos do pai. A carta emocionante também destaca as recentes glórias da incrível carreira do ator e aponta alguns de seus ensinamentos. Ao final, Marcelo confirma que processará o estado do Rio de Janeiro pelo vazamento das fotos do corpo de Flávio, provavelmente através de policiais que atenderam a ocorrência.

Leia abaixo a íntegra da carta:

Eu sabia que o meu pai era muito querido pelo Brasil inteiro. O que eu não fazia ideia era do quanto eu tinha amigos, pessoas que ontem e hoje se preocuparam em me dirigir palavras de consolo, de otimismo e de resignação. Ex-colegas de trabalho, das escolas, da faculdade, do meu bairro e muita gente que sequer conheço pessoalmente. Essa é a melhor parte desse capítulo.

Meu pai fez o que fez à nossa revelia. Pegou um táxi e foi para o sítio enquanto eu cuidava da minha mãe no último domingo. Sem nos avisar, sem se despedir. Ele sempre me dizia que não aguentava mais viver num mundo como esse e sentir seu corpo deteriorar-se rapidamente e irreversivelmente pela idade avançada. Pouco escutava e enxergava. “Daqui para frente só vai piorar”, ele me dizia enquanto eu buscava todos os argumentos possíveis para lhe mostrar que ainda havia muita coisa boa reservada para ele. Como o prêmio de melhor ator de televisão de 2019, que incrivelmente ele ganhou aos 84 anos de idade. Ou como ver no cinema, o documentário sobre sua vida e sua carreira que estamos preparando para breve.

Mas meu pai tinha uma inteligência enorme e era difícil demovê-lo de alguma coisa em que acreditasse. Infelizmente, ele agora é para nós só uma imensa saudade e lembranças maravilhosas. Lembranças de alguém que me ensinou o que é amar um ofício. Alguém que me mostrou a magia da criatividade. Me fez ver que a maior prova de amor que se pode dar a uma pessoa é respeitar suas convicções, suas decisões, seu jeito de ser e de não ser.

Por isso hoje respeito o ato de extrema coragem que meu pai teve na madrugada de ontem, fazendo o que acreditava ser a única coisa a fazer. Tentei impedir de todas as formas, sofro agora, e sofrerei para sempre, por não ter conseguido, mas entendo sua decisão. Agradeço de coração a todos que me enviaram mensagens. Fizeram um bem enorme a mim e a ele, onde quer que ele esteja nos esperando.

PS: Quanto aos policiais militares que fotografaram com celular a cena mórbida no quarto do sítio e colocaram a imagem em redes sociais, o estado do Rio de Janeiro responderá judicialmente por ter pessoas assim a representá-lo.

A triste notícia

O ator Flávio Migliaccio, de 85 anos, foi encontrado morto na manhã desta segunda-feira (04), em seu sítio em Rio Bonito, no Rio de Janeiro. A informação foi confirmada pelo 35º Batalhão de Polícia Militar do estado, que fez um boletim de ocorrência do caso. O “Jornal Hoje”, da TV Globo, teve acesso ao documento, que aponta que a causa da morte teria sido suicídio.

A polícia atendeu a um chamado do caseiro da propriedade, Nelson Soares da Silva, que encontrou o corpo de Migliaccio no quarto do ator, logo pela manhã. De acordo com o colunista Ancelmo Gois, do jornal “O Globo”, Flávio deixou uma carta para os familiares.

Sylvio Guerra, advogado do artista, se pronunciou após descobrir a notícia. “Liguei para o Marcelo Migliaccio, filho de Flávio, que disse que recebeu uma ligação do caseiro dizendo que o Flavio tinha falecido. Ele está na estrada, à caminho do sítio, e ainda não sabe a causa da morte do pai”, informou à revista Quem.

Flávio avisou para a afilhada, Morgana, que iria para Rio Bonito, na semana passada. Migliaccio era muito querido no município e participava ativamente da vida cultural e política da cidade. Agora, o corpo aguarda a investigação da perícia de Araruama para ser liberado.

O último trabalho de Flávio na televisão foi em “Órfãos da Terra”, novela das 18h da TV Globo (Foto: Globo / Selmy Yassuda)

Migliaccio está no ar atualmente na reprise de “Êta Mundo Bom!”, de 2016, na Globo. Seu último trabalho na TV foi em “Órfãos da Terra”, em 2019, como Mamede Aud. Já nos cinemas, Flávio pôde ser visto no ano passado na cinebiografia “Hebe – A Estrela do Brasil” como Maestro Fego. O filme com Andréa Beltrão foi exibido em forma de minissérie no começo do ano na emissora carioca.

O ator ganhou notoriedade na década de 1970, ao interpretar o personagem Xerife na novela “O Primeiro Amor”, seu primeiro trabalho na Rede Globo. A dupla formada com Paulo José na trama fez tanto sucesso que Flávio decidiu dar continuidade às histórias dos personagens num seriado, o “Shazan, Xerife & Cia.”, que contou com 66 episódios entre 1972 e 1974.

Seu Chalita ficou marcado em todos os fãs do ator (Foto: Paulo Belote / Globo)

Migliaccio tinha em seu currículo mais de trinta novelas como “Rainha da Sucata”, “Torre de Babel”, “Senhora do Destino”, “América” e “Passione”. Ele ainda esteve em programas especiais, séries e minisséries, ficando marcado pelo papel icônico de Seu Chalita Al Aragón, em “Tapas & Beijos”, exibida entre 2011 e 2015. Além do filho, Marcelo, Flávio deixa a mulher, Yvonne, e a neta, Marina.

Nota oficial da Rede Globo

Na tarde de segunda-feira, a TV Globo emitiu um comunicado, relembrando outros pontos altos da carreira de Flávio. Confira a nota:

“Com mais de 60 anos de carreira, Flávio Migliaccio deu vida a personagens inesquecíveis que divertiram o público em seriados de humor, como o lendário Seu Chalita de ‘Tapas & Beijos’ (2011) e o Xerife de  ‘Shazan, Xerife e Cia’ (1972), um de seus primeiros sucessos na TV. Encantou e conquistou os telespectadores com tipos diferentes e marcantes nas novelas. Seu último trabalho em folhetim foi como Mamede, em ‘Órfãos da Terra’, trabalho que lhe trouxe o troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), como Melhor Ator de Televisão. Atualmente pode ser visto no ar como o veterinário Josias em ‘Êta Mundo Bom!’, no ‘Vale a Pena Ver de Novo’. Neste ano, o ator participou da série ‘Hebe’, como Fego, o pai da apresentadora na fase adulta. ‘Eu tenho o costume de me apaixonar pelo personagem e querer representá-lo para o resto da vida. Pode ser tanto o herói, quanto o ermitão ou o aposentado’, declarou sobre a sua relação com a arte.

O ator nasceu em 26 de agosto de 1934, no bairro do Brás, São Paulo. Em 1954, fez o curso de teatro do italiano Ruggero Jacobbi. Ao final, foi encaminhado para o grupo amador Teatro Paulista do Estudante. Sua profissionalização se deu com o Teatro de Arena, onde participou de uma série de peças, como ‘A Revolução na América do Sul’, de Augusto Boal; ‘Eles não Usam Black-Tie’, de Gianfrancesco Guarnieri, e ‘Chapetuba Futebol Clube’, de Oduvaldo Vianna Filho.  Fez algumas participações na TV Tupi e atuou em dois longas-metragens de Roberto Santos – ‘O Grande Momento’ (1958) e ‘A Hora e a Vez de Augusto Matraga’ (1965). Em 1962, participou de ‘Cinco Vezes Favela’, atuando e escrevendo. No ano seguinte, estreou como roteirista e diretor em ‘Os Mendigos’.  

A carreira de Flávio Migliaccio na Globo começou em 1972, em ‘O Primeiro Amor’, novela de Walther Negrão, onde viveu Xerife. O sucesso foi tamanho que a emissora criou o seriado ‘Shazan, Xerife & Cia’, que ficou no ar de 1972 a 1974, em que atuou com Paulo José. Foi uma das primeiras vezes na televisão brasileira em que personagens de uma novela ganhavam um programa próprio. A dupla foi reeditada em 1998, em uma participação especial na novela ‘Era uma Vez…’, também de Walther Negrão, que assim homenageou os 25 anos dos personagens. 

Baseado em Xerife, Flávio criou o personagem Tio Maneco, que lhe rendeu alguns longas-metragens produzidos, dirigidos e estrelados por ele. Um dos filmes, ‘As Aventuras de Tio Maneco’, chegou a ser vendido para 31 países e resultou num prêmio em um festival de cinema infantil na Espanha  

Entre os sucessos do ator na TV, destacam-se ainda as participações em ‘Rainha da Sucata’ (1990), de Silvio de Abreu; ‘A Próxima Vítima’ (1995), do mesmo autor; ‘ Caminho das Índias’ (2009), de Glória Perez; e ‘Passione’ (2010), também de Silvio de Abreu. O ator também participou dos principais humorísticos de sucesso da Globo, como ‘Viva O Gordo’ (1981), ‘Chico Anysio Show’ (1982) e Sai de Baixo (1987)”. 

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