Nesta sexta-feira (19), a jornalista Adriana Araújo anunciou que deixou a Record TV após 15 anos de contrato, encerrado hoje. Nos Stories de seu Instagram, ela compartilhou a íntegra de um longo texto de despedida enviado ao seus colegas de emissora. Na carta, Adriana destacou que “lutei por preservar a dignidade profissional da qual não se pode abrir mão”, e que optou por se posicionar ao lado da ciência e da vida “num dos momentos mais dramáticos da humanidade”.
“Fui repórter do começo ao fim desse ciclo, ao persistir na defesa da notícia, da verdade. E quero me lembrar daqui 20 ou 30 anos que, num dos momentos mais dramáticos da humanidade, me posicionei ao lado da ciência e da vida. E lutei por preservar a dignidade profissional da qual não se pode abrir mão. Vou sempre me lembrar de quem caminhou junto comigo nessa jornada. Felizmente todos eles sabem quem são”, pontuou.
Além de agradecer a todos os colegas de trabalho, ela também relembrou os “perrengues” que já passou como repórter: “De dormir de favor em uma barraca de camping de uma equipe de TV do Peru. De comer peixe frito, doado por voluntários chilenos. De usar os piores banheiros químicos que já vi na vida, no meio do deserto do Atacama. De dormir 4 horas por noite para registrar a vitória da vida! 33 mineiros, a 700 metros de profundidade, saíram vivos debaixo da terra. E eu vi! E vibrei muito com as famílias”.
A saída de Adriana Araújo ocorre após rumores sobre sua insatisfação com a linha editorial do “Jornal da Record”, principalmente em relação à cobertura jornalística sobre a Covid-19 no país. De acordo com o site Notícias da TV, logo após a edição do programa no dia 21 de abril de 2020, a jornalista protagonizou uma crise de choro. Coincidentemente, a apresentadora recebeu 30 dias de férias no dia seguinte. Ao voltar do período de descanso, a profissional “continuou travando uma guerra diária nos bastidores para uma cobertura menos chapa-branca”.
Já em junho, a repórter usou suas redes sociais e fez duras críticas pelo atraso e a falta de transparência na divulgação dos dados da pandemia do novo coronavírus no Brasil. “É uma questão de saúde pública saber o que está acontecendo no Brasil agora. É muito importante para todos nós”, disse em um trecho. A profissional ainda ressaltou a importância de saber sobre a gravidade da situação. No mesmo mês, ela acabou deixando a bancada do “Jornal da Record” e assumiu a apresentação do “Repórter Record Investigação” — seu último trabalho na emissora.
Segundo o colunista Mauricio Stycer, do UOL, Adriana disse a amigos o que fará no momento: ela pretende passar alguns meses sem trabalhar, dedicando-se à divulgação do livro “Sou a Mãe Dela” — que narra a jornada contra o preconceito ao lado da filha, Giovanna, que nasceu com uma doença congênita. Nos últimos meses, a jornalista desmentiu que estivesse negociando com a CNN Brasil.
Leia o texto de despedida na íntegra:
“O que levarei comigo
Esse é um texto de despedida e também uma conversa com a minha memória.
Quinze anos de trabalho intenso e, agora que fecho um ciclo, me questiono: do que vou me lembrar? Poderia escrever sobre momentos bons e ruins. Alegrias e dores. Mas hoje quero falar apenas de aprendizado.
Vou me lembrar de sentar na bancada de um telejornal pela primeira vez em 2006, aos 33 anos. E de ser acolhida por um mestre. Valdir Zwetsch, meu primeiro chefe no Jornal da Record, jornalista experiente e humano, que aprovou meu piloto na bancada. Graças a ele acreditei que poderia ser âncora de TV. O cara que tem as minhas piores fotos com bobes no cabelo e a minha eterna gratidão.
Sempre vou me lembrar da parceria com Celso Freitas, elegante e sincero, a quem felizmente tive a oportunidade de agradecer em público muitas vezes.
Vou me lembrar de implicar com o teleprompter porque queria contar as notícias e não ler as notícias. A birra persiste.
Vou me lembrar que recebi a confiança de muitos. Mas não de todos. Algumas vezes ouvi: ‘Mas você era só uma repórter na TV Globo’. E apenas segui em frente pensando… eles ainda desconhecem a força de um repórter.
Vou me lembrar de todos os plantões ao vivo, quando o país para na frente da TV e nosso trabalho se torna essencial. Foram muitos momentos assim: ataques do PCC (2006), queda do avião da Tam (2007), a morte de Michael Jackson (2009), resgate dos chilenos soterrados (2010), terremoto no Japão (2011), casamento real em Londres (2011), os protestos de junho no Brasil (2013), a morte de Eduardo Campos (2014), o rompimento da barragem de Mariana (2015), impeachment da Dilma (2016), queda do avião da Chapecoense (2016), eleição e posse de Donald Trump (2016/2017), Lula preso e Lula solto (2018/2019), greve dos caminhoneiros (2018), o crime da barragem de Brumadinho (2019), a morte dos amigos Marcelo Rezende (2017) e Gugu (2019) e tantos outros.
E não posso falar dos plantões sem agradecer ao Gottino. Um craque que me acompanhou em transmissões de até 10 horas ao vivo, dividindo a responsabilidade de narrar os principais acontecimentos do Brasil e do mundo. Ao lado dele sempre me senti trabalhando com um irmão.
Vou me lembrar que sou uma colecionadora de perrengues.
De dormir de favor em uma barraca de camping de uma equipe de TV do Peru. De comer peixe frito, doado por voluntários chilenos. De usar os piores banheiros químicos que já vi na vida, no meio do deserto do Atacama. De dormir 4 horas por noite para registrar a vitória da vida! 33 mineiros, a 700 metros de profundidade, saíram vivos debaixo da terra. E eu vi! E vibrei muito com as famílias.
Foi quando aprendi que repórter pode sorrir e pode chorar e isso não diminui nosso trabalho, se houver verdade em nossas lágrimas e risos.
No Atacama éramos apenas três: o repórter cinematográfico Humberto Lima, a produtora Rosana Mamani e eu contra um time de futebol da concorrência. Ainda assim conseguimos fazer a melhor cobertura da TV brasileira sobre o resgate. Mesmo sendo muito crítica com o meu trabalho, nesse caso específico, merecemos o autoelogio.
Vou me lembrar de dormir no chão de um saguão de hotel no Japão pra mostrar ao Brasil a terra devastada pelo grande terremoto seguido de um tsunami. De me sentir moída de cansaço pela diferença do fuso. De trabalhar mais de 16 horas para entrar ao vivo em todos os telejornais. De saber que não fizemos a melhor cobertura, nem de longe, mas mostramos tudo que foi possível.
Foi quando aprendi que com organização e respeito se faz uma nação. Nunca esquecerei da imagem dos japoneses em fila, esperando a vez de comprar água e comida, já sabendo do vazamento nuclear de Fukushima. O exemplo deles estará sempre em mim.
Vou me lembrar do frio na barriga a cada cobertura esportiva, de quase desmaiar de euforia após entrevistar Usain Bolt e Michael Phelps ao vivo, nadando fora da zona de conforto e com a ajuda de um time de produtores competentes demais e apaixonados pelo trabalho. Cito apenas uma, a primeira parceira esportiva: Renata Belchior, obrigada por entender que na minha hora cabem mais que 60 minutos. Nossos motores correm no mesmo ritmo.
E por trás da parafernália das transmissões, Otávio Tigues, o cara que pelo olhar sabia o que me afligia: a luz, o retorno de vídeo, o ponto eletrônico. E corria pra resolver. Somos parecidos na obsessão de fazer dar certo. E deu! Em 2016 no Rio, ancoramos uma olimpíada sem estúdio, em cima de um caixote, dentro dos estádios e foi vibrante no ar! Nunca vou esquecer.
Eu já sabia mas ali tive certeza que a notícia sempre vale mais que a maquiagem.
E pra falar dos últimos trabalhos, Laura Ferla, Gilson Fredy e Guilherme Carvalho. Vou me lembrar que um dia uma brasileira pobre, esquecida no interior do Maranhão, precisou do nosso socorro. Maria do Carmo estava falecendo nos nossos braços, às margens da ferrovia Carajás. Vou me lembrar do quanto corremos para tentar salvá-la. Não deu. Mas sei o quão forte era o nosso desejo de outro final para aquela história.
Com essa carta, cometo a injustiça de não citar todas as pessoas a quem devo gratidão e respeito. Mas quero agradecer a todos os produtores, editores de texto e imagem, repórteres, cinegrafistas, auxiliares e motoristas, a toda equipe técnica, iluminadores, operadores de áudio e teleprompter, a turma do videografismo , cabeleireiros e maquiadores, figurinistas e camareiras. A todos que colocaram carinho e responsabilidade na rotina do telejornal que construímos juntos. Sem vocês simplesmente não teria tantas memórias pra contar.
Por fim, quero sempre me lembrar que à Record devo gratidão pelas oportunidades. E também que por 15 anos ofereci exatamente o que prometi: trabalho. Foi assim em todos os momentos: na bancada do JR, como correspondente em Nova York ou Londres, nas coberturas especiais, na apresentação do Domingo Espetacular e, por último, como apresentadora e repórter do RRI.
Sou repórter!
Fui repórter do começo ao fim desse ciclo, ao persistir na defesa da notícia, da verdade. E quero me lembrar daqui 20 ou 30 anos que, num dos momentos mais dramáticos da humanidade, me posicionei ao lado da ciência e da vida. E lutei por preservar a dignidade profissional da qual não se pode abrir mão. Vou sempre me lembrar de quem caminhou junto comigo nessa jornada. Felizmente todos eles sabem quem são.
Vou me lembrar de conexão.
De olhar para a câmera e dizer: ‘Olá, boa noite pra você!’
De desejar informar a cada um, olho no olho. Vou me lembrar das milhares de mensagens de incentivo que recebi dos telespectadores. E de entender o quão importante é criar um laço de empatia com o público, com verdade e humildade”.