No dia 1º deste mês, uma reportagem veiculada pelo ‘Fantástico’, conduzida pelo médico Dráuzio Varella, movimentou as redes ao mostrar a vida de preconceito e abandono de detentas trans alocadas em unidades prisionais masculinas. Uma das histórias mostradas – a de Suzi Oliveira – emocionou telespectadores com destaque para um abraço sensível do profissional – que há décadas atua como voluntário em penitenciárias.
Durante a conversa, Suzi relatou que estava sem receber qualquer visita no local há mais de oito anos. “Muita solidão, não é minha filha?“, reagiu Dráuzio, abraçando a interna. A matéria causou comoção e Suzi chegou a receber 324 cartas e presentes, como livros e chocolates. Um novo fato, entretanto, balançou a opinião pública neste domingo (8): a descoberta do porquê de a transexual estar presa.
Em maio de 2010, Suzi – cujo nome de batismo é Rafael Tadeu de Oliveira Santos – estuprou e matou, por estrangulamento, uma criança de 9 anos. De acordo com o processo contra a presidiária, ela ainda teria deixado o corpo do menino apodrecer em sua sala por 48 horas. A informação é confirmada pela Secretaria da Administração Penitenciária. Nesta terça-feira (10), Drauzio Varela se posicionou sobre o caso – pela segunda vez – e pediu desculpas à família da vítima.
Em um vídeo publicado no Youtube, o profissional contou que só fora saber do crime da detenta, junto ao restante do país neste fim de semana. “Não há o que falar. É um crime que choca a todos nós. […] Posso imaginar a dor e peço desculpas para a família do menino que foi involuntariamente envolvida no caso“, declarou. “Na matéria em questão, o foco era mostrar as condições em que vivem as transexuais presas. As estatísticas oficiais indicam que a imensa maioria delas está presa por roubo e furto. A maneira pela qual a Suzi foi apresentada deu a entender que ela fazia parte desse grupo majoritário. Por isso eu entendo a frustração de quem se decepcionou comigo“, reconheceu Varella, antes de fornecer mais detalhes do seu encontro com a interna.
“Ali aconteceu o seguinte: eu terminei a entrevista, que foi longa, e ela ficou de cabeça baixa no fim quando eu perguntei há quanto tempo ela não recebia visitas. Ela falou ‘sete ou oito anos’. Eu ainda disse pra ela ‘solidão, né, minha filha?’. Nessa hora ela se virou pra mim com um olhar tão triste, que me comoveu e eu dei um abraço nela. Pra quem acha que eu errei, desculpa. Mas esse é meu jeito“, relatou o médico, assumindo em seguida a culpa pela celeuma instaurada.
“Eu lamento, mas assumo totalmente a responsabilidade pela repercussão negativa que o caso teve“, destacou. “Agora, eu gostaria de dizer claramente e sem nenhuma chance de que eu volte atrás no futuro que nunca fui e nem serei candidato a nada. As pessoas que estão explorando politicamente esse episódio podem ficar tranquilas‘, garantiu ele. Assista:
O que diz Suzi
Com a repercussão do caso, Suzi escreveu uma carta de próprio punho e pediu à sua advogada, Bruna Paz Castro, que divulgasse nesta segunda (9). “Eu, Suzi Oliveira, ‘Rafael Tadeu’, venho dizer que na entrevista ao jornal Fantástico não me foi perguntado nada referente ao B.O“, iniciou ela no texto. “Eu sei que errei e muito. Em nenhum momento tentei passar como inocente”, pontuou a interna.
A detenta que, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária, cumpre pena por homicídio triplamente qualificado e estupro de vulnerável (menor de 14 anos), afirma que está sofrendo as consequências do que fez. “Desde aquele dia me arrependi verdadeiramente e hoje eu estou aqui pagando por tudo que eu cometi… Errei sim e estou pagando cada dia, cada hora e cada minuto aqui neste lugar…”, continuou.
Na carta, divulgada através do Instagram da advogada, Suzi lamentou: “Antes eu não tive essa oportunidade, agora eu estou tendo; apenas quero pedir perdão pelo meu erro no passado”. Enquanto isso, Bruna fez questão de reforçar que a justiça já está sendo feita. “Ressalto que não compete o julgamento, pois a mesma já recebeu condenação e já está cumprindo sua pena. Não cabe a mim formar qualquer juízo de valor neste momento”, concluiu. Confira:
O que já disseram Drauzio Varella e o Fantástico
A notícia do crime de Suzi veio à tona na tarde do último domingo (8) e deixou as redes sociais em polvorosa. Poucas horas depois, o próprio Drauzio Varella, divulgou uma nota de esclarecimento. De acordo com o médico, ele não sabia do crime, pois não perguntou nada sobre os delitos às reeducandas retratadas na reportagem. Esse, aliás, é o comportamento padrão de Varella para evitar que um julgamento pessoal possa interferir na execução do seu ofício na medicina.
“Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a medicina, seja no meio consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico“, declarou. “No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem, veiculada pelo Fantástico na semana passada (1º/3), não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas. Sou médico, não juiz“, concluiu.
Esclarecimento do dr. Drauzio sobre a reportagem produzida e veiculada pelo @showdavida, no último domingo, 01 de Março. pic.twitter.com/b02JQ5tW9d
— Portal Drauzio (@drauziovarella) March 8, 2020
No fim daquela noite, o ‘Fantástico’ também se manifestou sobre o caso. “O quadro do Dr. Drauzio Varella foi sobre uma situação que o Estado brasileiro precisa enfrentar: mulheres trans cumprem as penas pelos crimes que cometeram em meio a presos homens, o que gera toda sorte de problemas. O crime das entrevistadas não foi mencionado, porque este não era o objetivo da reportagem. Foi divulgada apenas uma estatística geral sobre eles. O quadro gerou muita empatia no público mas também críticas exatamente por não mencionar os crimes“, pontuou o jornalístico.
“Sobre as críticas, o Dr. Drauzio Varella divulgou a seguinte nota, que o Fantástico apoia integralmente: ‘Cuido da saúde de criminosos condenados há 30 anos. E por razões éticas não busco saber o que de errado fizeram. Sigo Sigo essa atitude para cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. E para não cair na tentação de traí-lo atendendo apenas aqueles que cometeram crimes leves. No quadro do Fantástico, segui os mesmos princípios'”, encerrou.