Os dois primeiros episódios da série “Pacto Brutal” foram lançados nesta quinta-feira (21), trazendo detalhes inéditos sobre a morte da atriz Daniella Perez – crime que chocou o país em 1992. No primeiro capítulo da produção, Glória Perez, mãe da vítima, revelou que chegou a fazer dois telefonemas ao assassino, Guilherme de Pádua. Antes mesmo de ser acusado, o ator já havia levantado suspeitas sobre o crime.
Glória chegou até o artista através de Caco Coelho, diretor assistente da novela “De Corpo e Alma” – na qual Daniella e Guilherme trabalhavam na época. Enquanto a vítima estava desaparecida, sua mãe estranhou as falas do colega de elenco dela. “O Caco me deu o telefone do Guilherme de Pádua. Quem atendeu foi uma mulher. Chamou, ele veio no telefone, e eu expliquei que a Dani não tinha chegado no ensaio, que estávamos todos muito preocupados. Ele disse: ‘Vai ver que ela foi visitar uma amiga’. Falei: ‘Mas como uma amiga? Que amiga? Ela falou pra você que ia visitar uma amiga?’. ‘Não, mas pode ter ido'”, recordou a dramaturga.
A princípio, Glória não entendeu as declarações, mas em meio à angústia, também não desconfiou. “Sabe quando você começa a achar aquela pessoa idiota? Ansiosa que está pra saber uma notícia, tudo o que você quer é bater o telefone e ter alguém que te diga alguma coisa. Aí ele disse: ‘Quando eu saí, ela ficou tirando foto com um grupo de fãs'”, pontuou a novelista.
Mais tarde, quando o carro de Daniella foi encontrado pela polícia, Raul Gazolla, então marido da vítima, ligou para Glória e cogitou que a atriz teria sido sequestrada. Com isso, a escritora foi atrás de Guilherme mais uma vez. “Ligo rapidamente de novo pro Guilherme de Pádua, porque me lembrei do grupo de fãs. Num sequestro, você tem informações sobre pessoas estranhas em volta, era tudo. ‘Guilherme, pelo amor de Deus, aconteceu alguma coisa com a Dani. O carro dela foi encontrado num matagal'”, contou Perez.
Neste momento, a reação de Pádua realmente intrigou a mãe de Daniella. “Ele disse rapidamente: ‘Ela saiu sozinha’. Aquilo me bateu mal, ele não perguntou onde, em que matagal, ele não perguntou nada. Quer dizer, de certa forma, ele me disse ali que tinha algum comprometimento com aquele assunto. Mas eu tava tão perturbada querendo saber, que eu só achei ele atrapalhado. Desliguei o telefone e liguei pra Sandra Regina (coreógrafa, pesquisadora da novela ‘De Corpo e Alma’), pedindo que ela ligasse pra ele, pra ver se conseguia tirar dele alguma informação sobre esse grupo de fãs”, completou Glória.
Choque ao encontrar o corpo
Glória ainda deu um comovente depoimento, descrevendo o doloroso momento em que soube a tragédia que havia acometido sua filha. “Eu entrei numa negação completa. Eu ficava dizendo pro Nilson (Raman, amigo): ‘Mas não é ela, porque ela as pessoas conhecem’. Então, quando dizem “o corpo”, não é ela. Não pode ser ela’… Eu ficava investindo emocionalmente na ideia do sequestro”, lembrou a autora. Mas, pouco depois, quando chegaram ao local em que o corpo estava, a perda da filha se tornava cada vez mais real.
“Quando o carro ia parando, eu vi o tênis. Eu saltei do carro em movimento e saí correndo pra lá. Aí, à medida que você vai correndo, vai subindo a imagem, até você ter a pessoa inteira. Ela tava lá, e em pé, ao pé dela, olhando assim pensativamente pra ela, estava o delegado Cidade. Eu só vi ele. Aí, você tem uma vontade de dizer: ‘Levanta!’. Sabe, você acha que a sua chegada é mágica, que você vai tirar ela dali”, desabafou Perez.
“Daí a minha mão tocou [o corpo]. Esse contato tátil com a morte é horrível, a mão recuou horrorizada, porque aí você sente o que aconteceu. É quando você realiza o que aconteceu, o frio da pessoa. Quando eu fui pegar nela, eu senti uma mão no meu ombro, eu vi que era um guarda. Eu ouvi a voz do delegado Cidade dizendo ‘deixa, ela é a mãe’. E aí, você tem vontade de recolher, de botar no seu ventre de novo, sabe? No ninho outra vez”, disse a escritora.
Ida de Guilherme à delegacia para prestar condolências
Familiares e amigos de Daniella também recordaram como Guilherme chegou a ir até a delegacia, apesar de ser o responsável pelo crime. “O delegado Cidade falou pra mim: ‘Esse tipo de criminoso sempre volta ao local’. Ele realmente voltou. Não no local, mas foi na delegacia, onde estavam a família, os amigos, foi prestar solidariedade”, explicou Perez.
Raul Gazolla narrou como o ator ficou assustado ao ser confrontado com as perguntas sobre o que teria acontecido. “[Perguntei:] ‘Guilherme, Guilherme, o que que houve? Quem eram as pessoas que vocês estavam tirando fotografias, dando autógrafos? ‘Ele foi se afastando pra trás, pondo os bracinhos assim, com os olhos arregalados, ele parou no poste e ele falou: ‘Eram umas crianças, não foram eles’. Aí larguei ele, ele não era meu amigo, nunca tinha sido”, declarou.
Horas depois, com uma série de indícios, a polícia chegou à conclusão de que Guilherme era o principal suspeito. O pai de uma moradora de um condomínio próximo ao local, havia visto dois carros parados na estrada erma, e decidiu anotar as placas. Uma placa era a de Guilherme. O criminoso, inclusive, tinha adulterado uma das letras da placa, sinal claro de premeditação.
“Chegou uma determinada hora, o Cidade mandou me chamar lá dentro. Ele estava com aquela lista de atores [da novela] e ele estava com um lápis assim na mão e ia passando assim: ‘Cristiana Oliveira, Fábio Assunção’, fazendo esse gesto… Aí de repente ele fez: ‘Guilherme de Pádua’ assim (batendo a caneta no nome). Quando ele fez assim, nós tomamos um susto, um choque. Você tá falando e aí de repente você faz assim? Alguma coisa com esse ele teria”, lembrou Glória.
Foi então que a polícia revelou que faria a prisão de Pádua em flagrante. “Não deu tempo de raciocinar ‘foi ele’, porque o delegado, de imediato, falou: ‘Não falem nada, não abram a boca, porque eu só posso entrar na casa dele às 6h da manhã, ninguém vai acreditar que ele fez isso aqui. Ele vai ser avisado, ele vai fugir, escapa do flagrante e não se prende mais. Não falem pra ninguém’. E nós não falamos mesmo”, comentou a autora.
Glória ainda contou como se sentiu ao ouvir que Guilherme queria estar ao seu lado durante o último adeus. “A Marcela chegou e ela disse pra mim: ‘Glória, eu queria ligar pro Guilherme de Pádua, porque ontem, quando ele foi na delegacia cumprimentar a família, ele saiu muito arrasado, ele tá muito sentido, ele falou pra mim que eu posso ligar, que eu ligasse pra ele quando tivesse marcado o enterro e soubesse onde seria o enterro, porque ele fazia questão de estar do seu lado’. Você sabe o que é ouvir um recado desses do lado do seu filho morto? Aí eu fui só cérebro. Eu só ouvia a voz do Cidade dizendo: ‘Se escapar do flagrante, a gente não prende mais’. Aí eu botei a mão na bolsa e dei a ficha de telefone pra ela. Ela foi, ligou e disse: ‘A polícia está lá'”, recordou ela.
O crime aconteceu no mesmo dia da gravação de uma cena emblemática da novela. Na ocasião, a protagonista de Daniella terminava o namoro com o personagem de Pádua. O ator teria se revoltado com uma possível perda dos holofotes. “Eu sei que aquelas punhaladas eram pra mim“, desabafou Glória no documentário.
O caso
Daniella Perez foi morta com 18 perfurações no corpo em 1992, quando saía de uma gravação da novela “De Corpo e Alma”, da Globo. Os autores do crime foram Guilherme de Pádua, que interpretava Bira – seu par romântico – na mesma trama, e sua então esposa, Paula Thomaz. Na época, ele confessou o homicídio e alegou que matou a colega por “acreditar que seu papel estava sendo reduzido, enquanto a jovem ganhava destaque“.
O ator aguardou o julgamento na prisão e foi condenado em 1997. Em 1999, no entanto, recebeu a liberdade condicional após passar sete anos preso. Depois disso, ele abandonou a carreira artística, e hoje vive como pastor evangélico em Belo Horizonte. Paula, por sua vez, foi condenada a 18 anos e seis meses de prisão. Contudo, a cúmplice passou seis anos presa e teve sua pena convertida para o regime semiaberto. Ela mudou o nome de Paula Thomaz para Paula Nogueira Peixoto.
Assista ao trailer da série documental: