Marcius Melhem reuniu mensagens trocadas com Dani Calabresa para que a humorista confirme ou negue, dentro de cinco dias, o conteúdo da reportagem da Piauí – que relata uma série de assédios do ex-diretor contra a atriz. As conversas, divulgadas pela Folha de São Paulo nessa terça (15), fazem parte de uma notificação extrajudicial encaminhada pela defesa do ator à loira. Com isso, Melhem busca provar que entre 2017 e 2019, período citado pela revista, os dois teriam mantido uma relação amigável.
Entre os sete relatos apresentados no documento, está uma mensagem de voz enviada por Calabresa no dia 12 de novembro de 2017 (aniversário da atriz), oito dias após a confraternização em que, segundo a Piauí, ela teria sofrido assédio sexual de Melhem. O áudio foi encaminhado no grupo de WhatsApp do programa “Zorra”.
“Chefe, estou mandando este áudio para agradecer a mensagem linda que você mandou no grupo. Todas as mensagens que você manda sempre de apoio e de carinho. Nossa, você não tem ideia como fico feliz de saber que você me acha talentosa. Eu sou sua fã para c*ralho”, afirmou ela, agradecendo em seguida, pelo que classifica ser um “trabalho tão legal“. “Estou muito feliz, de verdade. Te amo muito. Um beijo para as suas filhinhas lindas. Vamos para a Disney juntos”, acrescentou.
Em nota enviada à Folha, a advogada de Calabresa, Mayra Cotta, se manifestou sobre os áudios e disse que a “interpelação repete estratégia comum a casos similares“: “Objetiva intimidar não apenas uma vítima específica, mas outras que ainda permanecem protegidas sob sigilo e até mesmo testemunhas, como se isso fosse capaz de apagar os graves fatos narrados e cuidadosamente checados com dezenas de pessoas citadas pelas matérias”.
Melhem, por sua vez, negou que a atitude fosse uma iniciativa de coação, e disse estar se defendendo do que chama de “narrativa falsa”, sobre a qual Calabresa ainda não se manifestou. “Estou numa encruzilhada por parte da opinião pública. Se mostro alguma coisa, estou expondo as vítimas. Se vou para a Justiça, estou intimidando a advogada. Me defendo onde?”, argumentou.
“Estou mostrando coisas que expõem a relação amistosa que temos. Não é expor uma suposta vítima. Estou mostrando que eu e a suposta vítima tínhamos uma relação no período que a revista (Piauí) diz que ela estava traumatizada comigo. É só para contrapor uma narrativa falsa”, declarou ainda.
Ainda na notificação, a defesa do ex funcionário da Globo apontou que todas as correspondências posteriores com Dani teriam permanecido “harmoniosas, com a mesma afetuosidade, nos meses e nos anos seguintes à festa“. Como exemplo, foi reproduzido um trecho de uma mensagem que a humorista teria enviado em novembro de 2018, um ano depois do evento em questão.
“Ai, te ‘aminho’, muito, muitas saudades, pena que a gente se encontra pouco, mas eu sinto uma intimidade que, assim, eu posso mandar áudio, eu posso mandar mensagem a qualquer hora”, disse. Em outros momentos, segundo a interpelação, Calabresa se refere a Melhem como “o mais profissional, dedicado, caprichoso ‘workaholiquinho‘” e “ciborguinho“.
Na mesma entrevista, Melhem garantiu que “não forçou Dani a nada naquela noite“, afirmou que só revelará à Justiça, a sua versão dos fatos da tal festa, e adiantou: “As comunicações apontam a existência de uma relação saudável, permeada por afeto e respeito profissional mútuo, que perdurou sem qualquer tipo de desavença até maio de 2019”.
Além disso, o documento evidencia também uma suposta mensagem enviada por Dani em 5 de novembro de 2017, dia seguinte à polêmica celebração, no grupo do “Zorra”. Ela teria cumprimentado os organizadores do evento, e definido a noitada como uma “festa ‘bapho'”.
Ao justificar a decisão de interpelar Calabresa, Melhem reconheceu que a atriz nunca tocou em seu nome, mas frisou que “o modo com que vem se comportando nas redes sociais dá a entender que ela concorda (com as acusações)”. “Preciso saber se ela concorda. Se ela concordar, é totalmente inverídica, aí a gente tem que estudar que medidas tomar”, declarou ele.
Desavença na Globo
Segundo a Folha, integrantes do núcleo de humor da Globo testemunharam a desavença que supostamente teria sido o estopim no caso de Calabresa e Melhem. A briga aconteceu no dia 3 de maio de 2019, durante a leitura do piloto do que viria a ser o programa “Fora de Hora”. Escalada como âncora, a loira contracenaria com Paulo Vieira. O ator, por sua vez, teria ouvido a dupla dizer que preferiria trabalhar com Bento Ribeiro, seu colega no antigo programa “Furo MTV”, na bancada do telejornal.
O projeto – baseado justamente na atração da MTV – era uma sugestão da própria Dani. A ideia dela era fazer uma espécie de remake, com direito, inclusive, ao apresentador original. Marcius, entretanto, bateu o pé e disse que Vieira já era o escolhido para o cargo. Segundo fontes, Dani perguntou, às lágrimas, se ao menos poderia levar autores de sua confiança para o programa. Melhem teria se exaltado, ao dizer que naquele time estavam os melhores redatores do país e destacar o próprio talento como roteirista. O desentendimento precipitou o fim da reunião. Nenhum acordo saiu dali, e Calabresa foi substituída.
Dias mais tarde, em 7 de maio, Melhem repreendeu a atriz e disse que repensava sua escalação para a bancada do programa. “Você chorar, reclamar que não tem seus autores, que tinha ator demais, humilhou muita gente que chorou depois também”, escreveu, segundo a notificação extrajudicial encaminhada à atriz. Quatro meses mais tarde, com a aprovação da atração, a atriz teria passado a expressar críticas a Melhem, ganhando apoio de outras mulheres insatisfeitas com o comportamento do ex-diretor.
Com a eclosão das denúncias e o fim do contrato com a Globo, Melhem começou a fazer sessões quase diárias de terapia. À Folha, ele afirmou ter cometido erros nas relações pessoais, como falta de empatia e sensibilidade, além de traição: “Nas relações pessoais, hoje entendo que fui tóxico várias vezes. Feri e magoei várias pessoas, sobretudo minha ex-mulher”. Mas ele nega crime de assédio. “Do ponto de vista profissional, não persegui ninguém, não coagi ninguém”, reforçou.
O ator diz ainda que não repetiria algumas atitudes, como se relacionar com pessoas no ambiente do trabalho. “Isso sempre foi visto como algo normal, foi naturalizado. No meio artístico em geral, isso acontecia e continua acontecendo. Hoje consigo enxergar com clareza os riscos, os erros e as consequências de você se relacionar com pessoas que muitas vezes estão abaixo de você”, encerrou.
Entenda o caso
Em dezembro de 2019, denúncias de assédio feitas por funcionárias da Rede Globo contra Marcius Melhem vieram à tona e deixaram o público chocado. Em agosto deste ano, depois de uma longa investigação do caso, o humorista foi desligado da emissora, na qual trabalhava há 14 anos. Até então, nenhum detalhe sobre os relatos das vítimas ou sobre o processo iniciado pelo canal, havia sido divulgado.
Em uma extensa reportagem da revista Piauí, publicada no final de novembro (30), o jornalista João Batista Jr. traz depoimentos reveladores de algumas das testemunhas de Dani Calabresa. Por anos, a atriz teria sido vítima de assédio sexual por parte de Melhem. Segundo a publicação, o primeiro deles aconteceu ainda em novembro 2017, durante uma festa de celebração ao 100º episódio do “Zorra”, após a reformulação do humorístico.
Durante o evento, Melhem teria tentando beijar a atriz a força, assim como também teria exibido suas partes íntimas para a colega. Esse, entretanto, foi apenas o primeiro dos episódios de assédio praticados, apontados na matéria. Leia os relatos na íntegra, clicando aqui.