Eduardo Siqueira ataca novamente. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo – flagrado semanas atrás humilhando um guarda civil municipal de Santos, após ser multado por não utilizar máscara de proteção ao caminhar na praia – foi visto outra vez desrespeitando o decreto.
Os registros, obtidos pelo G1, foram feitos na manhã dessa quarta-feira (5) por uma moradora local que preferiu não se identificar, e mostram o magistrado andando na faixa de areia da praia, sem máscara. Segundo a fonte, Siqueira teria caminhado do Canal 4 até o 5 por cerca de 20 minutos, enquanto falava no celular. “Passou a Rua General Rondon, avistou uma viatura da GCM, deu meia volta e colocou a máscara”, descreveu a anônima.
Procurado pelo portal, Siqueira não negou nem afirmou ser o homem das imagens: “Eu não me lembro. Provavelmente não era eu”. Em seguida, ele debochou do trabalho prestado pelos guardas municipais. “Uma coisa que eu ignoro são essas viaturas da guarda, esses meninos para cima e para baixo. Não dou a menor bola para eles, é um desprazer ver eles estragando, destruindo, poluindo a praia”, declarou o magistrado.
Ainda nos áudios, o desembargador disse estar trabalhando no dia citado, desde 13h30 – o que não impediria que ele estivesse na praia durante a manhã, horário em que as fotos supostamente foram feitas. Eduardo sugeriu, por fim, que a moradora fizesse uma acusação por escrito, autenticada, para que fosse analisada a veracidade do caso. “Se ela tem provas ou qualquer coisa contra mim, que ponha por escrito, identifique e tudo mais. Ela deveria casar, ao invés de ficar aporrinhando a vida dos outros, não é? Eu acho”, disparou.
Em nota, a Prefeitura de Santos informou ao G1 que desde o dia 18 de julho, a Guarda Civil Municipal não realizou abordagem ou aplicação de multa pelo não uso de máscara facial ao munícipe em questão. Vale ressaltar também que a bermuda que ele utilizava nas imagens recém divulgadas, é a mesma peça fotografada em 22 de julho, dia em que o desembargador foi visto na orla da praia, utilizando a peça de proteção facial.
Entenda o caso
Em julho (18), o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira, foi flagrado humilhando um guarda civil municipal de Santos, no litoral do estado, após ser multado por não utilizar máscara facial de proteção enquanto caminhava na praia.
Um vídeo passou a circular nas redes sociais, mostrando o momento em que Siqueira disse que o GCM não tinha autoridade, chamando-o de “analfabeto”, chegando até a rasgar e jogar a multa recebida no chão. Ainda nos registros, é possível ver o desembargador dando uma “carteirada” ao telefonar para o secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel. Assista à lamentável cena:
Procurada pelo G1 na época, a Prefeitura de Santos informou que, durante a força-tarefa realizada, o munícipe que apareceu nas imagens foi abordado por não cumprir o decreto nº 8.944, de 23 de abril de 2020, que determina o uso obrigatório de máscara facial sob pena de multa no valor de R$ 100.
A administração municipal também esclareceu que, diferente do alegado por Siqueira, a gestão das praias está sob a competência e responsabilidade do município. De acordo com o artigo 14 da Lei Federal nº 13.240/2015, a Prefeitura de Santos celebrou, em 2017, termo de adesão com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), por meio do qual a União outorgou ao município a gestão das praias marítimas urbanas, inclusive bens de uso comum com exploração econômica, pelo período de 20 anos.
Por fim, a Prefeitura ainda alertou que tratava-se de um caso de reincidência: o mesmo cidadão já havia sido multado em outra data por cometer a mesma infração. No dia 26 de maio, o desembargador, que também é ex-coordenador da Secretaria da Área de Saúde (SAS) do TJ-SP, ofendeu um inspetor da GCM ao ser solicitado que colocasse uma máscara de proteção facial.
Na ocasião, o inspetor explicou que a intenção da fiscalização seria conscientizar a população. “O senhor é muito mais esclarecido que todos nós aqui”, começou a dizer, quando logo foi interrompido por Eduardo, que concordou e começou a falar em francês, mais uma vez, tentando diminuir a autoridade da Guarda Civil Municipal. Veja:
Também ao G1, o secretário de Segurança de Santos, Sérgio Del Bel, deu total apoio à equipe que fez a abordagem e a multa foi lavrada na ocasião. Ele contou que o desembargador teve acesso ao seu número de telefone após a primeira ocorrência com a Guarda Civil Municipal. Na ocasião, Siqueira pediu o contato para a Polícia Militar, porque queria questionar a aplicação da multa.
“Ele me ligou bastante nervoso, dizendo que era um absurdo [ser multado]”, relembrou o secretário. Del Bel disse que apenas acalmou o homem e ele acabou ficando com seu número de telefone salvo. Já desta vez, Sérgio disse que não houve tempo para conversa, devido à confusão que se formou.
Apesar de supostamente ter orientado o desembargador a rasgar a multa, Del Bel afirmou que, após encerrar a ligação, telefonou para o subcomandante da GCM e pediu para que a sanção fosse mantida, além de elogiar a atitude dos guardas envolvidos.
Diante da repercussão dos vídeos, o Tribunal de Justiça de São Paulo divulgou uma nota afirmando que, ao tomar conhecimento do caso, determinou a imediata instauração de um procedimento de apuração dos fatos. O TJS declarou ainda não compactuar com atitudes de desrespeito às leis, regramentos administrativos ou de ofensas às pessoas, e que, em momento de grave combate à pandemia instalada, segue com rigor as orientações técnicas voltadas à preservação da saúde de todos. Confira:
Na época do primeiro flagrante, o desembargador, por sua vez, emitiu um comunicado afirmando que o vídeo era verdadeiro, mas que foi tirado de contexto. Para ele, a determinação por decreto do uso de máscaras em determinados locais é um abuso.
No texto divulgado, Siqueira avisou que “decreto não é lei” e que, por isso, entende não ser obrigado a usar máscara, e que qualquer norma que diga o contrário é “absolutamente inconstitucional”. Ele alega que esse não foi o primeiro incidente que aconteceu com agentes da GCM, e que em todas as ocasiões foi ameaçado de prisão de modo agressivo, o que justificaria, na sua visão, a exaltação. “Infelizmente, perseguido desde então, acabei sendo vítima de uma verdadeira armação”, finalizou o texto.