Na noite desta quarta-feira (8), a jovem condenada por matar Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, com um tiro na cabeça, em um condomínio de luxo em Cuiabá (MT) foi liberada da internação no Complexo do Pomeri. Após a soltura, a mãe de Isabele se pronunciou nas redes sociais, afirmando que está “indignada” com a decisão da Justiça.
“Estou indignada, surpresa e aflita. Minha filha não foi morta com uma arma de gatilho simples, mas [com] uma arma, que teve que ser municiada, alimentada e carregada, e a atiradora era perita nisso. [Isabele] Foi morta sem qualquer chance de defesa! Desqualificar esse crime de doloso para culposo é inconcebível! Não vou me calar diante de tamanho absurdo”, escreveu Patrícia Guimarães Ramos, segundo o UOL.
O crime aconteceu em julho de 2020 e a jovem foi internada na unidade de medida socioeducativa no dia 19 de janeiro de 2021. Ela cumpria pena de três anos e, a cada seis meses, as autoridades deveriam decidir sobre a manutenção ou não da pena.
Ao invés de homicídio doloso, a defesa da adolescente conseguiu que a Justiça reconsiderasse o caso como culposo, ou seja, quando não há intenção de matar, mas sim “negligencia, imperícia ou imprudência que leva a morte de alguém”. A menina foi solta com o alvará do juiz de primeira instância.
Segundo o g1, em fevereiro deste ano, o Ministério Público Estadual já havia recusado um laudo que recomendou a liberação da garota. O parecer negativo então foi encaminhado à Justiça, que seguiu o entendimento do Ministério e manteve a pena. Já em abril, a defesa tentou o habeas corpus novamente, e viu o Supremo Tribunal Federal (STF), comandado pelo ministro Edson Fachin, manter a internação.
Relembre o caso
Isabele Guimarães Ramos estava na casa da amiga em 12 de julho de 2020, num condomínio de luxo em Cuiabá, Mato Grosso, quando levou um tiro no crânio e veio a óbito. De acordo com a adolescente que efetuou o disparo, a pistola teria sido acionada quando ela guardava a arma para seu pai – negando que estivesse brincando com o objeto, ou tentando mostrá-lo para a amiga.
Segundo Rodrigo Pouso, advogado da família da menina, o pai da adolescente estava na parte inferior de sua casa, e pediu para que a filha guardasse a pistola no andar superior, local onde estava Isabele. “Ela não atirou e em nenhum momento apontou. Foi um disparo acidental quando ela estava guardando a arma. A arma estava na casa porque o pai da adolescente ia testar para ver se compraria. Todas as outras armas são legais”, afirmou. Outras sete armas foram encontradas na casa em que Isabele faleceu.
A investigação
Baseado em depoimentos e imagens de circuito interno de segurança, o inquérito apontou que o namorado da adolescente carregou a arma sem que ela visse e guardou a pistola numa case. Na sequência, a garota pegou a case fechada na sala e levou até o quarto, como ordenado pelo pai. Segundo a Polícia Civil, a vítima estava no banheiro fumando um cigarro eletrônico, escondida, quando a amiga adentrou o cômodo. As duas então ficaram por volta de 1 minuto e 18 segundos no local. “Nesse intervalo de tempo, acontece um disparo”, concluiu o advogado Wagner Bassi.
Para os oficiais da DEA e da Delegacia Especializada de Defesa da Criança e do Adolescente, a menina teria buscado a arma, apontado para o rosto de Isabele a uma distância entre 20 e 30 centímetros, e atirado. “A adolescente, que é praticante de tiro esportivo, afirmou que, ao guardar as armas, uma delas teria caído e disparado. Segundo laudo, o estojo na verdade, estava em cima da cama e a menor teria ido com a arma carregada até a amiga”, explicou Bassi.
O inquérito afirmou que a jovem deveria responder por ato infracional por homicídio doloso — quando há intenção de matar —, imprudência e imperícia. O namorado dela, de 16 anos, que a princípio seria tratado apenas como testemunha do caso, também responde por ato infracional análogo ao porte ilegal de arma de fogo por ter levado as pistolas para a casa da namorada, onde aconteceu o crime. As armas eram do pai do rapaz.
O delegado revelou ainda que o pai do garoto disse em depoimento que não sabia que o filho tinha levado as armas, mas mesmo assim ele foi indiciado por omissão de cautela na guarda de arma de fogo, já que teria obrigação de guardar as pistolas em local seguro. O pai da jovem que atirou também foi indiciado sob suspeita de homicídio culposo, além de outros três crimes: posse de arma de fogo, por entregar a arma para a filha adolescente e fraude processual. No entanto, ele pagou a multa – que não foi revelada pelas autoridades – e foi solto.
“Tiro acidental” descartado
Na véspera de um mês da morte de Isabele Guimarães Ramos, foi divulgado o laudo oficial de balística da Perícia Oficial e Identificação Técnica, de Cuiabá. Segundo o g1, o disparo que tirou a vida da jovem de 14 anos não foi realizado sem que o gatilho fosse puxado. Segundo o laudo, assinado pelo perito Reinaldo Hiroshi dos Santos, a arma de fogo utilizada não pode produzir um tiro acidental.
Ao invés disso, a arma – da forma como foi recebida pela perícia – só se mostrou capaz de produzir um tiro ao estar carregada de munição, engatilhada, destravada, e somente dispararia após o acionamento do gatilho. Todavia, o documento atestou que a arma AFQ1 tinha mecanismos incompletos ou deficientes, e contava com diversas modificações.
De acordo com o portal, a perícia fez alguns testes para verificar se a versão da jovem – sobre o suposto “acidente” – seria possível. Para isso, inseriram um cartucho sem projétil e pólvora na câmera de carregamento da arma. Além disso, a arma AFQ1 foi balançada ao ar livre de diversas maneiras e posições, sendo também impactada contra uma superfície emborrachada. Após a testagem, veio o resultado de que o disparo não poderia ter sido “acidental”.
Entretanto, para a balística, há uma diferença entre “tiro acidental” e “tiro involuntário”. O tiro acidental ocorre quando o mecanismo de disparo – e o gatilho – não são acionados regularmente no momento do disparo. Já o tiro involuntário usa do mecanismo de disparo, mesmo que a ação não tenha sido intencional. Ou seja, existia a possibilidade da arma responsável pela morte de Isabele ter sido disparada involuntariamente – mas não de forma acidental.
Família de acusada praticava tiro esportivo
Tanto a adolescente, quanto sua família, são praticantes de tiro esportivo. Segundo o policial militar Fernando Raphael, presidente da Federação de Tiro de Mato Grosso, a acusada pela morte de Isabele praticava o tiro há, pelo menos, quatro meses. Os nomes dela e de seu pai aparecem em “squads” (ou grupos) que participavam de competições da organização nos últimos tempos, e eles estavam presentes em aulas.
Além deles, outros membros da família também participavam desses grupos de tiro, e seriam praticantes ativos do esporte, assim como o namorado da adolescente que teria efetuado o disparo. Apesar da afirmação da FTMT, o advogado da família alega que a jovem amiga de Isabele praticava o esporte há apenas três meses.
Suspeita foi internada
Em 15 de setembro do mesmo ano, a acusada de atirar em Isabele se apresentou à Delegacia Especializada do Adolescente (DEA), após a juíza Cristiane Padim, da 2ª Vara da Criança e da Juventude de Mato Grosso, determinar a apreensão da jovem. A decisão foi proferida dias após o Ministério Público Estadual do Mato Grosso (MPE-MT) ter pedido a internação da garota em uma unidade socioeducativa da capital, por ato infracional análogo a homicídio qualificado – crime apontado pelo delegado Wagner Bassi, na conclusão do inquérito. Em 2021, ela foi encaminhada para Lar Menina Moça, no Complexo do Pomeri, em Cuiabá, onde estava até então.