Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini protagonizam “Uma Família Feliz”, suspense dramático com direção de José Eduardo Belmonte e roteiro de Raphael Montes. A produção trata de temas como maternidade e pressões sociais. Em conversa com Bruno Rocha, o nosso Hugo Gloss, os artistas falaram sobre a reação com o roteiro, a importância do tema central do longa e a inspiração para a construção dos personagens. Grazi e Giane também explicaram como lidam com as críticas do público e a “era do cancelamento”.
Na trama, Eva (Massafera) acabou de dar à luz seu terceiro filho e se depara com a angústia de uma depressão pós-parto, em meio a uma vida sem problemas aparentes. A tranquilidade da “família de comercial de margarina” é invadida por acontecimentos estranhos, quando as filhas gêmeas (Luiza Antunes e Juliana Bim) e o bebê recém-nascido do casal aparecem machucados.
A partir daí, a protagonista é acusada, retaliada pela comunidade, isolada e apontada como suspeita até por Vicente, seu próprio marido (Gianecchini). Com os desdobramentos, Eva precisa superar o momento de fragilidade para provar sua inocência e reestruturar sua família supostamente perfeita. E talvez ela não seja mesmo a culpada…
Tema do filme
Grazi, que interpreta Eva e é fã de filmes do gênero, revelou que seu primeiro contato com o roteiro foi há oito anos. Segundo ela, desde então, a ansiedade a dominava. “Foi o Zé que me ligou, ele já sabia que eu gosto. Eu amo filme de terror, de suspense. Eu já fiquei apaixonada pelo roteiro e teve algumas modificações, o Rapha foi mudando até chegar no que a gente tem hoje. Mas já faz um tempinho, então a ansiedade já me dominava naquela época“, contou.
Já Giane entrou para o time nos 45 minutos do segundo tempo, com indicação de Raphael Montes. “Eu entrei bem no finalzinho, na verdade, quando já tava pra filmar. Esse personagem ficou meio em aberto. Eu acho que já pensaram em vários Vicentes, na concepção do que seria. E aí, por eu ter feito com o Rapha Montes o ‘Bom Dia, Verônica’, ele me indicou para esse. E aí o Zé, nosso diretor, também estava para trabalhar com ele faz um tempão. Foi uma confluência assim, no último momento que deu certo, alinhamos”, recordou. O ator relatou, ainda, que estava para ir embora do Brasil, mas desistiu dos planos para estar no elenco.
Os personagens e suas inspirações
Grazi Massafera, que é mãe de Sofia na vida real, uma adolescente de 11 anos, definiu sua personagem como “dedicada e sombria”. “Eu acho que é uma mãe real, não é idealizada ou romantizada como a gente tem as mães. É uma mulher que questiona a maternidade, que tem os seus defeitos, as suas qualidades… Ela queria ser mãe? Não sei. Tem ali também essa questão. Mas uma vez mãe, a gente vira leoa”, afirmou.
Já Gianecchini colocou Vicente como “passivo agressivo”. “Os personagens são reais, com muitas camadas. É um filme sobre o que você oculta, sobre aparências. Nosso trabalho de ator foi bem difícil, por um lado, porque geralmente a gente faz novela e é tudo para fora. Na novela é tudo muito explícito. Esse filme é o contrário, é tudo o que é para dentro, é escondido, para dar o mistério que precisa, do thrillerzinho”, explicou.
“Por exemplo, o Vicente parece um pai fofo, ele é fofo de uma certa forma, é um cara legal, um esposo fofo à primeira leitura. Aí na segunda olhadinha, você fala: ‘Tudo bem, mas é que um pai também que faz uma coisa e serve um lanchinho pra criança nossa, que pai incrível!’. Teria que ser o normal isso, né?! O Rapha Montes faz muito isso, ele coloca elementos que são muito boas discussões, principalmente de questões atuais”, continuou.
Para os artistas, o desafio central das gravações era passar a “angústia” para o público através da tela do cinema. “No filme, a gente tem a questão do cancelamento, que é uma super questão atual. Além de todas as questões da posição do homem, da mulher, do machismo, da mãe, da maternidade romantizada, puerpério… É legal porque aborda tudo, mas com esse pano de fundo de pegar o público, prender a respiração do público, dá essa angústia”, disse o ator.
“E o Zé cria um clima perturbador nas relações. Justamente por essa interpretação que estimula muito a gente como ator. Isso deixa gritante na tela do cinema e é perturbador pra gente que faz”, concordou Grazi. “A gente não sabia direito o que a gente fez, porque é diferente do que você faz na televisão, que você estuda direitinho. Lá, o Zé desconstruía muito a gente. A ideia era muito isso, tem uma pegada diferente, tirava a gente da zona de conforto e também da nossa segurança, isso era legal”, completou Gianecchini.
Enquanto Bruno Rocha viu inspiração de “Big Little Lies” e “Desperate Housewives” na trama, eles citaram filmes como “O Bebê de Rosemary”, “A mão que Balança o Berço”, “Sexta-feira 13”, “O Sexto Sentido”, e “Os Outros”.
“Eu queria que fosse um filme tipo ‘O Sexto Sentido’, pra mim é uma grande referência. Que é um filme que você assiste, depois você vai querer assistir de novo, agora sabendo do que é. E aí, você ressignifica o filme inteiro quando assiste de novo. ‘Uma Família Feliz’ é assim. Quando você chega no final, depois vale a pena assistir de novo, agora com esse olhar. Tendo as informações que não tinha antes. Você vai ver que já tinham vários elementos que contavam um pouquinho da história, do desfecho”, explicou Giane.
Eles revelaram, ainda, que as crianças eram o contraponto de leveza do set e foram preparadas de forma lúdica para a história. Luiza Antunes e Juliana Bim interpretam as filhas gêmeas do casal. “O Zé tirou coisas incríveis delas sem elas saberem direito a história do filme, para não expô-las tanto. Já que trata de de temas pesados que poderiam ser traumáticos”, lembrou Reinaldo.
Personagens infantilizados
Na entrevista, Bruno Rocha revelou sua percepção de que o casal é “infantilizado” no longa – não só na linguagem como também no sexo. A ideia, segundo os atores, surgiu do diretor José Eduardo Belmonte. “Foi coisa do Zé! Surgiu no meio da gravação… A gente não teve muito tempo pra ensaiar”, lembrou Grazi. “E é muito gostoso que o personagem também foi acontecendo no set, o Zé propôs isso. E eu acho que combina muito, né?”, completou.
Para ela, o lado infantil de Vicente contribui para a formação do personagem, para a opinião do público e para o desfecho da história: “Porque é essa coisa de aparência. A gente tá duvidando desse cara, das coisas que ele pode fazer e de repente ele tem um fetiche com voz de criança, chamando pra brincar, então fica meio esquisito mesmo”.
Influência da internet e críticas
Os protagonistas também lembraram a importâncias das pessoas saberem diferenciar a vida pública da vida real, principalmente com a influência das redes sociais. “Acho que a internet está mexendo com as estruturas de todos psicologicamente. É preciso entender que aquilo ali realmente é aparência, não é a vida real”, disse Grazi.
“Se você também não tiver um distanciamento de tudo isso, tudo que você lê a seu respeito, se for levar a sério demais, você não sai da cama. Eu sempre digo isso. A gente tem que saber consumir rede social. É um território que talvez a gente não entenda a dimensão que está dando no psicológico das pessoas. A gente já tem uma ideia, mas talvez a gente precise de alguns anos para entender como isso está reformulando jeitos de ser”, apoiou o ator.
Ambos refletiram, ainda, sobre como lidam com as críticas sobre o trabalho – tanto positivas quanto negativas. “Eu acho que de uma certa forma, nunca me baseei exatamente em crítica, nem em pessoas que passam a mão na minha cabeça. Isso é uma coisa que eu tive que fazer até para sobreviver. Porque eu teria desistido logo de cara se eu fosse dar realmente voz a isso, levar com absoluto o que as pessoas falavam de mim. Eu acho que ganhar prêmios ou ser criticado é uma distração do seu foco, e eu não quero perder esse foco”, ponderou Giane.
Grazi também aprendeu a conviver com as críticas ao longo do tempo: “Eu acho que desde muito cedo eu descobri que eu gosto de ser desafiada. E também digo que não foi através da crítica. É mais uma coisa minha, de gostar de superação, de motivação, de me transformar, de aprender. E esse meio me estimula muito, em todos esses lugares. Eu venho me descobrindo uma mulher mais corajosa e forte do que eu já era. E vejo, me apaixono e respeito muito o trabalho que eu escolhi. Existe nele um lugar social, que ajuda as pessoas a refletir”.
José Eduardo Belmonte e Raphael Montes
Bruno Rocha também conversou com José Eduardo Belmonte e Raphael Montes, que trabalharam juntos pela primeira vez. Sobre a lenda de que “diretor e autor nem sempre dão certo”, ambos concordaram que é preciso abrir mão de certas coisas para o “casamento” funcionar. “Eu acho que, como toda relação, a gente obviamente discorda. E acho que teve um momento que a gente teve que abdicar muito. E, assim, a gente chega num acordo, é um casamento mesmo”, expôs Zé.
“A gente vai descobrindo a melhor forma de se achar. Acho que foi muito bacana, porque foi uma relação que se completou no sentido de que a gente teve uma coisa muito adulta mesmo, profissional. A gente teve esse respeito do espaço, tinha discussão. Mas a gente não chegou a brigar. É um processo colaborativo. Tem essa coisa do diretor ou do autor num trono, isso não existe”, continuou.
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A trama de Raphael Montes (“Bom dia, Verônica” e “Beleza Fatal“), que também estreia como diretor assistente, deu origem ao livro homônimo. No bate-papo, ele contou de onde surgiu a inspiração. “Eu queria começar uma história pelo final, porque meus livros são conhecidos pelos finais surpreendentes. Foi daí que nasceu, a sementinha da ideia veio disso”, revelou.
“Eu não sei explicar de onde as ideias vêm. ‘Uma Família Feliz’ tem algumas referências fortes, por exemplo, para mim, uma delas é ‘O Sexto Sentido’. Eu queria fazer um filme que você ao reassistir, entende novas coisas, que você não tinha entendido da primeira vez que viu. Mas, em geral, o que me interessa é contar histórias que prendam o espectador ou o leitor, com muitas viradas, personagens complexos, discutir algum assunto”, continuou.
A ideia de parecer que o público está espiando os personagens também foi toda pensada pela equipe. “Na verdade, essa é a famosa regra do Hitchcock, quando fez ‘Janela Indiscreta’. É muito angustiante, você ver e não poder interferir, ao mesmo tempo você não deixa de ver. Eu falei: ‘Isso seria uma forma interessante de colocar quem está assistindo dentro da história’. Mas eu trouxe uma experiência lúdica, também”, concluiu Zé.
Assim como o livro já está em todas as livrarias, o filme “Uma Família Feliz” já está disponível nos cinemas. Assista à entrevista completa:
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