Marcelo Adnet comenta reações distintas a depoimento sobre abusos sexuais, e relembra quando tomou consciência do que havia sofrido: ‘Uma grande dor’

Marcelo Adnet participou do programa “Saia Justa” nessa qurta-feira (15) e se abriu novamente sobre os abusos sexuais que sofreu na infância. Em entrevista à Veja na semana passada, o comediante corajosamente falou pela primeira vez sobre o assunto, revelando que foi estuprado aos 7 anos e sofreu outro abuso aos 11.

Durante sua participação no programa do GNT via chamada de vídeo, o astro deu mais detalhes sobre os casos, ressaltando a importância de denunciar e das crianças terem contato com a educação sexual. “É um tema pesado e necessário. Acredito que é bom falar de tabu, eu adoro. Sempre gostei de abordar esses temas. É bom estar aqui podendo falar sobre um assunto tão importante”, agradeceu, inicialmente.

Na sequência, ele relembrou o primeiro episódio com as apresentadoras Mônica Martelli, Pitty, Gaby Amarantos e Astrid Fontenelle. “Foi difícil na época porque a primeira vez foi com sete anos de idade. Tive grande sorte dos meus pais e avós voltarem para casa logo no momento em que ele estava consumando o ato. Foi uma coisa quase mágica, eu senti”, contou.

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“Eu comecei a sentir um grande desconforto de que havia algo errado, porque a criança não sabe o que é aquilo, a criança não sabe o que é o sexo, né. Mas ela sabe que existe algo ali que não é saudável, que não é certo, que é construído em cima de uma ameaça. No meu caso, tinha morrido a cachorra da casa onde eu passava as férias, e ele [o agressor] me falou que poderia me trazer a cachorra de volta se eu não contasse nada pra ninguém e fizesse o que ele mandava. Essa foi a ameaça”, denunciou.

“Depois houve um outro episódio aos 11 anos que não chegou tão longe, mas mesmo assim é importante, porque eu já sabia o que aquilo era. Mas aos 7, quando você sofre um abuso, quando você descobre o que é sexo, automaticamente você descobre que aquilo que fizeram com você era sexo. Então seu primeiro contato com a sexualidade de uma forma racional, educativa, é um grande trauma, uma grande dor, porque você acaba entendendo aquilo que aconteceu com você quando criança”, lamentou ele.

Adnet falou sobre o trauma de passar pelo estupro antes mesmo de saber o que era sexo (Foto: Reprodução/GNT)

Adnet, então, relembrou o trauma deixado pelos abusos, mas ressaltou que já teve tempo para lidar com isso. “São várias camadas de dor, de complicação para se lidar. Mas pra mim o não dito é o maldito. Pra mim foi uma coisa que aconteceu há muito tempo, então eu posso hoje falar com tranquilidade porque eu já tive tempo pra lidar, aceitar. Eu tive mais de 25 anos para pensar nisso. Para estar falando agora com vocês foram mais de 25 anos. Então, tem essas peculiaridades no meu caso. O ser humano é um universo e cada caso é um caso”, declarou.

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Questionado sobre o momento em que precisou verbalizar para a família, o humorista falou que também demorou muito tempo. “Falei para minha mãe muitos anos depois. Na minha cabeça, eu achei que tinha falado com meus pais, mas eu não tinha falado. Eu falei com amigos próximos. E era um assunto que quando surgia eu falava sem problemas, mas com meus pais eu construí uma ilusão de que tinha falado, quando na verdade eu não tinha”, revelou.

Ele supôs um motivo para que tenha criado essa narrativa em sua mente. “Em algum momento, eu não queria feri-los. Não queria que eles sentissem uma dor que não era deles. Não houve culpa direta dos meus pais. Queria poupá-los dessa chateação, que não ia levar a nada”, refletiu.

As apresentadoras elogiaram o artista por decidir se abrir sobre as agressões. “São casos em que a gente realmente não tem culpa nenhuma. Então por que eu vou ter vergonha de contar algo em que eu fui vítima. Não acho que deva ser uma vergonha, acho que tem que ser exercitado esse lugar de normalizar a denúncia. A denúncia é normal. Tem preconceito também quanto a denúncia, mas ela tem que ser encorajada, sim”, afirmou, ressaltando outro motivo para crianças do sexo masculino terem medo de falar sobre o assunto.

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“Pros meninos também tem uma coisa interessante. Quando o menino é abusado sexualmente – eu ouvi muito isso – escuta: ‘Você é baitola, veado, tem cara de baitola, tomou porque gostou’. Existe esse outro medo, medo do ataque homofóbico e dessa ridicularização, que eu não temo. Não haveria nenhum problema se eu fosse gay. Isso (ser gay) não é ofensa, mas as pessoas usam isso, essa rasteira, como forma de constranger a vítima”, esclareceu. “Então, com tanto constrangimento, a vítima acaba numa proteção ao agressor. O agressor fica protegido”, lamentou.

“É uma pandemia que a gente vive e não encara. Tabus são para serem enfrentados, a não ser que sejam contra a racionalidade. Mas vamos enfrentar e falar sobre isso? Por mais que haja proteção contra o abusador – inclusive na internet, que é muito cruel também – vai ter sempre uma rede de proteção contra quem fizer a denúncia!”, garantiu Marcelo. “Ser abusado não é um crime. Eu teria vergonha de dirigir bêbado. Teria vergonha de avançar o sinal vermelho. Sabe? Teria vergonha de evadir impostos. Isso me daria muito mais vergonha do que ser vítima de abuso”, comparou.

O astro ainda comentou sobre o retorno que recebeu online após a publicação da entrevista com a Veja. “Apesar dos ataques baixos e cretinos – que me fizeram até, em algum momento, rir de pena de quem me atacava -, a quantidade de carinho e apoio foi muito maior. E colocar pra fora é concretizar o que está dentro de você. Então, quem puder fazer terapia, faça. Fale com um amigo, uma amiga, aos poucos“, ainda aconselhou Adnet, aos que passaram por esse tipo de trauma.

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Por fim, o comediante pontuou que muitas pessoas não denunciam porque o agressor ainda está vivo, ou é um parente, ou porque seriam criticadas pela própria família. Esse é um dos motivos pelos quais ele acredita que a educação sexual seja uma das melhores soluções para incentivar a denúncia.

“Cada caso é um caso. Comigo nenhum caso foi familiar, o que gera mais constrangimento. E cada um vai reagir de uma maneira. Essa coisa de ‘ninguém é culpado, acontece’, prender o filho, não é saudável. A criança precisa de amizades, ambiente, escola. Então, o que fazer? Essa questão é gravíssima. A única resposta é tornar isso uma inciativa do Estado, uma iniciativa pública, que a educação sexual aconteça”, ponderou.

“Que a gente saiba que buraco faz xixi, qual faz penetração, conhecer o nosso corpo, saiba tocar, lidar e respeitar nosso corpo. E hoje estamos na contramão disso, com esta política de ‘não fazer ou falar de sexo’. Educação sexual não é ensinar a fazer sexo. E a criança pode se sentir mais à vontade de falar de sexo com um professor ou um educador do que com um pai ou uma mãe”, concluiu ele.