Taís Araújo explica fama de “metida” e relembra comentário racista de ator da TV Globo; assista

“Eu tive que levantar o meu nariz, porque senão seria atropelada”, afirmou a estrela em um trecho

Nesta terça-feira (2), Taís Araújo foi convidada do “Quem pode, pod”, podcast de Giovanna Ewbank e Fernanda Paes Leme. Durante o episódio, a atriz abordou uma série de polêmicas sobre sua vida e carreira, entre elas o racismo que viveu enquanto primeira protagonista negra da TV Globo, seu lugar de referências na mídia e, ainda, a fama de “metida” que ganhou ao longo dos anos sob os holofotes.

Sincerona, Giovanna confessou que nos 10 anos em que trabalhou na TV Globo, sempre admirou o trabalho de Araújo. No entanto, a loira admitiu que durante muito tempo, ouviu relatos de que Taís seria “metida” – tanto dentro, quanto fora da emissora. Ela então comparou a posição de Araújo na mídia com a de Michelle Obama, apontando que ambas são mulheres pretas em um lugar de poder e que isso, de fato, incomoda as pessoas.

Ao ser questionada sobre como se sentia sobre essa fama, Taís confessou ter sido rotulada como “metida” e “raivosa” por muitos. “Sou [metida]. Sou mesmo. (…) Eu escuto isso desde que saí da maternidade, o pessoal olhou e falou: ‘Nossa, que garota metida’. Desde sempre”, disse ela, aos risos. No entanto, a estrela reforçou que precisou agir de tal maneira para sobreviver ao “mundo branco” em que foi inserida desde muito cedo. “Confesso que na minha infância e na minha adolescência, fatalmente, eu tive que levantar o meu nariz, porque senão seria atropelada. Eu fui criada sempre num lugar sempre muito branco e muito de elite. Então se eu não me impusesse, eu ia ser atropelada por todo mundo e eu não estava a fim de ser atropelada por ninguém”, admitiu.

Ela relembrou, ainda, um episódio que viveu com um colega de trabalho durante o qual precisou usar da fama de “metida” para se impor. “E tem uma questão de postura mesmo, do olhar do outro. Uma vez, um ator lá na Globo virou pra mim e falou assim: ‘Engraçado, eu não conheço nenhum negro bem sucedido que não seja prepotente e arrogante’. Aí eu virei pra ele e falei: ‘Vem cá, Tostines [a bolacha] vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Será que é você que não está acostumado a ver negros em lugares de poder e você só entende negros em lugar de subserviência? Se [o negro] não estiver subserviente a você, você acha que é prepotência? Será que é o seu olhar?’. Ele não teve resposta”, recordou ela.

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Araújo então refletiu que, de fato, ver uma mulher preta como ela em um lugar de poder e influência é algo “difícil de engolir”, especialmente no Brasil. “Eu acho que é difícil pra sociedade, sim, encarar (e isso vem desde o Brasil colônia) uma população que foi sequestrada, escravizada, com algum poder olhar pra você no mesmo nível e responder pra você no mesmo nível. Porque no meu subconsciente [dos brancos], você tem que estar subserviente, você tem que dizer amém pra tudo o que eu falo… Isso é uma questão na pele do brasileiro, tá correndo aqui [nas veias], tá tatuado. É muito difícil para o brasileiro, sim, encarar uma mulher negra de frente, sem tachá-la de metida, prepotente e arrogante. É um olhar que não está acostumado. Mas vai ter que se acostumar”, reforçou.

Negação

Fã de longa data de Araújo, Fernanda Paes Leme explicou que sempre enxergou a artista em um “lugar de poder”, especialmente após protagonizar “Da Cor do Pecado”. No entanto, apesar de ocupar orgulhosamente este lugar de referência e influência como mulher preta atualmente, Taís confessou que este nem sempre foi o caso.

“É engraçado falar isso porque eu não tive esse lugar durante todo esse tempo. Dos 17 aos 43, as pessoas falam: ‘Você sempre [esteve em alta]’. Não! Acho que as pessoas tiveram um lapso de memória. (…) Com 16 anos eu fazia “Tocaia Grande” e com 17 eu fazia “Xica da Silva”, que de fato foi um estouro. Aí acabou Xica da Silva e eu fui pra Globo… Cara, eu tive um período de sete anos, superimportante, fundamental, em que eu tive um ‘downgrade’ gigantesco”, pontuou a esposa de Lázaro.

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O caminho até o protagonismo foi longo, causado especialmente pelo preconceito, mas também por uma necessidade de aprendizado da atriz. “Foram sete anos. (…) Acho que foi isso [o preconceito] também, mas também foi outra coisa. Quando eu fiz “Xica da Silva”, eu tinha 17 anos e eu não era aquele talento nato. Eu falo sempre de ‘Alice no País das Maravilhas’: ‘Foi preciso diminuir para poder crescer’. Esses sete anos, esse downgrade, talvez não acontecesse com outra pessoa, talvez a pessoa não tivesse uma carreira tão longeva. Hoje, olhando com distanciamento e maturidade, eu vejo que esses sete anos foram fundamentais para uma construção, que está sendo feita até hoje”, disse ela.

Segundo a estrela, a maturidade que ganhou com a experiência lhe ajudou a lidar com o peso de ser “Taís Araújo”, já que seu sucesso quebrou uma série de paradigmas, especialmente ao se tornar a primeira protagonista negra da TV Globo. A responsabilidade de ter aberto um novo caminho para tantos atores e atrizes, no entanto, não é dolorida para ela.

“Não dói. Eu acho que tinha um momento em que eu negava tudo isso e aí, voltando a falar da maturidade, envelhecer é bom. Esse lugar, não é um peso, acho que é uma responsabilidade que durante muito tempo eu neguei. E depois foi passando um tempo e eu falei: ‘Cara, essa é minha história, não vou negar minha história’. Realmente, sendo protagonista de ‘Da cor do pecado’, era eu, quando fui protagonista da novela de Manoel Carlos, fui a Helena, uma personagem fetiche, apresentar o ‘Super Bonita’… Não adianta negar, essa é a minha história. E eu falei: ‘Cara, esse lugar é importante de existir'”, explicou Araújo.

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Aumentar a representatividade na telinha foi, de fato, o que motivou a artista a aceitar tamanha influência. “Quando eu era mais nova, quando eu era criança, até a adolescência, não tinha uma mulher que parecia comigo. A gente tinha, mas eram mulheres muito mais velhas que eu, uma distância enorme de gerações. [Eu falei] ‘Cara, quem sabe esse lugar é importante, eu não tive, eu sou carente desse lugar. Talvez seja importante assumir esse lugar como missão, responsabilidade’. E aí mudou uma chave em mim, de entender pra quem que eu estou falando”, confessou ela.

“Durante um momento eu achei que eu só falava para meninas e mulheres negras, mas depois de um tempo eu fui ver que não. E quem me mostrou isso foi uma menina branca, no programa do Serginho Groisman. (…) Eu tomei um belo tapa na minha cara e eu entendi que eu estava alcançando muito mais gente do que eu imaginava. Isso tem um valor. E aí eu fui pensando em como eu poderia atingir as pessoas, com uma coisa que eu acho que é um dos grandes problemas do Brasil, que é a questão racial, questão do racismo. E falar de uma maneira em que as pessoas não se sentissem excluídas, que elas se sentissem parte não só do problema, mas da solução também”, acrescentou.

Questionada sobre se cansar de falar sobre pautas raciais, Taís reforçou que não se importa de falar sobre isso com mais didática, mas apontou que não discute tais assuntos regularmente. “Eu não falo sobre isso todo dia. Eu não falo sobre isso com todo mundo. Inclusive se eu estou sentada só com meus amigos negros, isso não é assunto. A gente tá rindo, vivendo…. [Mas nas entrevistas] essa é uma das minhas pautas. Assim como a educação, a arte, maternidade… Só não pode querer me reduzir a isso. Eu sou uma artista em várias coisas para falar. Mas não tem como não falar [sobre racismo]”, pontuou.

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Por fim, ao comentar sobre o longa “Medida Provisória”, lançado em 2020, Ewbank admitiu que se frustrou com a falta de embate às situações racistas que os personagens vivem, um retrato claro da sociedade e do dia a dia dos negros no Brasil. Araújo então apontou que o intuito da obra é provocar a reflexão.

“A escolha é sempre provocar. Tem gente que fica incomodada, tem gente que ri e fica com vergonha de estar rindo, tem gente que se emociona, tem gente que ri com propriedade. Então a ideia era provocar. É uma estratégia que usamos no dia a dia: uma porrada e um beijo”, explicou ela. “Eu entendo você, Giovanna, questionar: ‘Por que que não vai pro embate? Por que não vai pra porrada?’. Você escolheu ter filhos negros. Você não passou nada e não vai passar nada do que os seus filhos passaram. Passam, passaram, vão passar e estão passando. Eu entendo total sua resposta da porrada, só que a gente toma porrada desde sempre”, continuou.

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A atriz explicou que combate o racismo de diversas formas. No entanto, alguns tipos de enfrentamento são privilégios dos brancos. “Então às vezes a porrada é uma estratégia, às vezes a estratégia é o dialogo, o afeto, ignorar. Não dá pra ter só uma tática, uma única maneira de jogar. Porque senão não dá pra viver, fica pesado demais. São varias estratégias, usadas de maneiras diferentes, de acordo com o seu humor e a sua possibilidade naquele dia. Você dando porrada numa pessoa branca é diferente de eu dando porrada em uma pessoa branca”, concluiu. Assista:

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