A TV Globo é alvo de um processo que corre na Justiça do Trabalho, movido por uma ex-funcionária que acusa a empresa de ser conivente com assédio moral. De acordo com o site “Notícias da TV”, o responsável pelos abusos seria Carlos Cereto, que ainda ontem (1º) deixou a emissora, após 20 anos de casa. Os episódios teriam ocorrido entre 2012 e 2015, período em que o jornalista foi chefe da Redação do SporTV em São Paulo.
A publicação teve acesso à ação no final de maio, meses antes de Carlos oficializar sua saída do canal. Nos autos, a ex-funcionária relata diversos casos que foram confirmados por pelo menos três testemunhas. A moça afirma que Cereto a constrangia e a fazia dar “voltinhas” na Redação para exibir seu corpo, tendo beijado sua mão e dito que ela “estava uma delícia”, em outra ocasião.
Além disso, a vítima alega que Carlos a ofendia bastante e sempre foi muito ríspido com ela durante todos os anos de trabalho no canal esportivo da Globo. Em um dos relatos, a mulher diz ter sido humilhada na Redação do SporTV em São Paulo, após ser chamada de “incompetente, desqualificada e despreparada” pelo jornalista.
“Seu chefe diretor era Carlos Alberto Cereto, o qual sempre foi muito ríspido em geral desde a admissão da depoente, mas com a depoente era mais ostensiva a conduta, pois a depoente chegou a reclamar ao superior de Carlos; [afirmou] que Carlos falava na frente de outros colegas ou por e-mail direcionado à depoente ‘que era incompetente, desqualificada, despreparada’, fazia ameaças de demissão; que assediava a depoente dizendo que a depoente estava uma delícia, beijava sua mão, e a fazia dar uma voltinha, fatos que constrangiam a depoente”, informa o documento.
A funcionária denunciou os casos de assédio na mesma época em que ocorreram ao RH da empresa, mas não obteve sucesso. Após prestar queixas, a profissional chegou a trocar de setor, mas meses mais tarde voltou a ser chefiada por Cereto, passando novamente por situações como a que havia confidenciado.
Confira partes dos depoimentos das testemunhas:
“Uma vez, a autora comunicou (no final de 2012) uma discussão com Carlos ao RH e a superiores dele, ocasião em que a autora foi deslocada para outra área, retornando alguns meses depois a ser novamente subordinada a Carlos, pois este passou a coordenar também a área que a autora tinha se deslocado; nessa época, o depoente não estava mais no setor; que presenciou a autora comunicando ao superior, sendo que a comunicação ao RH foi a autora que disse ao depoente; que posteriormente a autora voltou ao Arena SporTV, mas o depoente não presenciou; que Carlos já gritou com o depoente e que já reclamou aos seus superiores; que Carlos enviava mensagens para o depoente e a autora por WhatsApp, e-mail e também telefonava, em qualquer horário do dia e da noite, mas com relação às ligações o depoente não presenciou, mas presenciou os e-mails, pois recebia cópia do mesmo e-mail; que o depoente recebeu ligações de Carlos de madrugada”, relata uma delas.
Em outro trecho da ação, uma segunda testemunha conta que teria visto a ex-funcionária chorando nos corredores após uma discussão com Carlos. A mulher relata que todos na Redação ficavam constrangidos com o que acontecia e que Cereto costumava ter comportamento rude com outros colegas, mas o assédio era ainda mais grave com a autora do processo.
“A depoente tinha bom relacionamento profissional com Carlos Cereto, tendo sido contratada por ele; a depoente também se reportava a ele; [a testemunha também disse] que Carlos não tinha bom relacionamento com a autora, pois ele a tratava rispidamente, reclamava muito e falava em tom de voz alto, além de ser grosseiro desnecessariamente; que Carlos já chamou a autora de incompetente diversas vezes na frente de outros colegas; que a autora se sentia humilhada; que a depoente e demais colegas ficavam constrangidos com a atitude de Carlos em relação à autora; que no geral, Carlos era grosso com todos, mas em relação à autora era mais ostensivo; que presenciou a autora chorando por Carlos ter chamado a atenção dela de modo ríspido”., declara.
Outras denúncias
Ainda de acordo com o “Notícias da TV”, Cereto já havia sido alvo de pelo menos duas outras denúncias do mesmo gênero na Ouvidoria da Globo, também durante o período em que chefiou a Redação do SporTV. Uma delas envolve um grande nome do esporte da emissora, que teve uma briga séria com o jornalista e não fala com ele desde então. Apesar das queixas, nada foi feito.
Outra pessoa envolvida em uma das denúncias disse à publicação que ficou mais triste ainda quando viu o comentarista ganhar, ainda em 2019, seu próprio programa na hora do almoço e se mudar para o Rio de Janeiro para apresentá-lo. O “Acabou a Brincadeira”, que levava o nome de um bordão de Cereto, durou apenas um ano. Depois, o profissional se juntou a André Rizek no “Seleção SporTV”.
Justiça condena Globo em 1ª instância
A juíza Marisa Santos da Costa aceitou o pedido da ex-funcionária na primeira instância. Para a magistrada, ficou comprovado por diversos pontos que Carlos Cereto cometeu o assédio de que foi acusado e que a Globo nada fez para proteger sua contratada: “Assim, reconhece-se a lesão à dignidade da autora, configurando dano moral, restando estabelecer, por arbitramento racional, norteado pelo princípio da razoabilidade, a extensão da compensação correlata”.
A juíza determinou ainda que a Globo pagasse cinco salários mínimos para a ex-funcionária naquele momento. Vale citar que esse não representa um valor final, já que o processo ainda corre na Justiça. “Estabelecidas tais premissas, arbitra-se a indenização no importe correspondente a cinco salários da autora a título de reparação pela prática de assédio moral (mobbing) durante a constância do pacto, tendo em vista a situação social e econômica da reclamada”, concluiu Marisa.
Cereto e TV Globo se manifestam
Nesta quinta-feira (1º), Cereto se manifestou brevemente sobre as acusações, dizendo que só soube das mesmas após a reportagem do “Notícias da TV”. O jornalista acrescentou que prefere não comentar o teor do processo, já que não é réu no caso. “Eu fui surpreendido com este material. Eu não sou réu da ação. A TV Globo, que é a ré, é quem tem que se manifestar”, argumentou.
A TV Globo, por sua vez, emitiu o seguinte comunicado: “A saída do jornalista foi uma decisão de gestão. Sobre a pergunta a respeito de compliance, a Globo não comenta assuntos da Ouvidoria, mas reafirma que todo relato de assédio, moral ou sexual, é apurado criteriosamente assim que a empresa toma conhecimento. A Globo não tolera comportamentos abusivos em suas equipes e incentiva que qualquer abuso seja denunciado. Neste sentido, mantém um canal aberto para denúncias de violação às regras do Código de Ética do Grupo Globo”.