O governo federal gastou mais de R$ 30 milhões com campanhas veiculadas em rádios e TVs de líderes religiosos que apoiam o presidente Jair Bolsonaro, de acordo com o site Agência Pública. Curiosamente, todas as ações publicitárias viabilizadas pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) foram destinadas para veículos de pastores que se reuniram com o chefe de Estado em junho.
Segundo a apuração da notícia, o valor representa quase 10% de tudo que a secretaria desembolsou desde que Bolsonaro assumiu a presidência. Na semana passada, a Secom foi incorporada ao Ministério das Comunicações, que foi recriado pelo presidente.
No mês passado, os líderes religiosos estiveram no Palácio do Planalto, e junto ao chefe de Estado, fizeram uma roda de oração e discutiram o futuro do país. O pastor Silas Malafaia chegou a exaltar a eleição de Bolsonaro em 2018 como um “milagre”. “Eu acredito em milagre. Tive um, primeiro, em setembro de 2018. Depois em outubro. Foi quase um milagre [sua vitória], uma lição”, falou.
A quantia não é destinada 100% às emissoras de rádio e TV, mas também para as agências de comunicação que desenvolvem as campanhas de publicidade. A apuração da Agência Pública divulgou que R$25,5 milhões foram destinados diretamente aos veículos.
A Record TV, Record News e Rádio Guaíba, do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, já teria recebido o montante de R$ 28 milhões com propagandas do governo. Em seguida vem a Fundação Sara Nossa Terra, da igreja de mesmo nome, com o valor R$ 741 mil. A Rede Boas Novas, da Assembleia de Deus, faturou R$ 472 mil, enquanto a Fundação Evangélica Trindade, da Renascer em Cristo, recebeu R$ 402 mil. Por fim, para a Nossa TV, da Igreja Internacional da Graça, foi paga a quantia de R$ 1,5 mil.
Emissoras afiliadas à Record também foram beneficiadas. Cerca de R$ 30 mil foram pagos para a veiculação de propagandas do governo. A TV Pajuçara, afiliada em Alagoas, por exemplo, recebeu R$ 12 mil da Secom. A Agência Pública apurou que o investimento concentrado na emissora foi com o intuito de promover a reforma da Previdência.
Apoio em troca de verba
Esta não é a primeira vez em que pessoas ligadas às mídias religiosas sinalizaram interesse em promover o governo de Jair Bolsonaro. No dia 21 de maio, em videoconferência entre o presidente, sacerdotes, parlamentares e representantes dos grupos católicos de comunicação, houve solicitação de acesso, por parte dos interessados, ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e também à Anatel (Agência de Telecomunicações) e à Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), que é dona do quinto maior orçamento do Executivo, dispondo de R$ 127,3 milhões em contratos com agências de publicidade.
O pedido veio enfaticamente do padre Welinton Silva, da TV Pai Eterno (GO), que declarou que espera que a aproximação com a Secom possibilite a oferta de “uma pauta positiva às ações do governo” sobre a pandemia da Covid 19, uma vez que a população católica é ampla maioria no país. Bolsonaro prometeu empenhar-se pessoalmente no assunto.
O padre e cantor Reginaldo Manzotti, da Associação Evangelizar é Preciso, cobrou agilidade na ampliação das outorgas, dizendo que os católicos podem estancar o desgaste de imagem atual do presidente e de seu governo, contra as mídias negativas.
Já o empresário João Monteiro de Barros Neto, da Rede Vida, reivindicou mais investimentos, para viabilizar o crescimento dos veículos católicos, para que esses sejam “verdadeiramente prestigiados”.
No ano passado, emissoras de TV ligadas a grupos religiosos receberam R$ 4,6 milhões em pagamentos da Secom, por veiculação de comerciais institucionais e de utilidade pública, sendo divididos em R$ 2,2 milhões aos protestantes e R$ 2,1 milhões ao católicos.
A Rede Católica de Rádio possui oito geradoras que distribuem conteúdo para mais de mil emissoras, e nove geradoras de conteúdo para TV. São elas: Aparecida, Nazaré, Imaculada, Horizonte, Pai Eterno, Rede Vida, Canção Nova, Século 21 e Evangelizar – as três últimas ligadas a movimentos da Renovação Carismática Católica.
Posicionamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Em resposta ao encontro, a CNBB publicou uma nota de repúdio aos pedidos de verba solicitados ao governo federal por ala da Igreja Católica que, em troca, prometeu apoio e mídia favorável ao presidente Jair Bolsonaro, conforme publicado pelo Jornal O Estado de São Paulo.
Por meio da publicação, a CNBB declarou sua indignação com a atitude dos representantes desses canais e informou que eles não falam pela instituição. Ressaltaram ainda que a Igreja não atua com troca de favores. A nota também foi assinada pela Associação Católica Internacional Signis Brasil e a Rede Católica de Rádio (CRC).
“Recebemos com estranheza e indignação a notícia sobre a oferta de apoio ao governo por parte de emissoras de TV em troca de verbas e solução de problemas afeitos à comunicação. A Igreja Católica não faz barganhas. Não aprovamos iniciativas como essa, que dificultam a unidade necessária à Igreja, no cumprimento de sua missão evangelizadora, ‘que é tornar o Reino de Deus presente no mundo'”, informou o comunicado, citando um discurso do Papa Francisco.