Nesta sexta-feira (4), o jornalista João Batista Jr, da revista Piauí, publicou uma extensa reportagem reunindo detalhes sobre as denúncias de assédio feitas contra Marcius Melhem, em dezembro de 2019. A publicação apresentou relatos chocantes do caso, principalmente sobre a postura do diretor com a atriz Dani Calabresa. Ainda ontem, o ator concedeu uma entrevista aos jornalistas Maurício Stycer e Dolores Orosco, do UOL, que foi divulgada na íntegra hoje (5), em que assume ter desempenhado um “comportamento tóxico” dentro da empresa, mas nega veemente qualquer acusação de violência sexual.
O diretor declarou que “precisou entender” tudo que tinha acontecido, e que só assim poderia conversar abertamente com os jornalistas. “Depois de um ano eu consigo entender que tudo o que aconteceu e está acontecendo comigo, aconteceu a partir dos meus erros. Hoje eu entendo que eu tive comportamentos, atitudes que não cabem mais. Eu fui um homem tóxico, um marido péssimo, uma pessoa que cometeu excessos em se relacionar com pessoas dentro de seu próprio ambiente de trabalho”, afirmou.
Nesse processo, ele afirma ter procurado ajuda profissional de psicoterapeutas. “[Tem] Coisa que eu não via problema, mas hoje eu vejo todas as nuances que isso pode ter. Entendo que eu, como homem, feri pessoas, magoei pessoas, traí, fui galinha, tudo isso foram erros meus. Cada dia entendo mais, tive muita ajuda, fora terapia muito profunda, tive a ajuda de muitas amigas, muitos amigos, li muita coisa, vi muita coisa e mergulhei na minha própria lama para entender, e ainda estou entendendo, os meus erros”, declarou.
Além dos relatos publicados pela Piauí ontem, em outubro deste ano, a jornalista Monica Bergamo entrevistou a advogada Mayra Cotta, que representa seis mulheres que denunciaram Melhem. Na época, a identidade de todas elas foi preservada, mas a profissional explicou como os abusos se deram. Marcius revelou que irá processar Mayra, e colocou em xeque a veracidade das histórias contadas na matéria da Piauí.
“Essa advogada, Mayra Cotta, traçou um perfil meu de um abusador serial e de uma pessoa que tem hábitos violentos. Eu jamais, embora confesse meus excessos e já confessei aqui e a gente pode conversar sobre eles, eu jamais tive nenhuma relação que não fosse consensual e eu jamais pratiquei nenhum ato de violência com quem quer que seja na minha vida. Esse perfil que foi traçado ali ele não corresponde de forma alguma a quem eu sou”, alegou o ator para o UOL.
Marcius confirmou também que está interpelando para que Dani Calabresa confirme ou desminta o que foi publicado pela Piauí. Apesar de ter se manifestado nas redes sociais sobre o caso, a atriz não mencionou nada a respeito do que foi reportado pela revista. “É uma pena eu ter que fazer isso, mas estou interpelando a Dani Calabresa para que ela confirme ou desminta o teor da matéria da “Piauí”, porque eu e ela sabemos que aquilo não aconteceu”, anunciou ele.
Inclusive, justamente no momento em que Maurício e Dolores entrevistavam o humorista, o posicionamento de Dani foi divulgado no Instagram. “Não tenho o que comentar sobre isso. O que eu tinha para comentar já falei. Não é pelo Instagram que a gente vai definir responsabilidades. Eu e ela sabemos como era nossa relação. Assim como, com certeza, ela tem tudo o que nós trocamos esse tempo todo, como era nossa relação antes e depois daquela festa, eu também tenho. Mas não estou dizendo isso em tom de ameaça, não”, reagiu Marcius.
A festa em questão foi a primeira vez em que o comediante teria assediado Dani Calabresa. Segundo a Piauí, Marcius esperou a atriz do outro lado da porta do banheiro e tentou agarrá-la. Ao reagir, ela bateu a cabeça na parede e pediu que Melhem a deixasse passar. Ele então imobilizou os braços da humorista e tentou novamente beijá-la. Assustada, a artista virou o pescoço, mas o ator conseguiu lamber o rosto da colega. Em seguida, ele tirou o pênis para fora da calça, e Calabresa encostou a mão e os quadris nas partes íntimas do então chefe, ao tentar fugir. Ao reencontrar os amigos no salão, a global teve uma crise de choro e foi confortada pelos atores Luis Miranda e George Sauma.
Embora Melhem garanta que nada disso aconteceu, ele também não dá sua versão sobre o que ocorreu naquela noite. “Eu não vou contar. O que eu posso dizer é que aquilo que aconteceu naquela festa, aquela narrativa [apresentada na “Piauí”] é completamente fantasiosa, irreal. Tenho testemunhas de que aquilo não aconteceu”, respondeu aos jornalistas, sem citar nomes das pessoas que podem defendê-lo.
Ao longo da entrevista, o ator e diretor assume diversas vezes um “comportamento tóxico” e que percebeu ao longo do tempo como suas atitudes foram equivocadas, para dizer o mínimo. Contudo, todas as vezes nas quais foi questionado para detalhar o que fez, Marcius saiu pela tangente. “Nunca ninguém me falou, ou chegou pra mim, ou se queixou que eu estava assediando alguém. Hoje, vejo diferente. Olho para comportamentos que tive, flertes dentro do trabalho, e vejo que alguém pode ter essa leitura”, sugeriu.
“O assédio moral é o terreno mais subjetivo que existe. Porque você pode falar sinceramente uma coisa para alguém, que o texto está ruim, e a pessoa achar que isso é uma ofensa, é uma forma errada de dizer”, completou em outro momento da entrevista.
Embora o processo de compliance feito na Globo tenha reunido dezenas de testemunhas, e a Piauí tenha ouvido 41 pessoas familiarizadas com o caso, Melhem reduziu as acusações a um “plano de vingança” arquitetado contra ele. “Acredito que tem pessoas nesse grupo que genuinamente eu feri e magoei. Eu gostaria muito de saber quem são, entender quem são e se isso aconteceu realmente, que eu acredito que aconteceu, me desculpar, reparar e assumir responsabilidades. Eu quero assumir responsabilidade por qualquer coisa que eu tenha feito. Mas existe também nesse grupo um processo de vingança contra mim”, acusou.
Ao mesmo tempo, o humorista revelou que não teve acesso aos dados do compliance, que correu sob sigilo absoluto nos bastidores da emissora carioca. “Eu não sei nem quem me denunciou, não posso saber. Eu começo adivinhar, como te falei, pela narrativa. ‘Ela disse que você escrevia cenas para beijá-la…’. Aí eu sei quem pode ter dito isso. A identidade da pessoa é totalmente preservada e a investigação corre muito mais ao redor de você do que em cima de você. Então entrevistam dezenas de pessoas e te ouvem também a respeito dessa investigação”, detalhou.
Defesa na Justiça
Marcius Melhem alegou que todas essas denúncias precisam ser resolvidas agora na Justiça, uma vez que não há nenhum processo contra ele. Até então, todos esses casos foram tratados e concluídos pelo compliance da rede Globo. Em agosto deste ano, a emissora anunciou o encerramento do contrato com o ator, mas na nota de divulgação, não mencionou nada a respeito das investigações feitas.
“Eu sou uma pessoa que já estou condenado pela opinião pública, já fui condenado, sem que haja uma vítima que se assuma minha vítima, e nem um processo na Justiça. Muita gente acha que já existe um processo na Justiça, mas não existe”, explicou.
O diretor reforçou que a imagem que está sendo construída sobre ele na mídia e pelas pessoas não corresponderia com a verdade. “É preciso dizer que em cima dos meus erros, e das coisas que eu efetivamente fiz, tem muita coisa sendo falada que é mentira, que eu de forma alguma fiz, e isso preciso combater. Como por exemplo esse perfil construído de que eu seria uma pessoa violenta. Embora eu confesse meus excessos, eu jamais nunca tive nenhuma relação que não fosse consensual e jamais pratiquei algum ato de violência com quem quer seja na minha vida”, alegou.
Posicionamento de Dani Calabresa
Através de sua conta no Instagram, a comediante se pronunciou pela primeira vez sobre o caso, na tarde desta sexta-feira (4). “Nunca quis ser vista como uma mulher assediada… mas pra recuperar minha saúde precisei me defender. Nunca procurei a imprensa. Tomei as medidas cabíveis pra conseguir ajuda. Tudo é muito difícil, DÁ MEDO, vergonha, mas temos que lutar por respeito e justiça. Não passarão. Assédio é crime!“, destacou.
“Obrigada pelas mensagens de apoio. Agradeço demais a Manô Miklos e à Dra. Mayra Cotta pelo apoio. E preciso declarar aqui todo meu amor e gratidão a Maria Clara Gueiros, minha amiga do meio artístico que me apoiou desde o início! Que mulher maravilhosa! Amorosa! Justa! (E hilária!)“, pontuou Dani.
“Toda minha solidariedade às mulheres que passam por isso e têm medo de denunciar. É impressionante a luta que uma mulher precisa travar pra provar que é vítima. DENUNCIEM!!!“, incentivou ela.
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Relembre o caso
Em março deste ano, um comunicado oficial para a imprensa, a Rede Globo anunciou a saída de Marcius Melhem da liderança dos projetos de humor da emissora. Na nota, a Globo afirmou que o humorista deixou a liderança por “motivos pessoais” e revelou ainda que ele solicitou uma licença das funções de roteirista e ator por um período de quatro meses. A decisão veio pouco mais de dois meses após a coluna de Leo Dias reportar que Marcius teria sido denunciado por assédio moral por diversas atrizes experientes da área.
Segundo o jornalista, os nomes de Dani Calabresa e Maria Clara Gueiros apareciam entre as estrelas que fizeram as acusações. Ao hugogloss.com na época, Dani Calabresa disse que não se pronunciaria, mas confirmou que, de fato, estava em contato com a direção da emissora.
Assédio moral no ambiente de trabalho configura qualquer tipo de situação humilhante, constrangedora, repetitiva e prolongada — principalmente em hierarquias. Apesar da denúncia ter partido de mulheres, ela também teria ganhado reforço entre os homens do humor. Marcelo Adnet teria testemunhado a favor das reclamantes, de acordo com a nota de Dias.
Em entrevista à Folha de São Paulo no início do ano, entretanto, Adnet negou ter presenciado qualquer situação do gênero. “Até saiu que eu testemunhei e me coloquei do lado delas, mas isso não aconteceu. Também não quis desmentir oficialmente para não parecer que eu não estava do lado delas. É muito simples. O Marcius é meu amigo, a Dani Calabresa também, todos se falam e acho leviano falar porque não presenciei”, declarou.
Porém, com a repercussão da matéria da Piauí, veio à tona que o humorista movimentou um grupo para cobrar medidas da rede Globo. “Um salve para o Marcelo Adnet por ter liderado um bonde para fazer a cobrança pelo certo. E principalmente por ter aguentado as porradas quando não podia falar publicamente sobre o assunto. Deve ter sido foda segurar a língua quando todo mundo te chamava de passa-pano'”, escreveu o ex-CQC Roland Rios.
Adnet por sua vez, respondeu, deixando claro que não se manifestou na época, em pedido das vítimas: “Obrigado. Fiz o mínimo, agi e respeitei totalmente o sigilo que as vítimas pediram. A história é muito pesada e traumática para os envolvidos”.
Obrigado. Fiz o mínimo, agi e respeitei totalmente o sigilo que as vítimas pediram. A história é muito pesada e traumática para os envolvidos. https://t.co/AJEmvYKJZ6
— Marcelo Adnet (@MarceloAdnet) December 4, 2020
TV Globo se manifesta
Em comunicado enviado à imprensa na sexta-feira, a emissora declarou que “incentiva a denúncia de abusos“, “não tolera comportamentos abusivos em suas equipes” e que “apura criteriosamente” acusações dessa natureza. Confira a nota na íntegra, abaixo:
“A Globo não comenta questões de compliance, mas reafirma que todo relato de assédio, moral ou sexual, é apurado criteriosamente assim que a empresa toma conhecimento. A Globo não tolera comportamentos abusivos em suas equipes e incentiva que qualquer abuso seja denunciado. Neste sentido, mantém um canal aberto para denúncias de violação às regras do Código de Ética do Grupo Globo. Por esse Código, assumimos o compromisso de sigilo do processo, assim como o de investigar, não fazer comentários sobre as apurações e tomar as medidas cabíveis, que podem ir de uma advertência até o desligamento do colaborador. Mesmo nas hipóteses de desligamento, as razões de compliance não são tornadas públicas.
Somos muito criteriosos para que os estilos de gestão estejam adequados aos comportamentos e posturas que a Globo quer incentivar e para que as medidas adotadas estejam de acordo com o que foi apurado. Não foi diferente nesse caso. O acolhimento e a empatia com quem relata situações de violação do Código de Ética são pontos essenciais do programa de compliance da empresa.
Isso não quer dizer que os processos de compliance sejam estáticos. Ao contrário. Eles evoluem constantemente para acompanhar as discussões da sociedade. As práticas e as avaliações são revistas o tempo inteiro, assim como são propostas e acolhidas sugestões de melhoria nos mecanismos de comunicação interna. A própria sociedade está se transformando e a empresa acompanha esse processo”.
Maria Clara Gueiros se defende
Em dezembro do ano passado, quando da eclosão das denúncias, uma nota de Leo Dias, no UOL, apontava que Marcius teria sido acusado de assédio por Dani Calabresa e Maria Clara Gueiros. Na ocasião, a atriz carioca usou as redes sociais para falar sobre o assunto. “Esclarecendo: Eu não fui vítima de assédio moral e não fiz denúncia”, escreveu Gueiros, sem mencionar o caso de assédio a Dani que presenciou durante ensaio no Projac.
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Por conta disso, a atriz foi hoje (4) acusada nas redes sociais de não ter se posicionado em prol de Dani lá atrás. Diante das críticas recebidas, Maria Clara se defendeu: “Estou ao lado de Dani Calabresa desde o princípio. Nossa luta foi incansável e construída com parcimônia e coragem. Fui testemunha do que ela passou e tenho muito orgulho de fazer parte da construção de tempos melhores. Erguemos uma estrutura de amizade, confiança e proatividade nesse último ano e conseguimos nos fazer ouvir“.
“E pros desavisados que me xingam dizendo que eu não ajudei a Dani, quero avisar que estive o tempo todo de mão dada com ela. Neguei que fiz uma denúncia de assédio moral em dezembro do ano passado, pois realmente não fiz, e isso é um fato. O resto todo é parceria, apoio, coragem e trabalho. Te amo, Dani”, rebateu ela.
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