No último sábado (12), o jovem Matheus Ribeiro foi acusado de roubar uma bicicleta elétrica no Leblon, no Rio de Janeiro, e teve que provar que a bike era sua. O vídeo da discussão viralizou e causou muita revolta na web, com uma série de críticas ao que o rapaz sofreu. Já nesta terça-feira (15), as duas pessoas que confrontaram Matheus foram identificadas e demitidas de seus empregos.
O homem que interroga Matheus foi apontado como funcionário da Paper Craft. Após as identidades virem à tona, a empresa foi cobrada por centenas de pessoas para que se posicionasse sobre o assunto. Na manhã de hoje, a companhia confirmou a demissão do estudante de design através de comentários no Instagram. “O funcionário já está desligado da empresa”, escreveu o perfil da marca. Até o momento, não houve um posicionamento oficial. Enquanto isso, internautas especulam e afirmam que ele supostamente seria filho da dona da Paper Craft.
Já a mulher foi apontada como professora de ballet. O Espaço Vibre, local em que ela lecionava, emitiu um comunicado oficial sobre a demissão dela e repudiou veementemente o racismo. “Estamos consternados com o que tomamos conhecimento e tratando o assunto com toda gravidade que ele merece. Racismo é crime e não vamos compactuar com isso. A professora envolvida no ato foi demitida e já não faz mais parte do nosso quadro de funcionários”, escreveu a empresa.
A companhia também prestou apoio a Matheus. “Nos solidarizamos com o Matheus pela dor sofrida e mesmo que o gesto condenável não tenha ocorrido dentro de nosso espaço, esta é uma violência que todos temos que combater juntos”, continuou o texto. Vibre pontuou que é um espaço que busca pela inclusão e manifestou o desejo de que o triste ocorrido seja estopim para mudanças. “Que esse inaceitável acontecimento sirva como reflexão e gere ações afirmativas de combate ao racismo”, finalizou o texto. Confira a mensagem na íntegra abaixo:
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De acordo com o jornal “O Globo”, a ocorrência do caso foi registrada e remetida à 14ª DP, no Leblon. A delegada Natacha Alves de Oliveira falou sobre o caso e afirmou que o jovem não apresentou critério racial no teor de seu relato. Por conta disso, eles aguardam os depoimentos para determinar qual crime será investigado ou não. Segundo a publicação, a vítima é aguardada para prestar depoimento ainda nesta terça (15).
Quanto ao casal, apenas a menina envolvida foi identificada pela vítima e já foi intimada para ser ouvida nesta quarta-feira (16). Entretanto, “O Globo” menciona que o estudante de design também pode ser chamado pela polícia, a depender dos depoimentos.
Entenda o caso
No último sábado (12), o instrutor de surfe Matheus Ribeiro foi acusado por um casal de roubar uma bicicleta. Apesar de ter explicado que aquela bike elétrica era dele, os dois não recuaram, até descobrirem por conta própria que estavam enganados. Matheus registrou o desfecho da cena, denunciou o racismo que sofreu, e o vídeo causou muita indignação pela web.
O caso aconteceu em frente ao Shopping Leblon, no Rio de Janeiro. Matheus, que é morador da Maré, aguardava sua namorada em pleno Dia dos Namorados, até que foi surpreendido pelo casal. De acordo com o instrutor de surfe, o homem teria lhe perguntado: “Você pegou essa bicicleta ali agora, não foi?”. A moça, por sua vez, teria afirmado com certeza: “É sim! Essa bicicleta é minha!”.
Diante das acusações, Matheus relatou que mostrou a chave do cadeado da bicicleta, abriu fotos antigas dela em seu celular e provou que era dono da bike. Nada adiantou e eles continuaram insistindo na versão do roubo. O casal só desistiu quando o homem branco tentou abrir o cadeado e viu que realmente não funcionava. “Eu só consegui provar que a bicicleta é minha quando, sem minha autorização, o lindo rapaz pega o cadeado da minha bicicleta e tenta abrir. Frustrado com sua tentativa, ele diz que não me acusou, afinal, o rapaz só estava perguntando…”, escreveu Ribeiro.
Segue o vídeo do ocorrido. Matheus estava apenas esperado a namorada dele. Além de passar por isso, Ele teve que provar para esses babacas que a bike era dele, mostrando fotos etc.
Continuem expondo a foto desses racistas. Tem que se ferrar e muito!pic.twitter.com/iU4qhQgsn5
— laerte (@brenolaerte) June 14, 2021
O vídeo publicado por Matheus trouxe à tona apenas os momentos finais da discussão, quando o jovem finalmente prova o equívoco e os dois vão embora. Após a situação, o morador da Maré desabafou em seu perfil no Instagram. “Moral da história: esses filhos da p*** não aguentam nos ver com nada. No mesmo lugar que eles?! Piorou. Eu não era alguém pedindo esmola ou vendendo jujuba… Um preto numa bike elétrica?! No Leblon???! Ah só podia ser, eu acabei de perder a minha, foi ele…”, disse ele.
Ribeiro também não se calou sobre o julgamento racista do qual foi vítima. “São coisas que encabulam o racista. Eles não conseguem entender como você está ali sem ter roubado dele, não importa o quanto você prove”, acrescentou. “Isso não foi um desespero de quem foi furtado, isso é o desespero do racista quando vê a gente perto. […] Ela não tem ideia de quem levou sua bicicleta, mas a primeira coisa que vem a sua cabeça é que algum neguinho levou”, apontou o jovem. Confira a publicação na íntegra abaixo:
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Matheus reconhece que presença da polícia “poderia ser pior”
Em entrevista ao jornal “O Globo”, Matheus Ribeiro contou que já foi vítima de racismo outras vezes, mas nunca tinha encarado uma situação tão constrangedora. “A gente que é negro convive com esse tipo de situação desde sempre. Mas nunca tinha sido tão constrangedor, apesar de não ser inédito”, contou. Por viver essa triste realidade na pele, ele sempre busca se informar muito: “Eu assisto e leio muito sobre o assunto. Além de estar em pauta, a gente passa por isso, né, cara. Uma pessoa branca pode se interessar, mas eu vivo o assunto, preciso saber sempre como lidar com isso”.
O jovem também comentou a abordagem pelas duas pessoas brancas que o acusaram. “Estamos no Rio, claro que todo mundo tem medo de ser assaltado. Mas ali não havia nenhuma situação diferente, estava todo mundo parado na rua. Por que eles pensariam que fui eu? Essas coisas que a gente fica se perguntando”, afirmou.
O instrutor de surfe já imagina que o caso não vá para frente através de vias legais. Mesmo assim, ele registrou ocorrência na polícia após ser aconselhado a fazer isso. “O que eu espero é que no mínimo as pessoas que fizeram isso tenham consciência do que estão fazendo. Minha intenção na delegacia não é ganhar cesta básica. Eles aparentavam ser jovens formados nos estudos, e com informações que temos, precisamos estar ligados com isso”, mencionou.
Por fim, Matheus reconhece que caso a polícia tivesse flagrado a cena, o desfecho poderia ter sido outro. “Conversei com amigos do trabalho hoje e eu falei que dei sorte de não ter passado polícia. Para a polícia, até explicar que a bicicleta era do preto no Leblon, poderia ser pior”, refletiu ele.