Hugo Gloss

Boate Kiss: Sobrevivente que teve perna amputada e 18% do corpo queimado dá depoimento impactante em julgamento: “A última vez que eu corri foi para tentar me salvar da morte”; assista

O julgamento do caso da boate Kiss ouviu sua segunda testemunha na noite desta quarta-feira (1º), no Foro Central de Porto Alegre (RS). Em um depoimento impactante, Kelen Giovana Leite Ferreira, que esteve no local da fatídica festa no dia 27 de janeiro de 2013, recordou os momentos de terror do incêndio, as dores da perna amputada e não conseguiu conter a emoção ao falar sobre tudo o que enfrentou nos anos que sucederam o ocorrido.

Segundo informações do G1, a jovem, hoje com 28 anos, foi às lágrimas ao recordar detalhes do episódio e ao falar sobre as lesões e queimaduras que sofreu. Abalada, Kelen relatou que quando viu a movimentação do público, não pensou que fosse um incêndio. “Eu só vi que cruzou uma multidão na minha frente, que veio da pista de baixo. E aí eu me atinei em correr, porque eu achei que fosse briga”, declarou.

Então, em uma tentativa de fugir da confusão, ela saiu em disparada e foi neste momento que sua sandália ficou presa no tornozelo. O calçado cortou sua circulação sanguínea, o que, eventualmente, resultou na amputação de parte de sua perna. “Eu queimei 18% do corpo e eu perdi meu pé. Eu uso uma prótese. (…) A última vez que eu corri foi para tentar me salvar da morte”, desabafou Ferreira. “Quando eu corri, eu caí na frente do bar de madeira e quando eu cheguei na porta, eu caí. Foi aí que eu vi que era fogo, porque eu senti os meus braços queimarem. Era muito, muito, muito calor e um cheiro muito forte”, detalhou.

Fachada da Boate Kiss, cenário da tragédia em Santa Maria (RS) (Foto: Divulgação/Polícia Civil do Rio Grande do Sul)

Kelen contou, ainda, que tentou cobrir o rosto com seu vestido para não inalar a fumaça que vinha da boate e que, assustada, tentou rezar. “Eu rezei, eu pedi pra Deus que eu não queria morrer ali, porque eu achei que eu ia morrer ali, e pensei na minha família”, disse a jovem, muito emocionada. Ao júri, a vítima apontou que visitava com frequência a boate e que nunca viu extintores de incêndio. Ela confirmou, ainda, que ouviu que pessoas foram impedidas de sair do local sem pagar a conta e que, no dia do incêndio, não escutou ninguém anunciar o que estava acontecendo no interior do estabelecimento.

Durante o depoimento, Ferreira fez um desabafo pra lá de forte sobre o longo e doloroso processo de aceitação pelo qual passou após a tragédia. Ela também não poupou críticas a um documentário produzido pela defesa de um dos réus, no qual ele fala sobre o processo e o incêndio.

“Dor não é gravar um vídeo e chorar. Dor é passar esses oito, quase nove anos, o que eu passei lá dentro, o que eu passo na minha pele, o que eu passo andando na prótese, machuca. Isso é dor. Dor é quando eu olhei muito tempo no espelho e chorei por ter ficado assim”, desabafou ela, em tom de revolta. “Porque vítimas aqui somos nós, quem sobreviveu, quem passou aquele massacre. Quem tem que entender essa dor são vocês, os réus, a dor nossa (dos sobreviventes), que a gente vem passando esses 9 anos. Que a gente sente na pele, que a gente sente dentro do coração também”, disparou Kelen, ao se dirigir aos donos da boate.

Na sequência, a promotoria questionou se Ferreira teve a mesma percepção de outros depoentes de que “a [boate] Kiss era um labirinto”, fato que foi confirmado por ela. Assista ao depoimento na íntegra:

O julgamento

O Tribunal do Júri sobre o caso da Boate Kiss teve início nesta quarta-feira (1º), no Foro Central de Porto Alegre (RS). Os réus são os dois sócios do estabelecimento, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos, além do ex-produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão.

Luciano Bonilha Leão, um dos réus do caso da Boate Kiss, chorou e se desesperou ao chegar no julgamento. (Foto: Reprodução)

Eles já ficaram presos por quatro meses, mas agora respondem pelo caso em liberdade. Os réus serão julgados pelos crimes de 242 homicídios simples com dolo eventual – por todas as vítimas fatais da tragédia –, e 636 tentativas de homicídio – referentes a todos os que saíram feridos do episódio, que abalou a cidade de Santa Maria (RS) em janeiro de 2013.

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