Governo Bolsonaro pediu propina de 1 dólar por dose de vacina contra o coronavírus, diz representante de empresa

Bolsonaro Vacina Astra Zeneca

Mais um escândalo envolvendo as vacinas contra o coronavírus veio a tona nesta terça-feira (29). Uma matéria publicada pela Folha de São Paulo relatou um pedido de propina que teria sido feito por Roberto Ferreira Dias, diretor de Logística do Ministério da Saúde. Segundo Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, a negociação pedia US$ 1 (R$ 4,96) por dose comprada pela pasta.

A oferta indecente teria sido feita durante um jantar entre Roberto Dias e Luiz Paulo, em Brasília, no dia 25 de fevereiro. A Davati entrou em contato com o Ministério da Saúde para negociar 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca, com uma proposta que cobrava US$ 3,50 (R$ 17,50) por cada dose, depois disso o valor passou a US$ 15,50 (R$ 76,83). “O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa, muito asquerosa”, afirmou Dominguetti.

Cristiano Alberto Hossri Carvalho, que se identifica como procurador da Davati no Brasil e também aparece nas negociações com o ministério, foi quem apontou o nome Luiz Paulo Dominguetti para a Folha de São Paulo. “Eu falei que nós tínhamos a vacina, que a empresa era uma empresa forte, a Davati. E aí ele falou: ‘Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo’. E eu falei: ‘Mas como compor com o grupo? Que composição que seria essa?'”, indagou o profissional.

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“Aí ele [Roberto Dias] me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não composse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo”, entregou Cristiano. “Eu falei que não tinha como, não fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não operavam daquela forma. Ele me disse: ‘Pensa direitinho, se você quiser vender vacina no ministério tem que ser dessa forma”, completou Dominguetti em seu relato à Folha de São Paulo.

Para o jornal, o representante reforçou que a proposta era aumentar o preço em US$ 1 para cada vacina. “E, olha, foi uma coisa estranha porque não estava só eu, estavam ele [Dias] e mais dois. Era um militar do Exército e um empresário lá de Brasília”, recordou Luiz Paulo, acrescentando que os registros do circuito interno de segurança do restaurante podem confirmar que ele realmente esteve com Roberto Ferreira Dias. “Ele ainda pegou uma taça de chope e falou: ‘Vamos aos negócios’. Desse jeito. Aí eu olhei aquilo, era surreal, né, o que estava acontecendo”, lamentou.

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Governo teria pedido propina para adquirir as vacinas Astrazeneca. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Luiz Paulo Dominguetti explicou que chegou a ter um encontro mais formal no Ministério da Saúde, com a participação de Élcio Franco Filho, ex-secretário-executivo da pasta. A oferta foi rejeitada, com o argumento que a vacina estava disponível. Faltando um dia para deixar Brasília, o representante foi convidado para o jantar com Roberto Dias. “Me surpreendi que a gente ia jantar. Fui surpreendido com a ligação de que iríamos encontrar no Vasto, no shopping. Cheguei lá, foi onde conheci pessoalmente o Roberto Dias”, afirmou.

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O suposto pedido de propina foi prontamente rejeitado. “Eu falei que não fazia, que não tinha como, que a vacina teria que ser daquela forma mesmo, pelo preço que estava sendo ofertado, que era aquele e que a gente não fazia, que não tinha como. Aí ele falou que era para pensar direitinho e que ia colocar meu nome na agenda do ministério, que naquela noite eu pensasse e que no outro dia iria me chamar”, falou Luiz.

No dia seguinte, o representante esteve no Ministério da Saúde, começou a conversar com Roberto Dias sobre questões burocráticas da compra legítima da vacina com a oferta inicial. Em certo momento, Dominguetti foi deixado esperando e recebeu uma ligação. “Eu recebi uma ligação perguntando se ia ter o acerto. Aí eu falei que não, que não tinha como. Isso, dentro do ministério. Aí me chamaram, disseram que ia entrar em contato com a Davati para tentar fazer a vacina e depois nunca mais. Aí depois nós tentamos por outras vias, tentamos conversar com o Élcio Franco, explicamos para ele a situação também, não adiantou nada. Ninguém queria vacina”, declarou.

Ainda segundo os relatos de Luiz Paulo Dominguetti, Roberto Dias afirmou que “tinha um grupo, que tinha que atender a um grupo, que esse grupo operava dentro do ministério, e que se não agradasse esse grupo a gente não conseguiria vender”. Questionado pela Folha de São Paulo sobre qual “grupo” seria esse, o profissional respondeu: “Não sei. Não sei quem que eram os personagens. Quando ele começou com essa conversa, eu já não dei mais seguimento porque eu já sabia que o trem não era bom”.

Diretor de logística é exonerado

Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Sua nomeação ocorreu em 8 de janeiro de 2019, na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM). A publicação buscou, sem sucesso, contato com o diretor na noite desta terça. Ele não atendeu às ligações. Com a denúncia de propina, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, revelou para a CNN Brasil que Dias será exonerado de seu cargo. A decisão será publicada nesta quarta-feira (30), no Diário Oficial da União.

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A matéria da Folha de São Paulo chegou ao conhecimento do presidente da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM), que usou sua conta no Twitter para se manifestar a respeito do assunto. “Denúncia forte. Vamos convocar o senhor Luiz Paulo Dominguetti Pereira para depor na #CPIdaPandemia na próxima sexta-feira, dia 02/07”, compartilhou.

Com mais essa denúncia, o enfrentamento da pandemia do coronavírus no Brasil ganha mais uma polêmica em sua conta. A investigação da Folha de São Paulo sobre a compra da Astrazeneca, por exemplo, foi motivada pelo escândalo envolvendo a compra da Covaxin. As negociações levantaram suspeita de superfaturamento e corrupção nas últimas semanas, a ponto de serem discutidas e averiguadas na CPI da Covid. O valor pago pelas doses da empresa Bharat Biotech seria 1000% maior do que o anunciado pela fabricante.

Além disso, o servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde, e o irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), denunciaram “pressão atípica” para que a compra fosse acelerada. A empresa Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com o laboratório indiano, também já havia se envolvido em escândalos no ano passado, investigada por uma suposta fraude na venda de testes rápidos para Covid-19. Hoje, Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, e Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União (CGU), anunciaram a suspensão do contrato de compra da vacina Covaxin.

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Além disso, o imunizante da Pfizer também virou alvo de investigação na CPI da Covid. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, relatou que 53 e-mails da empresa sobre a negociação de vacinas contra a Covid-19 ficaram sem resposta do governo brasileiro no ano passado, comprovando a omissão na aquisição do produto. Com a “esnobada” inicial, o diálogo com a Pfizer ficou mais complicado. Em maio deste ano, por exemplo, a empresa cobrou R$ 1 bilhão a mais que o valor praticado em um contrato anterior para adquirir 100 milhões de doses do imunizante.