Uma grande tradição do mundo miss será quebrada este ano. Nesta quinta-feira (4), a atual Miss Brasil, Julia Gama, surpreendeu ao revelar que foi “desconvidada” a participar da cerimônia de coroação de sua sucessora. Em entrevista exclusiva ao hugogloss.com, a vice-Miss Universo contou como tudo aconteceu, desabafou sobre o caso, e sugeriu que dois posicionamentos seus poderiam ter levado à decisão. Procurada por nossa equipe, a organização do concurso explicou a decisão.
Segundo Julia, o convite para estar presente na cerimônia do Miss Universo Brasil 2021 veio em julho. Mas, na semana passada, a organização do concurso comunicou que ela não participaria mais do evento. “Eles enviaram um e-mail bem simples e secos dizendo: ‘Prezada Julia Gama, informamos que a sua presença no Miss Universo Brasil não será necessária’. E pronto, foi só isso. Escrevi inúmeras vezes perguntando a razão, o que eles queriam falar pro público, qual era o posicionamento. Eles não quiseram”, relatou ela, dizendo que aguardou até o último minuto para saber se mudariam de ideia, já que o concurso acontece no próximo dia 6.
Posicionamento contra Jair Bolsonaro
De julho para cá, uma coisa mudou: Julia se manifestou contra Jair Bolsonaro pela primeira vez. “Enquanto eu tinha o contrato com eles de Miss Brasil, que foi até o dia 31 de maio, eu nunca me posicionei politicamente, embora a organização não fosse neutra e seus presidentes, donos e diretores se pronunciassem constantemente a favor do Bolsonaro. Eu, como a cara e a imagem da organização, era tachada de bolsonarista por todos o tempo inteiro, porque eu era neutra. Eu não me manifestava porque, por contrato, eu deveria me manter neutra. O meu contrato acabou em maio”, recordou ela.
Até que, em setembro, meses depois do fim do seu vínculo, Julia gravou um vídeo contra o presidente da República. “Numa das manifestações [pró e contra o presidente], eu achei que finalmente era o momento de me posicionar. Eu não tinha mais contrato e eu não queria mais ver os meus seguidores ‘decepcionados’ comigo por acharem que eu era bolsonarista. Eu aguentei muito tempo esse rótulo sem ser verdade, mas não é. Então, eu resolvi me posicionar. Fiz um vídeo contra o Bolsonaro, contra as atitudes do governo, coisas que eu não concordo. Coincidentemente ou não [veio o “desconvite”, no final de outubro]“, explicou Gama.
Declarações em prol dos direitos das misses
Julia também já se manifestou contra atitudes que considera “machistas” no mundo miss, como algumas tentativas de controle da vida privada das modelos, e a falta de espaço para levantar suas vozes. Para ela, essa opinião pode ter lhe causado a consequência de não participar da cerimônia de sucessão. “Teve uma entrevista que eu dei – e eu avisei que daria –, me posicionando, dizendo que eu achava machista os concursos quererem controlar a vida privada das candidatas – de ter namorado, não ter namorado, estar acompanhada ou não estar acompanhada”, mencionou.
“Na entrevista, eu defendi que o papel da miss é representar um povo, representar uma nação, ter uma voz, apoiar as causas sociais, realmente ter representatividade e não ser um chamarisco para patrocinadores por ser solteira”, disse ela. A gaúcha também deixou claro que aceitou ser Miss Brasil com a intenção de fazer a diferença. “Eu voltei pro mundo miss com o intuito de que fosse um ambiente mais saudável pras misses, onde nós fôssemos mulheres do século XXI, que têm opinião, que têm algo a mais do que apenas beleza estética pra entregar pro mundo. Eu deixei claro isso desde o início”, reforçou.
Gama confessa que já foi proibida de se manifestar em outras situações durante seu reinado. Entretanto, ela ressalta que não tem como dizer se foi isso que a fez ficar de fora da cerimônia, visto que não foi informada sobre o motivo oficial. “Eu não sei se foi por isso, mas realmente já fazia dois meses que a organização não me respondia, não respondia e-mails, não respondia WhatsApp, não respondia nada. Eu querendo saber cronograma do concurso pra poder organizar os looks, etc, ninguém me respondia. E eu com tudo sendo arranjado porque eu havia me comprometido, pedi dispensa do trabalho, abri minha agenda, tudo pra poder cumprir com isso que é um protocolo do Mundo Miss”, afirmou ela.
Prejuízos e ausência de respostas
Sem um parecer da organização do concurso, Julia pontuou que pediria desculpas se soubesse que algum possível deslize teria levado a isso. “Eu acho que todos somos humanos e somos factíveis de erros. Então, se tem algum momento em que eu errei, eu não tenho problema nenhum em reavaliar isso”, declarou. Mas a brasileira, que foi a primeira em anos a chegar no 2º lugar do Miss Universo, acredita que sua trajetória não deixou nada a desejar. “Eu me dediquei cem por cento ao título de Miss Brasil. Eu abri mão de todos os meus compromissos, eu morava na China e voltei pro Brasil pra assumir esse título e eu respirei esse título todos os dias, me dedicando pra trazer o melhor para o Brasil no Miss Universo”, opinou.
Com todos os gastos envolvidos nos preparativos do momento especial, Julia revelou que teve um prejuízo em torno de R$ 25 mil reais, valor que inclui os bilhetes para o cruzeiro em que ocorrerá a coroação de sua sucessora. Sem poder participar desse momento, ela também desabafou: “Miss nenhuma está acima do Miss Brasil e organização nenhuma está acima do Miss Brasil. Então, pra mim, quando eu vejo essa tradição sendo quebrada, eu fico muito triste. Principalmente pelos fãs, que são fãs muito apaixonados, dedicados, que realmente dedicam a vida deles a nutrir o mundo miss. Fico triste por não ter o meu momento de despedida, mas principalmente por não entregar para os fãs o que eles esperam e o que eles merecem”.
Miss Universo Brasil alega descumprimento de contrato
Procurada pelo hugogloss.com, o Miss Universo Brasil explicou o que motivou a dispensa de Julia Gama para a tradicional cerimônia. Segundo o concurso, a modelo teria descumprido cláusulas do contrato com a organizadora. Em seu comunicado, o MUB ainda lamentou as reclamações da gaúcha e acusações de machismo envolvendo as regras da franquia. Confira a nota na íntegra abaixo:
“Júlia Gama, Miss Universo Brasil 2020, não irá passar a faixa para a vencedora do concurso da edição 2021. A decisão foi tomada em razão de a Miss ter descumprido com cláusulas do contrato firmado com a organizadora do concurso. Ao contrato realizado com a empresa, a candidata compromete-se a zelar pela imagem do concurso nacional e internacional (Miss Universe) e pelo título – cláusula esta prevista e mandatória em todos os contratos das candidatas que concorrem ao certame internacional.
Ao longo dos últimos meses, contudo, a Miss gerou polêmica ao questionar na mídia e para fornecedores as regras do concurso, acusando a organização de ser ultrapassada e machista ao seguir as regras previstas ao contrato de franquia com o Miss Universe, afetando, assim, a imagem do maior concurso de beleza do mundo. A organização declara que o Miss Universo Brasil é uma franquia e segue as normas internacionais do evento”.
Confira mais da entrevista com a Miss Brasil Julia Gama:
Hugo Gloss: Você comentou sobre sua luta para que as misses representassem mais do que a beleza estética, que pudessem se expressar, não fossem vistas apenas como oportunidades pra publicidade. De alguma forma, esse seu movimento foi desrespeitado? Você acha que ainda tinha muitos empecilhos quanto a isso dentro da organização e do mundo miss no geral?
Julia Gama: Acredito que, como misses, não devemos polarizar. Nossas opiniões devem ser usadas com parcimônia, especialmente para defender princípios, valores. Nisso, eu concordo. Quando estamos no cargo de misses, deixamos de ser apenas nós, representamos um país inteiro e devemos ser responsáveis quanto a isso. No entanto, temos a responsabilidade de nos posicionarmos frente a temas que infracionam o bem comum. Sendo Miss, eu não deixo de ser cidadã. E meu papel de cidadã deve prevalecer.
Houve, sim, algumas vezes durante meu reinado em que fui proibida de me posicionar ou criticada por haver me posicionado de causas que eu julgo importantes. Entendo que eles fazem isso para proteger a imagem da Miss. Para não perder apoiadores. Mas eu não estou disposta a hipotecar meus valores. Para mim, meus valores não podem ser comprados com número de seguidores.
HG: Você também é a representante brasileira que chegou mais longe nos últimos anos, trouxe novamente o título de Vice-Miss Universo pra casa. O que a sua ausência no próximo Miss Brasil representa para o cenário Miss, para essa tradição brasileira?
JG: Para mim, o Miss Universo Brasil está acima de qualquer Miss, mas também está acima de qualquer organização que esteja na direção do concurso. Vejo isso como um profundo desrespeito à tradição do Miss Universo Brasil e com os fãs que dedicam tanto tempo dos seu dias para manter a chama do Miss acesa. O Miss só existe pelos fãs. Eles esperam pelo momento da despedida de uma Miss, eles merecem esse momento. Fico triste com esta decisão deles, mas respeito.
Só espero que a próxima Miss não tenha medo de se posicionar por medo de sofrer represálias. Estamos no século XXI, mulheres são mais do que um rosto bonito e obediência. Temos ideias, princípios e sangue nas veias. Torço pro sucesso do concurso e da próxima Miss Universo Brasil. Minha sucessora poderá contar comigo no que precisar!
HG: Você ainda vai assistir ao evento? Já consegue imaginar mais ou menos o valor do prejuízo que você e sua família vão ter com tudo isso?
JG: Eu confesso que, com toda essa situação, perdi a vontade de acompanhar o concurso este ano. Mas com certeza estarei na torcida pela nova Miss Universo Brasil no Miss Universo, pois acima do meu orgulho de querer brilhar como pessoa, eu quero que o Brasil brilhe! Eu e minha família tivemos um prejuízo de pelo menos 25 mil reais, sem falar em todo o investimento dos meus apoiadores – estilistas e marcas.
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HG: Você imagina que eles vão simplesmente “fingir que você não existiu”, ou acredita que eles ainda podem chamar você pra alguma coisa, mencionar seu reinado? O que você pensa sobre isso?
JG: Sim, acredito que eles vão tentar ignorar minha existência na história do Miss Universo Brasil. Fico triste, pois mesmo com opiniões divergentes, acredito que trabalhamos muito bem juntos e conquistamos o título de vice-Miss Universo! Mas, para mim, a vida continua, sou atriz formada e me dedico a todos os meus objetivos. Sei que muitas oportunidades surgirão daqui para frente, já gravei dois longa-metragens na China, agora quero me posicionar artisticamente no Brasil. Quero atuar e apresentar. Quero usar minha voz para seguir representando o Brasil aonde eu vá!
HG: E você comentou sobre novos objetivos… O que vem a seguir, quais são seus próximos projetos, próximos trabalhos? Você considera voltar pra China, viajar pra outro lugar, ou vai se fixar no Brasil mesmo?
JG: A carreira internacional é incrível, mas morar no nosso país, sentir o amor da nossa gente tem um gostinho muito especial. Quero agora solidificar minha carreira como atriz e apresentadora no Brasil e na América Latina. Estou pronta para novos desafios e para levar o nome do Brasil ainda mais longe!