A morte trágica e precoce de Marília Mendonça, aos 26 anos, após um acidente aéreo em Minas Gerais, é difícil de ser assimilada. Junto da cantora, outras quatro pessoas faleceram na queda ocorrida nesta sexta-feira (5), incluindo o tio da artista, Abicieli Silveira Dias Filho; seu produtor, Henrique Ribeiro; o co-piloto do avião, Tarcísio Pessoa Viana, e e o piloto, Geraldo Martins de Medeiros Júnior. Como forma de tentar “digerir” tudo isso e homenagear a sertaneja, celebridades e anônimos se manifestaram em massa nas redes sociais, recordando a carreira meteórica da estrela na música.
Aos 12 anos (!), Marília Mendonça já chamava a atenção pela forma como compunha, tendo sido responsável por escrever o hino “Minha Herança” nesta época. E por incrível que possa parecer, ela não era muito chegada no sertanejo, não. Achava que era “música de corno”. Um dia, cantando debaixo de uma árvore, um homem a abordou e sugeriu que ela deveria fazer uma dupla e ir cantar em Goiânia.
A jovem, que preferia pop e rock, rejeitou a ideia. O homem, por sua vez, sentenciou que quando ela fosse traída pela primeira vez, acabaria rendendo-se ao gênero musical. “Aconteceu igualzinho. Foi uma praga. Eu era uma das pessoas que chamava sertanejo de música de corno, até acontecer comigo, até eu ser corna”, revelou Marília em entrevista no “Conversa com o Bial”, em 2017. Depois disso, ela ficou nos bastidores compondo para outros sertanejos.
Apenas em 2014, quando completou 18 anos, ela finalmente se lançou como cantora. “O escritório estava esperando o momento certo para me lançar. Meu empresário sempre falava: ‘Marília, você ainda é muito nova. Quero que você fique nos bastidores’. Ter trabalhado esse tempo como compositora me ajudou muito. Pude ver como é a cena. Só não imaginava que tudo aconteceria tão rápido”, contou ao UOL.
Em 2016, a música “Infiel” invadiu todas as rádios brasileiras e apresentava – para a maioria das pessoas – a voz marcante e poderosa de Marília Mendonça. Nos meses seguintes, ela se tornaria um dos maiores nomes do “feminejo”, movimento de grandes artistas femininas que cantam o ritmo, predominantemente comandado pelos homens. Marília despontou como a “rainha da sofrência”, apresentando letras empoderadoras para muitas mulheres, e românticas também, mas com um olhar diferente ao que todos estávamos acostumados.
Com o DVD homônimo, a goiana chegou no mercado mostrando pra valer seu potencial, com versões praticamente acústicas e num formato bem simples. Daí estouraram “Como Faz Com Ela”, “Alô, Porteiro”, “Folgado”, “O Que Falta em Você Sou Eu”, “Meu Cupido é Gari” e “Impasse”, feat com os amigos Henrique e Juliano.
Em 2017, Marília parou Manaus com a gravação de “Realidade”, seu segundo DVD. Ao vivo, a gravação já mostrava o alcance da sertaneja ao lotar o sambódromo da cidade. Do projeto, saíram os hinos “Traição Não Tem Perdão”, “Não Casa Não”, “Se Ame Mais” e “De Quem é a Culpa”, que embalaram muitos corações partidos, gente já superando seus términos, e até trilha sonora de novelas da TV Globo. “Eu Sei de Cor”, por exemplo, foi a música-tema de Zeca (Marco Pigossi) e Jeiza (Paolla Oliveira) em “A Força do Querer”, obra de Gloria Perez. A cantora, inclusive, marcou presença na telinha e cantou para o casal fictício.
Com seu último projeto ao vivo lançado, o “Todos Os Cantos”, a estrela alcançou um outro patamar em sua carreira. Com a proposta de surpreender os fãs, Marília ia para as principais capitais do país e saía divulgando seu show, que aconteceria na mesma data, gratuitamente, em algum ponto turístico. O trabalho rendeu uma série exclusiva no Globoplay com todos os bastidores, e ainda trouxe smash hits como “Ciumeira”, “Bem Pior Que Eu”, “Sem Sal”, “Bebi Liguei”, “Bebaça” e muito mais.
E foi durante esta turnê também que ela descobriu sua primeira gravidez. Em dezembro de 2019, a cantora deu à luz o pequeno Leo, fruto do seu relacionamento com o cantor Murilo Huff. No início de 2020, Marília voltou aos palcos em São Paulo, mas com a pandemia da Covid-19, precisou suspender toda a agenda de apresentações. Apenas no mês passado, com o avanço da vacinação e flexibilização, ela retomou os compromissos profissionais.
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O sucesso de Marília Mendonça é incontestável. E isso não é apenas uma questão de opinião; os números dizem por si só. A apuração feita pelo Spotify, uma das principais plataformas de streaming, apontou que a cantora foi a artista mais ouvida em todo o Brasil entre os anos de 2019 e 2020. O clipe de “Graveto”, em que a estrela aparece com a barriguinha da gravidez em Belo Horizonte, foi o clipe mais visto do país, com mais de 270 milhões de visualizações. Em dezembro do ano passado, ela bateu o recorde mundial de live mais assistida, ao reunir 3,31 milhões de espectadores. O Prêmio Multishow 2021, que será realizado no dia 8 dezembro, indicou a estrela na categoria “Cantora do Ano”.
Sua lista de parcerias musicais é extensa, incluindo Simone e Simaria, Jorge e Mateus, Anitta, Matheus e Kauan, Gustavo Mioto, Tierry, Gal Costa, Henrique e Juliano, Léo Santana, Luísa Sonza e muitos outros. Mas foi com suas duas grandes amigas Maiara e Maraisa que ela não apenas trabalhava, mas também se divertia muito. Durante a pandemia da Covid-19, as três realizaram várias lives juntas e decidiram retomar o projeto Patroas em grande estilo. As três já tinham registrado o projeto “Agora Que São Elas (2018)”, com a canção “A Culpa é Dele”.
No fim de setembro deste ano, o trio lançou o álbum “35%” — em que elas dividem os vocais em todas as nove músicas — e gravou um videoclipe grandioso para o hino “Esqueça-me Se For Capaz”. Paralelamente, elas ainda colhiam os frutos de “Motel Afrodite” e “Não Sei O Quê Lá”.
Outros muitos planos ainda estavam por vir… Elas anunciaram o Festival das Patroas, em que realizariam shows juntas durante três horas nas principais capitais do Brasil com estruturas dignas dos palcos das grandes divas internacionais. A primeira apresentação aconteceria em março, em Belo Horizonte.
“Já conquistamos bastante coisa, mas o foco agora, o principal, é mostrar a amizade. E como você pode estar ao lado de uma mulher, ou abaixo, acima de uma mulher, e mesmo assim você estar junto com ela o tempo todo”, explicou Marília na coletiva de imprensa do lançamento.
A carreira de Marília Mendonça vai ainda muito além disso, repleta de desafios que provavelmente só ela, seus familiares e pessoas próximas sabem. E a artista era, também, muito mais do que sua trajetória profissional. Sempre se mostrou publicamente como uma mulher forte, uma mãe dedicada, fiel a seus princípios e valores. A partida precoce e trágica de Marília Mendonça não é apenas uma perda para a música brasileira, mas para todo um país que já tem tido tão poucos motivos para sorrir. Marília até podia ser sinônimo de sofrência, mas era principalmente alegria e felicidade para todos que a admiravam.