Walter Casagrande revela fase mais difícil de luta contra o vício e promove reflexão forte de sobriedade: ‘Não tem final feliz’

Walter Casagrande Jr. é um sobrevivente. O ex-atacante e comentarista esportivo conseguiu atravessar por quatro overdoses; um acidente de carro, que o deixou em coma; um infarto, e um ano inteiro em reabilitação seguido de algumas recaídas. Agora, ele conta a própria história.

Em seu terceiro livro, “Travessia”, lançado esta semana, Casão parte de um episódio emblemático – seu depoimento emocionante na final da Copa do Mundo da Rússia, em 2018, quando anunciou que pela primeira vez tinha permanecido sóbrio um Mundial inteiro. Segundo ele, a parte mais difícil, da jornada de um dependente químico não estaria na reabilitação, como algumas pessoas pensam, mas sim na ressocialização.

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Enquanto eu estou internado, estou protegido. Não preciso me preocupar se vou ver alguém bebendo, se ficarei eufórico, se verei movimento de droga. Quando você sai [da clínica], a coisa vira. A escalada para sair do buraco e voltar à sociedade é muito grande“, observou ele, em entrevista – excelente, por sinal, publicada hoje (1º) por O Globo. Casagrande questiona os desfechos de filmes e séries que abordam o tema, e promove uma reflexão importante sobre a sobriedade e a dependência química.

O filme do Elton John (“Rocketman”) é fantástico, foi muito bom pra mim. Mas acaba e você não sabe as dificuldades que ele teve depois que saiu da clínica. Todo mundo pensa sempre em contar a parte errada e pula pro final feliz. Não tem final feliz. Eu alcancei minha sobriedade plena na Rússia, mas não é um final feliz, foi um momento feliz. O dependente químico vai ser dependente até o fim da vida, então agora minha responsabilidade é me manter feliz e sóbrio“, pontua.

Indagado sobre a legalização das drogas, o profissional da TV Globo diz não ser a favor, nem contra. “A droga quase me matou. Eu não posso defender a liberação de algo que quase me matou. Mas também não sou contra. Eu não sou obrigado a tomar um lado. Só faço aquilo que quero, democracia é isso“, pondera. Sobre os ataques que recebe através das redes sociais, Casão conta que já se machucou tanto com isso, que agora nem cuida mais das próprias contas.

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Tem gente que não acredita que a dependência química é uma doença, que as pessoas podem se recuperar. Para elas, a Terra é plana, então não tem diálogo, não dou atenção. Mas os ataques cruéis e o preconceito machucam. Atingem a alma da pessoa. Não corta a pele, não sangra, mas entra uma faca na alma. É uma cicatriz que não fecha. Me fez muito mal, acredito que faça ainda. Então, quem cuida do meu Instagram, por exemplo, é o meu filho do meio, Leonardo. Não vejo comentários. Se olho dois comentários, sempre tem um me chamando de drogado“, relata.

Escrito por Casagrande em parceria com o amigo e jornalista Gilvan Ribeiro, “Travessia” foi lançado nesta segunda-feira (29) pela Globo Livros (Foto: Divulgação / Globo Livros)

Casão também aborda o relacionamento amoroso que teve com Baby do Brasil. “Ela foi e é muito importante para mim. E a abstinência foi um dos fatores mais tranquilos. Eu assumi isso. Mas somos muito diferentes, ela é muito pilhada, vai dormir às 4h da manhã, e eu preciso ter oito, nove horas de sono para não ficar indisposto. Além disso, ela fala no livro que gosta de grudar, e eu sou o contrário. Mas temos um amizade ótima, nos falamos por telefone. O problema é que é quase impossível sair como amigo dela para jantar, ou já vão encher o saco, os paparazzi…“, comentou.

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Por fim, Walter discute sua relação com a política. Recentemente, ele criou um grupo chamado Esporte pela Democracia junto a nomes como Raí, Joanna Maranhão, Ana Moser. “É um grupo antirracista, pela democracia, a favor da proteção das terras indígenas e dos indígenas, contra a homofobia, contra o feminicídio, contra a prostituição infantil… É muito ativo, temos mais de 2 mil assinaturas no nosso manifesto virtual, Caetano Veloso, Chico Buarque estão lá… Tenho visto a torcida do Corinthians na Paulista pela democracia, ela sempre foi política, a Gaviões nasceu em 1969 contra a ditadura. Agora… estamos em pandemia, acho justo e sou a favor deles todos, mas manifestação neste momento não dá pra apoiar. E também não apoio conflito, violência, eu sou paz e amor“, definiu.

Perguntado sobre os comentários de que o grupo seria ligado à esquerda, Casão dá a melhor resposta: “No grupo, não tem isso. Não somos ligados a partidos, não tem político nenhum lá. Eu não consigo entender. Necessariamente você precisa ser de esquerda para ser contra barbáries da sociedade?“. O comentarista lembra que anos atrás foi filiado ao PT, mas que hoje se define como “sem partido”. “Não sou mais radical como era antigamente. Sou a favor e contra isso que te falei. Não preciso seguir partido pra isso“, encerra.