Familiares e amigos se pronunciaram pela primeira vez sobre a morte da brasileira que estava na Ucrânia em uma missão humanitária. Thalita do Valle, de 39 anos, faleceu no último sábado (2) por asfixia após um incêndio tomar conta do bunker em que estava. Ela era natural de Ribeirão Preto (SP) e tinha chegado ao país há menos de um mês.
Segundo o irmão de Thalita, Theo Rodrigo Vieira, ela chegou a receber ajuda do colega brasileiro Douglas Búrigo, mas ele também morreu devido a ferimentos. Além da Ucrânia, a vítima já tinha atuado em missões humanitárias no Iraque e participado das operações de resgate nas tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro.
Em entrevista ao g1, Vieira contou que a paixão da moça por animais vem desde criança e com o passar do tempo surgiu o interesse por missões humanitárias. “A Thalita sempre foi muito agitada, iniciou no teatro e depois na TV, pois minha mãe era atriz e escritora. Mas sempre muito apaixonada por animais, pegava todos que achava na rua. Isso até já foi um problema pra nós”, relembrou. “Durante os estudos, despertou o interesse em proteção animal e seguiu ajudando. Quando vimos, ela já estava indo para o Iraque. Ela nunca avisou muito sobre suas incursões. Acho que até para evitar problemas em casa. Uma mãe não aguenta saber que um filho está indo para um ambiente hostil como o da guerra”, completou.
Ao jornal O Globo, Sandro Silva, outro voluntário brasileiro que estava na Ucrânia, deu mais detalhes de como aconteceu a tragédia. Ele está à frente de um pelotão com vários latinos, incluindo 9 brasileiros. De acordo com Silva, Thalita e Douglas estavam há pouco tempo no grupo, mas já tinham agregado bastante ao time.
“A gente estava em uma residência de segurança, e, infelizmente, foi atingida. A gente correu para dar socorro. Eu fui para um lado, a Thalita foi para o outro, mas depois a gente acabou se encontrando, teve um incêndio, e a Thalita ficou num bunker, com muita fumaça, e ela acabou asfixiando. A gente conseguiu removê-la intacta, com o corpo inteiro, pequenas queimaduras na mão, mas ela asfixiou. Já o Douglas, infelizmente, ele voltou para dentro da casa, ele foi atrás dela e não conseguiu sair. Ele foi alvejado com um morteiro, então, vários estilhaços pegaram nele, e algumas queimaduras também. Então, os dois foram evacuados, os dois estão numa região de necrotério, o exército já está cuidando, junto com a família. Eles vão providenciar a repatriação dos corpos”, detalhou.
O prefeito de Jaguariúna (SP), Gustavo Reis, era amigo da brasileira e lamentou a morte em conversa com o g1. Ele contou que não sabia que Thalita estava no país e que recebeu a triste notícia através de um colega em comum. “Foi um choque maior, até porque é extremamente raro se ter brasileiros indo lutar lá. Dentro desses pouquíssimos [que estão em combate no país], temos três [mortos]. E desses três, uma era uma mulher. E essa mulher era uma mulher que eu tinha um carinho especial, uma amiga querida, que só fazia o bem e que eu tinha uma profunda admiração por tudo que vivenciei ao lado dela ao longo desses anos”, afirmou.
Os amigos se conheceram em 2014, em São Paulo, e no ano seguinte participaram juntos de uma ação de resgate de animais em Mariana. “Pegamos o carro e fomos com outros ativistas até Mariana, uma longa viagem saindo de São Paulo até Mariana, para poder trabalhar no resgate dos animais e também ver as condições em que a Samarco estava alojando os animais naquele momento. E aí todos os animais, não só animais de estimação. É uma situação bem dolorida perder uma pessoa com uma alma tão generosa”, comentou.
Nas redes sociais, Reis também homenageou Thalita. “Além de muitas boas lembranças e valorosos exemplos, ela deixa para todos nós um inconfundível legado de amor à vida e de que é possível fazer o bem, com atitude e coragem, basta querer”, escreveu.
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De acordo o prefeito, em 2017 ela viajou até Bragança Paulista (SP) para conhecer o santuário de proteção animal que ele é dono. “Ela precisava de um lar para três bois que tinha feito, há pouco tempo, o resgate. Ela veio até aqui na época visitar o local, para conhecer como era o santuário, se tinha um espaço adequado. Sabia que ela tinha ido em outras ações de guerra, mas dessa daqui eu não sabia. Fiquei chocado”, relembrou.
O delegado Bruno Lima, conhecido por atuar na defesa dos animais, também se despediu de Thalita através das redes sociais. “Perdemos uma grande amiga e protetora dos animais lutando na Ucrânia. Mísseis russos atingiram o alojamento onde Thalita estava, em Kharkiv. Descanse em paz, parceira. Você fez a diferença nessa terra para muitas pessoas e animais“, afirmou.
Itamaraty se pronuncia
Procurado pela imprensa, o Ministério das Relações Exteriores informou nesta terça-feira (5) que recebeu a confirmação da morte dos dois brasileiros através da Embaixada do Brasil em Kiev. Confira a nota na íntegra abaixo:
“O Ministério das Relações Exteriores recebeu, por meio da Embaixada do Brasil em Kiev, confirmação do falecimento de dois nacionais brasileiros em território ucraniano, no dia 1º de julho, em decorrência do conflito naquele país e mantém contato com familiares para prestar-lhes toda a assistência cabível, em conformidade com os tratados internacionais vigentes e com a legislação local.
Assim como tem feito desde o começo do conflito, o Itamaraty continua a desaconselhar enfaticamente deslocamentos de brasileiros à Ucrânia, enquanto não houver condições de segurança suficientes no país.
Ressalte-se que, em observância ao direito à privacidade e ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012, mais informações poderão ser repassadas somente mediante autorização de seus familiares diretos. Assim, o MRE não poderá fornecer dados específicos sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros”.
A família de Thalita compartilhou que ainda não sabe quando o corpo vai chegar ao Brasil, mas que está em contato tanto com o Itamaraty, como com a Legião Estrangeira Ucraniana para realizar todos os procedimentos necessários.