No ano passado, uma reportagem do “Fantástico” com a detenta Suzy Oliveira, uma mulher transexual, comoveu o país. Mas pouco tempo depois, a entrevista causou revolta, quando veio à tona que ela era condenada pelo homicídio de uma criança de apenas nove anos. Agora, a TV Globo e o dr. Drauzio Varella foram condenados a pagar uma indenização de R$ 150 mil ao pai da vítima por danos morais.
A decisão foi tomada ainda em primeira instância, pela juíza Regina de Oliveira Marques, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo ela, o pai do menino “sofreu novo abalo psicológico ao reviver os fatos”. Isso porque, além de reviver a trágica morte do garoto pela repercussão da entrevista, o homem foi procurado pela imprensa e teve de voltar a falar do assunto. O autor do processo também lamentou que Suzy tenha recebido a “piedade social” do público, enquanto ele sofreu novamente a dor da perda.
“Por todo o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido inicial para condenar solidariamente os requeridos ao pagamento ao autor de indenização por danos morais no importe de R$ 150.000,00 devidamente corrigido e acrescido de juros de 1% ao mês, ambos desde a data da sentença até o efetivo pagamento”, disse a sentença.
O UOL entrou em contato sobre o caso com a TV Globo, no entanto, o departamento de comunicação da emissora mencionou que eles não se manifestam sobre casos em julgamento. Tanto Drauzio quanto o canal ainda podem recorrer da decisão do TJ-SP.
Relembre o caso
Em 1º de março de 2020, uma reportagem veiculada pelo ‘Fantástico’, conduzida pelo médico Dráuzio Varella, movimentou as redes ao mostrar a vida de preconceito e abandono de detentas transexuais alocadas em unidades prisionais masculinas. Uma das histórias mostradas, a de Suzy Oliveira, emocionou telespectadores com destaque para um abraço sensível do profissional – que há décadas atua como voluntário em penitenciárias.
Durante a conversa, Suzy relatou que estava sem receber qualquer visita no local há mais de oito anos. “Muita solidão, né minha filha?“, reagiu Dráuzio, abraçando a interna. A matéria viralizou, até virou meme e causou muita comoção. Suzy chegou a receber 324 cartas e presentes, como livros e chocolates, de acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária. Um novo fato, entretanto, balançou a opinião pública uma semana depois: a descoberta do porquê de a transexual estar presa.
https://twitter.com/whatwouldlbdo/status/1407500771281747969?s=20
Em maio de 2010, Suzy estuprou e matou, por estrangulamento, uma criança de 9 anos. De acordo com o processo contra a presidiária, ela ainda teria deixado o corpo da vítima apodrecer em sua sala por 48 horas. Oliveira depois relatou ao pai da criança que o corpo teria sido encontrado na porta de sua casa. Em depoimento à justiça, uma tia declarou que Suzy sempre foi uma criança problemática.
“Roubava, mentia, não ia para a escola. Até os 12 anos, coisas de criança. Mas depois dos 12, começou a roubar com arma“, contou. Ela mencionou, por fim, que a sobrinha já havia sido acusada de abusar de uma criança de três anos. Ao R7, a Secretaria da Administração Penitenciária confirmou que a detenta cumpre pena por homicídio triplamente qualificado e estupro de vulnerável (menor de 14 anos).
A notícia veio à tona na tarde de 8 de março e deixou as redes sociais em polvorosa. Poucas horas depois, o próprio Drauzio Varella, divulgou uma nota de esclarecimento. De acordo com o médico, ele não sabia do crime, pois não perguntou nada sobre os delitos às reeducandas retratadas na reportagem. Esse, aliás, é o comportamento padrão de Varella para evitar que um julgamento pessoal possa interferir na execução do seu ofício na medicina.
Esclarecimento do dr. Drauzio sobre a reportagem produzida e veiculada pelo @showdavida, no último domingo, 01 de Março. pic.twitter.com/b02JQ5tW9d
— Portal Drauzio (@drauziovarella) March 8, 2020
“Há mais de 30 anos, frequento presídios, onde trato da saúde de detentos e detentas. Em todos os lugares em que pratico a medicina, seja no meio consultório ou nas penitenciárias, não pergunto sobre o que meus pacientes possam ter feito de errado. Sigo essa conduta para que meu julgamento pessoal não me impeça de cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico“, declarou. “No meu trabalho na televisão, sigo os mesmos princípios. No caso da reportagem, veiculada pelo Fantástico na semana passada (1º/3), não perguntei nada a respeito dos delitos cometidos pelas entrevistadas. Sou médico, não juiz“, concluiu. O médico também gravou um vídeo a respeito.
Na mesma noite, o ‘Fantástico’ também se manifestou sobre o caso. “O quadro do Dr. Drauzio Varella foi sobre uma situação que o Estado brasileiro precisa enfrentar: mulheres trans cumprem as penas pelos crimes que cometeram em meio a presos homens, o que gera toda sorte de problemas. O crime das entrevistadas não foi mencionado, porque este não era o objetivo da reportagem. Foi divulgada apenas uma estatística geral sobre eles. O quadro gerou muita empatia no público mas também críticas exatamente por não mencionar os crimes“, pontuou o jornalístico.
“Sobre as críticas, o Dr. Drauzio Varella divulgou a seguinte nota, que o Fantástico apoia integralmente: ‘Cuido da saúde de criminosos condenados há 30 anos. E por razões éticas não busco saber o que de errado fizeram. Sigo Sigo essa atitude para cumprir o juramento que fiz ao me tornar médico. E para não cair na tentação de traí-lo atendendo apenas aqueles que cometeram crimes leves. No quadro do Fantástico, segui os mesmos princípios'”, encerrou.
https://youtu.be/n7MDenvgbjM
A mãe da vítima falou com o programa “Alerta Nacional” sobre o caso e expressou sua indignação ao assistir à cena. Passado o episódio, a TV Globo fez um pedido de desculpas oficial, lido ao vivo por William Bonner, no “Jornal Nacional”. A própria Suzy se manifestou sobre o caso, pediu perdão pelos seus graves erros, e mencionou que a reportagem realmente não sabia de toda sua história.